Três contos violentos


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GRAVATA
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Sabe o que é? Eu sou a favor da pena de morte. Sou. Sabe o Jorge, filho do Dr. Sampaio? Lembra dele? Se tu lembra, o cara foi pego por um marginalzinho quando chegava em casa de madrugada. Tum, tum, tum. Três tiros no tórax. O marginalzinho? Ainda bem que a polícia justiçou logo – foi encontrado num terreno baldio, de gravata pro ar. É. Sabia que ele tava de gravata? Pois o filho da puta roubou um advogado e botou a gravata do cara. Isso depois de atentar contra o filho do Dr. Sampaio. Foi. Depois a polícia descobriu que o marginalzinho catava a carteira de cara de paletó e ainda afanava a gravata. É. Encontraram uma sacola cheia de gravatas, de tudo quanto é cor, laranja, listrada, larga, lisa, na casa do marginalzinho. Foi. Ele ia todo arrumadinho arranjar seus delitos. E arranjava, sempre pelas ruas do centro. E ia sempre enforcado numa gravata, parecendo um cara fornido. É. Você ri? Eu também já ri disso. Mas não dá não, meu irmão, pra rir desse tipo de coisa. O marginalzinho tinha 17 anos e eu sou a favor que morra. Se bota um filho da puta desse na escola, ele escapa, ou então quer fuder a professora, brincar com a bunda dela. É. Ih, só sou a favor que morra! Pegar a cabeça dele e quebrar que nem telha – troc! Pisar – troc, troc! Deixar os miolos vomitarem pro alto. É. Só vai assim. Quebrar a cabeça como quem estufa uma jaca, ploft, já viu? Pois é. Eu sou a favor de quebrar esses pivetes todos. Fico furioso quando topo com um deles, a cara de maconheiro, sujo, mermão, mano, me dá aí um, ah, bando de vagabundos! Por mim, lascava fogo em tudo. É, sou a favor do fuzilamento. Tum, tum, tum. Os pilantras caindo ajoelhados já dentro da cova, eita! E um engravatado desse aí, eu mandava socar no cu dele a gravata. É. Ou então enforcar ele com todas as gravatas que ele possui. Possui, não! Que ele afanou! Enforcar bem enforcado, duzentas vezes, com duzentas gravatas, que é pra ele ficar com o pescoço da grossura de uma caneta – e é com um pescoço de caneta que ele vai entrar no inferno!

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URROS
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A namorada não sabia foder, foi o que ele disse. Ele reclamou com muita convicção – você não sabe fazer direito, é curta e não se move, parada aí. Mulher parada fica parecendo que não gosta, não quer, não aprova. Mulher que fode bem tem que beijar úmido e com urros. E você não beija que presta – até a língua é parada, salgada, sei lá! Ela o ouvia calada, folheando uma revista. E ele – parece uma velha trepando, já sem prazer algum, secona, nem suja bem o pau da gente, ah… Ela fechou a revista, se levantou. Pôs a calcinha, enfiou o vestido, correu os pés na sandália. Pegou a bolsa, se dirigiu à porta do quarto. E sorriu para ele: eu gosto é do seu pai, garoto! É com ele que eu urro!

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O ESTUPRO
(ou A rua que respira pouco)

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Quando ele, aparecendo do nada, puxou-a pelo braço, ela já entrou em pânico, passou a se tremer. Ele aproximou-lhe uma toalha da boca e apertou-a bruscamente – fica parada, puta! Ela, com falta de ar, quis se livrar dos músculos dele, mas foi contida com um golpe surdo – fica aqui! Ela não conseguia se controlar, as pernas iam fraquejando, o ventre sacudia muito. Ele mostrou-lhe o canivete, que brilhou à luz fraca da rua. E puxou-a para o escuro – fica direitinha, senão eu te firo! Quando viu o muro, os matos crescidos ao pé do muro, ela se assombrou ainda mais. Ele, a mão de dedos de pregos, já a segurava pela cintura, comprimia o corpo dela. E empurrou-a – vai, deita, sacana! Ela caiu perto de uma touceira de capim, via os capins como se fossem grandes cabelos. E ele, respirando forte sobre ela, levantou-lhe o vestido, arrebentou-lhe a calcinha. Agora, em grandes golfadas, aparava na mão o cuspe, os dedos já lambuzados roçando o rosto dela. Ela, sempre com pouco ar, cheirava os capins, cheirava os grandes cabelos. De repente, ele curvou o corpo e concentrou os dentes nos seios dela, arranhando-os. Ela arregalou os olhos – o muro tremendo ia cair? Os destroços a atingiriam? Ele, que tinha os braços quentes, beijou-a com barulho, como se sua boca quisesse quebrar os dentes dela – meu Pai, me acuda! E aí, a respiração ainda mais forte, ele plantou o pênis com toda energia. Um pênis espesso, ela apertando muito os dedos, recuando as costas do chão. Um pênis robusto, um osso. Ele, em cima dela, rebolando, dando severas estocadas. Ela sentia que estava para desmaiar, as pernas lhe doendo, pinicadas pelos gravetos – meu Pai! Ele, afinal, cachorra!, fica quieta!, cravou o pênis com todos os músculos – e, arqueando-se, expulsou para dentro dela o esperma, urrando alto, destemido. E, jogando-se para o lado, resoluto, apanhou rápido a calça. Desviou-se por entre os matos, ganhou a rua. Ela, ainda no chão, cheirou uma vez mais os capins, os grandes cabelos, que pareciam ter se lançado sobre o muro, se projetado para o teto do depósito de construção ao lado. O tal depósito que sempre sua mãe lhe ralhava – cuidado, filha, ao passar por ali, por aquele terreno baldio, aquela rua tem tanta folha, é fechada, respira pouco. Ela tomando ar para poder se erguer, o cheiro dos cabelos agora lhe dando uma náusea intensa. Ali no escuro, vomitaria verde? Ela não sabe a cor, só sabe que, antes de apagar, vomitou aos borbotões.             .

 

 

 

 

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Rinaldo de Fernandes é contista, romancista e ensaísta. Autor dos romances Rita no pomar (2008), que foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, e Romeu na estrada (2014). Os contos acima integram O livro dos 1001 microcontos, que o autor escreve no facebook e que depois ganhará uma versão impressa. E-mail: rinaldofernandes@uol.com.br




Comentários (1 comentário)

  1. Maria Lindgren, O autor dispensa elogios: já o conheço e sei de seu talento. Estes contos, no entanto, me fizeram prender a respiração, tomar fôlego para conseguir usufruir deles. Um abraço, Rinaldo Fernandes.
    28 outubro, 2015 as 18:57

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