Tropicália – Um Caldeirão Cultural


 

Orelha di Jards

Não sou tropicalista e nunca o fui. No entanto tive contato direto com os tropicalistas, alguns meus parceiros de poesia e música (Capinan, Torquato, Rogério Duarte, Hélio Oiticica, Rubens Guershman, Glauber Rocha, os maestros Rogério Duprat, Júlio Medaglia, entre outros).

Aliei-me a Gal Costa quando, na ocasião da prisão de Caetano e Gil; e, se em algum momento fui tropicalista, foi no desagravo a eles no Maracanãzinho na minha musica com Capinan “GOTHAM CITY”. Fui exageradamente tropicalista, o que me valeu a fama de “maldito”, pecha que me acompanhou durante anos (não só a mim como a meus colegas pós-tropicalistas Luis Melodia, Sérgio Sampaio, Jorge Mautner – este foi pré), entre outros. O autor deste livro, Getúlio Mac Cord, colheu depoimentos da maioria dos envolvidos direta e indiretamente no processo tropicalista. Nunca vi tanta obstinação!!!

Getúlio batia na porta das pessoas, nem sempre receptivas e, durante os últimos anos, debateu-se na editorialização deste ” Tropicalia: Um Caldeirão Cultural”.

Estes depoimentos fazem, às vezes, 20 anos de idade; mas trazem a luz sentimento da época em que foram tomados.

Hoje o Tropicalismo, já fágicamente deglutido, conta com este material para melhor entendimento e consulta daquele momento e sua importância na História da Música Popular Brasileira e adjacências.

 

Pronto Mac Cord,

com um abraço

Di

Jards Macalé.

 

 

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A PRIMEIRA PESSOA

Por TOM ZÉ

 

primeira pessoa arrasta, toma conta. Cria uma atmosfera de confessionário profanado, nosso ouvido cola-se à porta da câmara onde alguém conta intimidades a um amigo confidente ou, se não tiver amigo, ao psicanalista.

Neste livro os participantes próximos e circunstanciais do Tropicalismo contam ao autor o que se passou naqueles idos já longe, em memorabilia, quando se discute a ação, é recorrente certa pungência de “como deveria ou poderia ter sido”. A narrativa dessa agitação cultural-comportamental que teve a duração e a intensidade de uma nuvem, de uma chuvarada, não foge a certa pungência de baú revirado e reordenado.

A época atual de cada entrevista, o movimento de cada respondedor atravessam níveis de avaliação, tentando, como em Wallace Stevens, ver as coisas como são. É empreitada árdua: os narradores contam coisas que se foram há muito, quando eles mesmos também eram outros.

São tropeços de memorialistas. Mas uma das pontes para atingir a jugular do passado são as revelações; parafraseando Alice, de que valeria um livro de entrevistas sem revelações? Ou sem inteligências? Aqui há muitas: de Rogério Duarte, que seria um formulador, assim que ingressasse em qualquer grupo de ideias e pessoas; dos compositores paulistas, os irmãos Tatit e Hélio Ziskind, dizendo que não lhes interessa abrigar na música popular de agora o atonalismo, idéia erudita do começo do século XX.

E os maestros? Sem eles a Tropicália não teria tido a mesma complexidade e riqueza musical. Na voz de Rogério Duprat, mestre em traquinagem, o ato de fazer, comandado por seu propósito conceitual de desfazer, gera uma depuração pelo avesso, musicalmente aglomerante. Rogério-Supernova-Duprat, emitindo mortal intensidade luminosa na desintegração.

E Júlio Medaglia, outro enorme exigente, um rigoroso que quer de cada criação nunca menos que o máximo, ao explicar a Tropicália, converte, como de hábito, sua ira santa em descoberta intelectual e mapeamento.

Os participantes do movimento fazem um esforço compreensivelmente suado para re-ver momentos tão axiais que, se hipnoticamente encarados, poderiam falsear a narrativa. Ouvimos/vemos Gilberto Gil, Caetano Veloso, Capinan, José Celso Martinez Correia, até eu mesmo, nesse ziguezague de emoção e distanciamento; falando do que fizemos e como fabricamos a nuvem breve chamada Tropicalismo.

Uma surpresa positiva do livro é o texto do próprio autor, Getúlio Mac Cord. Se um historiador pode ser traído pela preocupação documental, pelo não-posso-me-esquecer-de, Getúlio Mac Cord conseguiu exercer uma compreensão seletiva. Enxerta, com particular fluidez, o surgimento e a insurgência do Tropicalismo nos momentos históricos da instauração da ditadura, da perda de esperança, das aflições brasileiras – coletivas, sim, porém parciais e segmentadas. Até hoje é doído e doido falar nisso. Para tantas pessoas, na época e depois, aquelas convulsões nacionais não tiveram muita importância. Tantos nem souberam delas… O véu de Maia revestiu a conjuntura brasileira da idéia de progresso e força e, depois, do retorno ao des-progresso, duas faces da mesma ilusão.

Além das revelações dos artistas participantes e de coadjuvantes expressivos, é bom que o tema tenha sido tratado com uma clareza orteguiana, como a do autor, pinicando o leitor com a vontade de saber mais na próxima página. Seu estilo polidamente antitropicalista, de abridor de cortinas, acende essa curiosidade providencial. Estas informações são um serviço de utilidade pública, leve abrir de porta sobre fatos adormecidos, bem-vindo num país que não tem como coisa nobre o conhecimento de si próprio”.

 

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Apresentação do livro Tropicália Um Caldeirão Cultural de Getúlio Mac Cord

 

Getúlio Mac Cord é radialista, pesquisador de MPB e engenheiro.

Já aos 17 anos, fez sua primeira entrevista com Paulinho da Viola, pois este já conhecia Caetano Veloso desde a época anterior ao Tropicalismo.

Getúlio sonhava em escrever um livro que pudesse, de certa forma, descobrir o Brasil em toda sua amplitude cultural. Ele sentiu que, através da música que ele já amava tanto, essa resposta poderia ser dada.

E, com o instigante e amplo movimento da Tropicália, essa resposta foi examinada.

De lá para cá muita água correu por baixo da ponte e esse especialista em manutenção passou 30 anos pensando este livro e colhendo depoimentos do que há de melhor no cenário cultural brasileiro. Para ele, a Tropicália é um regurgitar de 22, numa clara referência à Semana de Arte Moderna daquele ano e ao movimento antropofágico de Oswald de Andrade.

Tropicália – Um Caldeirão Cultural contém, além da pesquisa do autor, uma coletânea de depoimentos históricos que remete a uma reflexão sobre a época, sem deixar de ter uma visão crítica sobre o período ou trazer à tona curiosidades e surpresas.

Para as 40 entrevistas feitas foram necessárias mais de 50 horas de conversas, gravadas em mais de 50 fitas, 55 viagens, aproximadamente 4056 shows, incontáveis recortes de jornais e revistas, em quase 300 páginas. Ufa!… Haja trabalho!

Tudo isso “descobrindo métodos ao trilhar o caminho”, conclui Mac Cord.

Um cara bom de papo – essa expressão poderia muito bem sintetizar a personalidade de Mac Cord, mas ele é muito mais. Carioca da Tijuca nasceu em 23 de março do mesmo ano em que Jânio Quadros renunciaria à presidência do Brasil, não por acaso o nacionalismo de Mac Cord está na razão direta do conteúdo de sua obra, ou mesmo do que seu temperamento revela e muito além do que seu prenome imprime.

O Mac Cord é de origem escocesa e fala pouco no sangue flamenguista do autor.

Compositor, ele também é do samba, mas quando se pergunta qual sua Escola de Samba, ele responde mineira e poeticamente: “Nasci Mangueira, Portela também sou”.

Bem humorado! O mesmo bom humor marca o tom que Mac Cord cuida de levar para o interior do seu Tropicália, Um Caldeirão Cultural, coisa que consegue sem muito esforço, até mesmo pelo alto astral dos depoimentos, onde desfilam personalidades como Rogério Duprat, Jorge Mautner, Jards Macalé, Capinan,

Guilherme Araújo, Sérgio Dias, Sérgio Ricardo, José Ramos Tinhorão, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé, de quem Getúlio ganhou o prefácio onde este afirma:

“Além das revelações dos artistas participantes e de coadjuvantes expressivos, é bom que o tema tenha sido tratado com clareza orteguiana, como a do autor, pinicando o leitor com a vontade de saber mais na próxima página”.

Agora é ler e confirmar!”

 

Ricardo Moraes

 

 

 

Sumário do livro, aqui.

 




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