Salvando a Pátria?


Lima Duarte fazendo Sassá Mutema

Salvando a Pátria?

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Aryclenes Venâncio Martins ou simplesmente Lima Duarte como ficou conhecido e famoso como ator de teatro, televisão e cinema, nasceu na cidade do Desemboque em 1930. Filho de dono de invernada e atriz de circo-”fui embalado pelos tangos que ela cantava”, Lima Duarte, se diz “ariano típico, com todos os defeitos e qualidades do signo, regido pela cabeça”, único ator brasileiro “de origem rural”, nasceu numa cidade chamada Nossa Senhora da Purificação do Desemboque e Santíssimo Sacramento, no interior de Minas Gerais, que segundo ele, em matéria de nome extenso só perde para Los Angeles. E foi do Desemboque, assim, simplesmente que Lima Duarte veio um dia, aos 14 anos de idade para São Paulo na boléia de um caminhão carregado de manga para tentar a vida na cidade grande. Deu sorte. Em 1946 iniciou sua carreira na Rádio Difusora onde fazia rádio novelas. Amigo de Assis Chateaubriand foi um dos precursores da televisão brasileira fazendo parte do elenco das primeiras novelas realizadas no Brasil, primeiro na Tupi, depois na Rede Globo.

Durante onze anos participou do Teatro de Arena de São Paulo, onde estreou em 1961 fazendo O Testamento do Cangaceiro, e onde confessa ter aprendido disciplina e adquirido consciência da responsabilidade ser ator. Com o grupo Lima Duarte viajou por todo o Brasil e exterior até sua dissolução em 1971 em Marselha, na França. Paralelo fazia teatro na televisão: era o famoso TV de Vanguarda onde interpretou todos os personagens mais importantes da dramaturgia nacional e universal. “Shakespeare eu fiz de Hamlet a Sylock.” No cinema fez trabalhos importantes como o Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, dirigido por Hermano Penna, Malagueta, Perus e Bacanaço de João Antonio, Os Sete Gatinhos, de Nelson Rodrigues, Contos Eróticos, Lua Cheia, de Alain Fresnot onde interpretou um selvagem capitalista, Um Corpo em Delito em que fez um médico legista que só via beleza na morte.

Criador de personagens que fizeram história na televisão brasileira como Zeca Diabo, o cangaceiro regenerado de voz fina, no especial homônimo de Lauro César Muniz, a Sinhozinho Malta em Roque Santeiro novela de Dias Gomes, adaptação da peça do autor, Lima Duarte faz agora- eu dizia na época- o não menos marcante Sassá Mutema de O Salvador da Pátria, novela de Lauro César Muniz que ficou em primeiríssimo lugar na audiência do Brasil inteiro, na época. Críticos e interpretes da telenovela brasileira comparam ou identificam Sassá Mutema ao Kaspar Hauser de Werner Herzog e com O Idiota, de Dostoivesky. Ele diz que pode até pensar nesses personagens quando interpreta o Sassá, mas o que ele pretendia mesmo era corporificar o homem do interior brasileiro, o matuto mineiro tão conhecido seu e que está no seu sangue, que observa nas suas andanças por estes Brasis e ainda que pesquisa incansàvelmente nas páginas do romance que é sua Bíblia, seu livro de cabeceira: Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. E quando, acusado de fazer sempre o mesmo personagem, lembra-se de alguns atores como Chaplin, John Wayne, Marlon Brando. “Somos todos atores de um só papel. O meu é o brasileiro.”

Na sua longa e bem sucedida carreira Lima Duarte fez nada menos 80-oitenta novelas, e até agora 40-quarenta filmes, tendo trabalhado no inicio da sua carreira como técnico de som e ator em novelas de radio,quando não havia televisão ao Brasil, além de ter feito pequena participação em Rei Pelé (1963), onde é narrador do filme. Pertencente ao primeiro time de atores brasileiros Lima Duarte retrata personagens que vivem no mundo que ainda tem sereno, orvalho, fio d’água e terreiro de café, e um encanto e uma pureza que segundo ele está no sangue e na raça do povo brasileiro e considera urgente ser reconquistado. Vive entre Rio, São Paulo e um sítio que tem em Indaiatuba. Os fins de semana em geral passa no interior do país onde animava aquela altura rodeios, exposições de animais e leilões de reprodutores. Bom cavaleiro em geral fazia a abertura do primeiro lance.

Na novela Desejo Proibido, finalizada em 2007, que foi sucesso de publico ele interpretava o prefeito Viriato da cidade mineira Desemboque. Seria uma volta as origens? Em entrevista concedida ao critico Inácio Araújo e à repórter Laura Mattos, da Folha de São Paulo em 2006, Lima desabafou: “Fiz 37 filmes hein? Tenho cinco para entrar em cartaz e ninguém fala, é uma tortura. É só Sassá Mutema. Não que me sinto injustiçado, não é o termo. Mas há uma falta de cuidado em analisar a minha obra, sempre em nome de uma piada. Além de Depois Daquele Baile e Boleiros 2, e vou estrear um do Manoel de Oliveira.” Isso para registrar o quanto este personagem marcou sua vida e carreira.

Esta entrevista foi feita em 1989 quando ele fazia justamente O Salvador da Pátria e interpretava o Sassá Mutema, diga-se, depois de alguma delonga. Marcamos duas vezes e ele adiou o primeiro encontro não me lembro do motivo, mas o segundo teve uma causa nobre: a atriz Dina Sfatt tinha falecido naqueles dias e, ele, que tinha sido seu namorado segundo me disse, estava muito abalado. Finalmente fizemos a entrevista no seu restaurante Satwa que significa Equilíbrio em sânscrito, e que fica nos Jardins, em São Paulo. Aliás, para completar devo dizer que eu fiquei de plantão para esta entrevista no apartamento da Olga Bilenki e José Luis Mora Fuentes, onde me hospedava em diversas ocasiões quando me mudei de São Paulo- que ficava na Alameda Franca a meia quadra do referido restaurante onde também íamos comer vez em quando. Aqui Lima Duarte fala um pouco da sua carreira, dos seus gostos e especialmente de como criou este personagem Sassá Mutema, que quem diria, até hoje é citado como paradigma de sua atuação como ator. Mas como Lima Duarte é altamente consciente das misérias que assolam este nosso Brasil, ele aborda também problemas nacionais. E por incrível que pareça ele fala coisas de extrema atualidade. Mas apesar de dizer que não acredita em Deus, diz em vídeos bem contemporâneos que acredita na vida depois da morte – seus pais eram espíritas, tema de um de seus últimos filmes: E a Vida Continua… – como se pode ver neste link:

E fora isso Lima Duarte continua atualíssimo na mídia com o lançamento em DVD da novela O Bem Amado com Paulo Gracindo fazendo o papel principal e ele no também histórico Zeca Diabo, a ser conferido neste link- matéria publicada no dia 4 de novembro de 2012.

http://www.bemparana.com.br/noticia/236069/novela-o-bem-amado-finalmente-sai-em-dvd

 

 

Ele queria fazer uma parábola do povo brasileiro

 

P- O Sassá Mutema é um dos seus bons personagens. Como se sente, qual a sensação de fazer um bóia fria?

Lima Duarte– É muito estranho porque fazer uma novela que tenta fazer uma prospecção da realidade política brasileira hoje, tentar trabalhar a formação da liderança brasileira numa emissora como a Globo é muito difícil porque estes grandes complexos de comunicação no Brasil não sabem dar de cara consigo mesmo. Eu quero me referir ao Civita, à Globo, Silvio Santos, quando eles topam com eles mesmos é fogo. Eu acho que todos nós, eu o Lauro e a Globo estamos perdendo a oportunidade de fazer um grande trabalho.

 

P- Você quer dizer que não está fazendo o Sassá como concebido originalmente? Como era e o que você está conseguindo realizar?

LD– Eu pensava no começo, quando me foi proposto, fazer um grande trabalho. Quando me foi proposto eu pensei que a gente podia fazer uma parábola do brasileiro, os caminhos que o brasileiro tem escolhido para crescer enquanto Nação. Eu pensei que eu pudesse fazer um ser social que retratasse tudo isso. E como seria então o Sassá Mutema como eu imaginei? Ele era um nada: ele nunca tinha feito sexo, ele era virgem, ele não sabia ler nem escrever, nada, nada…

 

P- Nonada do Guimarães Rosa?

LD– É nonada, um sujeito absolutamente virgem. E aí começamos a construí-lo. Ele então era aquele sujeito que quando toca nas flores as flores crescem, quando toca nos bichos, os bichos comungam com ele, enfim esta força natural, esta força autêntica legítima que é do nosso destino, que é típica do povo brasileiro, considerando é claro essas pequenas etnias, as mil nações indígenas, o caboclo, a nossa formação. Mas enfim parece que este é o nosso destino, a pureza, a emoção pura e dela tirar sustento, comida, enfim crescer. Era o Sassá. Mas ele vai crescendo, vai aprendendo coisas vão colocando coisas na cabeça dele, colocam o amor, a insídia, a suspeita, colocam o ciúme, ensinam ele a ler, ele descobre o fantástico mundo que está atrás da palavra impressa e vai caminhando, vai ficando pronto, ficando um homem , um homem maravilhoso e a gente acaba descobrindo que ele perdeu muito nesta caminhada e que ficou na verdade um chato, um idiota, corrupto, corrompido e corruptor igual a todos os outros. Então eu pensava que a gente podia pedir ao povo que pensasse um pouco nessa caminhada e o que estamos perdendo. Ou seja, para ser uma grande Nação, estamos perdendo aquela pureza tão nossa que estamos sacrificando no altar do progresso. Quer dizer, o Brasil cresce dizimando suas florestas, poluindo seus rios, matando seus índios, matando pequenas etnias. Era nisso que eu pensava e aí quando o povo visse o Sassá Mutema, o destino que ele cumpriu e pensasse nele: olha aí um grande senador, um homem importante, mas aquele outro era tão mais interessante tão mais rico quando era fiel. Enfim, um homem que perdeu sua identidade cultural, que é nada menos o que nós, o povo brasileiro está sofrendo: uma perda de identidade cultural.

 

P- Ou seja, você estava propondo ao público se ver no espelho do Sassá Mutema e verificar que afinal o sucesso não vale a pensa se for conseguido à custa do sacrifício do que é mais bonito no povo que é justamente sua pureza original?

LD– Eu pensava nisso tudo, nessas coisas grandiosas e inclusive fazendo um personagem cuja essência é a mudança Ele fala: ieu, todo perplexo, aturdido e descobrindo coisas, porque ele era um personagem em mudança como de fato está mudando. Mas eu não sei se tudo isso, a profundidade que o tema merece vai ser pesquisado na novela, vai ser feito pela novela. Talvez disso tudo resulte apenas um personagem engraçadinho.

 

P- Você acha que esta situação é verossímil, um boia fria se transformar num homem bem sucedido, e além de tudo um herói?

LD- Não é um herói, nem bem sucedido, é apenas dentro da proposta que é de analisar a formação da liderança brasileira. Eu acho que um boia fria realmente não, mas um homem do povo que fale a linguagem do povo, chegar lá, é completamente verossímil.

 

Memória emotiva e distanciamento

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P- Gostaria que contasse seu processo de criação de um personagem. Como funciona até alcançar, digamos à forma final?

LD- Eu trabalho muito sobre a memória emotiva…

 

P- Stanislavsky?

LD-Stanislavsky- tem até um capítulo falando disso, mas meu negócio é mais Brecht. Eu não sou Sassá Mutema. Sassá Mutema é minha maneira de ver o Brasil. Eu não me confundo com o personagem.

 

P- Você usa o distanciamento brechtiano?

LD– Exatamente eu me mantenho a distância do personagem. O Sassá Mutema não tem nada a ver comigo, nem eu com ele. Agora, eu para fazê-lo- como ele fala seu gestual, essa coisa técnica mesmo, eu uso a memória emotiva, tios meus, avô, pai, me lembro dessa gente que viveu daquele jeito. Meu pai é muito aquilo. Mas eu pretendo que o resultado seja brechtiano, ou seja, a minha técnica é o realismo crítico.

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P- Sei que você tem um personagem que é sua menina dos olhos, que é o Riobaldo de Grande Sertão Veredas do Guimarães Rosa. Pensa um dia fazer Guimarães Rosa no teatro?

LD– Eu adoro Grande Sertão Veredas, tudo. É o meu Alcorão, meu livro de cabeceira. Diadorim, Riobaldo. Eu tenho um recital que, aliás, tem um nome lindo: Sertão Sertão, com slides, computação gráfica porque eu gosto disso tudo misturado, coisas medievais com a última palavra da tecnologia. Fiz só para viajar, fui até Washington, Filadélfia, algumas cidades dos Estados Unidos. Na verdade é um paralelo entre a obra de Guimarães Rosa e William Faulkner que é uma coisa muito hermética. Digamos que com ele eu não participaria da entrega do Oscar (risadas), é muito difícil de vender.

 

P – Sei que você é uma pessoa muito ligada ao campo. Tem alguma propriedade rural?

LD– Não sou ligado ao campo, só nasci no campo. Inclusive porque hoje o campo não é mais o que era. O campo que eu gosto está mais dentro de mim do que isso que a gente vê. Quando eu vou ao campo é uma decepção… Mas eu tenho um sitio em Indaiatuba.

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P- E você vai muito lá?

LD– Muito, tenho lá meus discos, livros, meus netos a gente passa os fins de semana.

 

P- Você vive entre São Paulo, Rio e este sítio?

LD– A idéia é morar lá um dia…

 

P- Você nasceu no Desemboque interior de Minas. Como é isso de ser mineiro? Você chega a se sentir um corpo estranho na cidade?

LD– Agora, quando eu vou lá?

 

P-Não, eu quero dizer se você se sente um corpo estranho nas cidades grandes em geral?

LD- Ah. Muitas vezes. Inclusive fica aquela coisa no fundo que é o seguinte: se as coisas não derem certo aqui eu tenho para onde voltar. (Risadas) Se não der certo eu volto para a minha terra.

 

P- Mas aí, você volta?

LD– Acho que não.

 

P- Você virou paulistano, não é?

LD– Eu vim para São Paulo com 14 anos e posso dizer que sou paulistano porque cresci junto com esta cidade. Cheguei logo depois da Guerra, São Paulo tinha 1 500 habitantes era uma gracinha de cidade, uma delicia. Nós crescemos juntos. Enfim, este processo de crescimento eu acompanhei bem. Mas de Minas eu tenho lembrança da minha terrinha lá, bois, cavalos eu trabalhava com meu pai, ele tinha uma invernada e eu trabalhava com bois, pastoreava. Meus pais, avós todos mexiam com isso. Trabalhavam na terra e eu cresci fazendo isso, essas coisas de lidar com animais, bois, cavalos. Agora, hoje mudou muito, tem o que se chama de agro – indústria, que mudou muito o tipo de comportamento da relação do homem do campo.

 

P- Tudo mudou hoje, as relações, o tipo de propriedade…

LD– É isso não existe mais, talvez lá no Brasil perdido…

 

P- A TV hoje é hoje o que o cinema foi nas décadas de 30,40, 50, ou seja: lançadora de moda no sentido mais amplo, quer dizer, responsável por mudanças até de comportamento, através das novelas, casos especiais, enfim da programação geral. Você vê isso como perigoso ou inevitável? Acredita que as pessoas envolvidas no processo como diretores, autores, atores tenham grande responsabilidade nisso?

LD– Inevitável, mas o que fazer? Ela existe, está aí, o que é preciso é compreendê-la tentar alterá-la. O que ela tem que ser e que não é: veículo de distribuição da produção cultural brasileira. A produção cultural brasileira é muito rica, precária é a distribuição porque os donos da televisão só pensam nos seus interesses pessoais, todos eles sem exceção. A TV é o maior veículo de comunicação: 40 milhões de espectadores, vendo cada noite. Esse compromisso maior, que eu acho que os homens de televisão deviam entender. Não tem isso de habitantes na Itália, na França.

 

“Não sou patriota sou brasileiro”

 

P- Como vai, em sua opinião, a qualidade de vida no Brasil: desde a economia, saúde, educação, cultura. Ela melhorou nos últimos, digamos dez anos ou decaiu, mesmo considerando os movimentos alternativos cada vez mais atuantes, o Partido Verde, a proliferação de lojas e restaurantes preocupados com alimentação mais natural, enfim toda uma cultura alternativa, cuja expansão começou na década de 60?

LD– Mal, nada vai bem, muito atrasada em relação a tudo, a 50% de potencia do ponto de vista social e a 80% do ponto de vista econômico. Esses números têm que ser modificados, uma discrepância muito grande, uma defasagem enorme e não podemos continuar assassinado assim nossas crianças, nossos índios, estas minorias todas. Tem que se tomar consciência que o Brasil é uma grande nação. Um dia há de ser uma potência pluripartidária, que seria o ideal, partidos através dos quais se possam exercer sua ideologia. Isso seria maravilhoso. O Brasil não tem isso: aqui os partidos são bandos, aglomerados, amontoados, todos cuidando dos seus interesses. Lamentável. O Partido Verde, esta coisa da ecologia são coisas do momento, ainda que eu ache que está na hora de se começar a pensar mesmo seriamente nisso tudo.

 

P- Você é naturista, ou o Satwa é apenas um negócio? Você é adepto da alimentação natural, integral?

LD– O Satwa é um bom negócio para mim. Eu sempre comi aqui, um dia me falaram: quer comprar? Eu tinha uma graninha sobrando e comprei. Mas já era freqüentador do restaurante, eu gosto. E a única coisa que eu falo para eles aqui é: tem que ser limpo, tem que ser honesto. Não me interessa que venda muito, que venda pouco, porque este mercado é muito complexo, muito sujeito a mentira, embustes, o comércio do verde, o mercado da ecologia. Então a única coisa que eu faço questão é que seja honesto porque inclusive todo o dinheiro daqui eu ponho no sitio e vai para pagar o colégio das minhas netas. Não sei se isso dá dinheiro ou não.

 

P- Você fuma, bebe?

LD– Não fumo e bebo menos que socialmente.

 

P- Você disse que gosta da cidade. Mas há alguma coisa que te irrita na cidade? Ou nada te irrita na cidade?

LD– São Paulo?

 

P- Cidades em geral…

LD- Se eu tiver que viver aqui, ganhar dinheiro, seria diferente porque eu acho São Paulo uma cidade muito dura, muito cruel. São Paulo você vive bem até os 40 anos, depois tem que sair porque ela fica muito difícil. Você tem que pegar um documento na cidade perde o dia inteiro, no trânsito. Mas é a melhor cidade da América Latina.  Muito melhor que a cidade do México, por exemplo, que é um caos e talvez ganhe de Buenos Aires que tem aspectos muito interessantes. Mas acho que, como fôrça é São Paulo a cidade mais importante.

 

P.- Você já pensou em viver fora do Brasil?

LD– Não conseguiria. Já morei na Finlândia, morei em Roma, morei nos Estados Unidos. Vou todo ano, às vezes duas vezes ao ano, vou à Europa e Estados Unidos, ver teatro, negócios, etc.

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P.- Você já trabalhou fora do Brasil?

LD– Já, trabalhei na Broadway, em Portugal, vou muito a Roma, Venezuela com teatro. Com o teatro de Arena então eu viajei muito. Mas não conseguiria viver fora do Brasil. E é idiota quem diz que consegue. Como é que você vai perder tão completamente a identidade cultural assim. Eu preciso da minha gente, do botequim da esquina, ver os amigos, do cavalo, ver como se ensilha, como é que monta, como é que cura uma bicheira, essa coisa é vital para mim, eu não consigo viver fora disso. Não sou patriota, sou brasileiro. Acho que o estado brasileiro é uma lástima, mas o país eu acho legal. Morar em Portugal, em Paris, seria xingado todos os dias pelo francês que é um dos piores cidadãos do mundo e que trata o resto do mundo como seres inferiores.

 

P.- O que te encanta particularmente no campo e nas cidades ditas do interior? Não haveria muito de mistificação naquela imagem paradisíaca, aquela pseudopureza que permearia todas as coisas ditas do campo? Há cidades hoje no interior que reúnem as desvantagens e as vantagens da cidade grande. Ou seja, não tem os atrativos culturais das grandes nem o contato da natureza do campo. Em compensação tem grandes Shoppings Centers.

LD– Eu acho que isso, este paraíso entre aspas existe muito mais dentro das pessoas que formalmente. Por exemplo, nos grandes centros você educa as crianças-aliás, você educa em geral pelo medo, não faça isso, cuidado com o ladrão, cuidado com aquele menino que ele te rouba, quer dizer o inimigo potencial sempre é o seu semelhante. No campo é: cuidado com o rio que é fundo, cuidado com este cavalo que é bravo, cuidado que aí tem cobra. É sempre uma coisa mítica, maior, então você aprende bàsicamente que o teu inimigo não é o outro ser humano. É uma coisa que está perto de Deus, e da natureza. Então se educar é assustar, se você de fato educa pelo medo eu acho que aquele tipo de educação é melhor e resulta num ser humano mais interessante. Quando eu era criança meus pais só me proibiam de ir a rios muito fundos, ou onde tivesse onças ou cobras ou de montar cavalo bravo. Nunca me disseram que um sujeito, um meu semelhante pudesse me fazer mal. Eu acho que é esta coisa do campo que é mais interessante. E tem lógico aquele reacionarismo, aquele provincianismo das cidades do interior, mas a gente tem que saber distinguir os preconceitos, o reacionarismo, e aproveitar só as coisas boas das pequenas cidades.

 

P.- Como você se sente sendo um ídolo muito assediado sempre nas ruas, nos lugares?

LD- Eu aprendi a lidar com isso, às vezes perturba um pouco, mas o que fazer? Faz parte da coisa toda eu aceito.

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P.- Aliás, por falar nisso, você tem uma constante que é fazer muito personagens matutos, de certa forma simples, mas com grande fôrça interior, carismáticos. Você se sente bem fazendo este tipo? Parece que sim.

LD– É até esperteza minha, porque se eu fosse fazer personagens ingleses, ou franceses eu teria que ter um público inglês ou francês para aferir a qualidade do meu trabalho, para entender perfeitamente os personagens que eu faço. Mas eu fazendo personagens brasileiros eu tenho o Brasil para aferir e ele tem aferido, gostado muito do Sassá, do Zeca Diabo, do Sinhozinho Malta. Eu acho que tenho uma procuração do povo para interpretá-lo, o que é mais importante que uma procuração para representá-lo, em minha opinião. Os deputados e senadores têm uma procuração do povo para representá-lo, dado pelo voto. Mas eu tenho uma procuração do povo para interpretá-lo e este voto é dado com o coração, é incorruptível. O povo me autoriza a interpretá-lo todos os dias, todas as noites e eu vou lá e interpreto e eles me agradecem por isso. Por isso acredito que seja mais importante ser intérprete do povo, que representante e então é isso que eu quero: ser interprete do meu povo.

 

P.-E os projetos futuros? Quando terminar a novela.

LD– No momento estou estudando uma proposta que me fizeram para um filme em Macau, em Hong Kong que é uma coprodução portuguesa e francesa. Eles viram o Sinhozinho Malta em Portugal, o diretor adorou meu trabalho e me convidou para fazer o filme. Vou fazer em espanhol, isso numa cidade portuguesa incrustada na Ásia, na China. Eu me ligo muito nessas coisas de tradições culturais, de raízes, vou ficar louco com este personagem.

 

P.- Você tem ascendência portuguesa?

LD– Portugueses e índios. A minha avó, mãe de meu pai era muito índia, ela era pequeninha, encurvadinha e ela pitava um pito de barro. Ela ficava cachimbando miudinho e olhando o sol. Não sei o que ela procurava atrás do sol, mas devia ser uma coisa bela, porque o olhar dela era bonito. E este olhar é o que me sustenta na televisão e que eu tento reproduzir. O Brecht dizia: “eu quero nos meus atores o olhar de Galileu”. Eu quero para o Sassá Mutema o olhar da minha avó.

 

P- Você lê muito?

L D– Leio bastante e anarquicamente, leio dez livros ao mesmo tempo , paro, volto, quer dizer depois de dois anos eu li todos. (Risadas) Só tem um que leio sistemàticamente que é o Grande Sertão Veredas.

 

P.- Você é religioso?

LD– Não, sou ateu, não acredito em Deus, nada de esoterismo, nada de misticismo, nada, nada, nem Tarô, nem astrologia. As quatro patas no chão, só me interessa o ser humano, as relações interpessoais. Leio tudo sobre isso: literatura, poesia, ensaios. É isso.

 

 

 

Trabalhos realizados na televisão

Teatro

 

Cinema

Nos cinemas em 2013- A Busca…. Pai de Theo

Nos cinemas em 2013- Colegas… Arlindo

Nos cinemas em 2013-Meus Dois Amores…Nhô Peixoto

 

 

Prêmios e Indicações

………..1953-Prêmio Roquette Pinto …. melhor ator de televisão

Para saber mais sobre ele:

http://youtu.be/cSc1ejJ3kso

 

 

 

 

 

 

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Ana Lúcia Vasconcelos é atriz, jornalista, escritora e tradutora, licenciada em Ciências Políticas e Sociais pela PUC de Campinas, Mestre em Filosofia da Educação, pela Unicamp, e acaba de preparar um livro ainda inédito sobre Hilda Hilst que o MUSA RARA publica em partes. E-mail: analuvasconcelos@globo.com




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