Revista Coyote


 

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Coyote traz entrevista com Moacyr Scliar e conto inédito de Daniel Wallace

Vigésima terceira edição da revista literária tem também traduções de Gregory Corso e inéditos de Beatriz Bracher, Marcia Tiburi e Bernardo Vilhena

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“O direito de delirar é uma conquista da literatura desde Lautréamont. A crítica bem poderia entrar em uma crise de delírio obedecendo a motivos poéticos. Os delírios de hoje são, às vezes, as verdades de amanhã.” É sob o espírito desta citação do crítico Roland Barthes que a Coyote, revista de literatura editada em Londrina (PR), chega a seu número 23. Patrocinada pelo PROMIC (Programa Municipal de Incentivo à Cultura) de Londrina (interior do Paraná), Coyote firmou-se como uma das mais importantes revistas literárias do país.

Um dos destaques desta edição é o dossiê-homenagem com o escritor Moacyr Scliar, falecido no começo de 2011. “Escrevo no aeroporto, em avião, no hotel. Aprendi a desligar do lugar onde estou e me concentrar no que estou fazendo. Não preciso ficar isolado, não preciso de silêncio, não preciso de nada disso”, diz o escritor, em entrevista inédita feita por Ademir Assunção, em novembro de 2008.

Entre as histórias publicadas neste número está “De Chinelos”, conto inédito do americano Daniel Wallace (autor do romance Peixe Grande, levado às telas por Tim Burton), traduzido por Cristina Macedo e Rodrigo Garcia Lopes, e inéditos também de Marcia Tiburi e Beatriz Bracher.

A poesia ganha um apanhado da lírica estridente do americano Gregory Corso (1930-2011), apresentado e traduzido por Reuben da Cunha Rocha, e do português Jorge Melícias, além de inéditos de Bernardo Vilhena, Renato Tapado, Bruno Brum, Rodrigo Madeira e Augusto de Guimaraens Cavalcanti. Maria Lúcia Milléo Martins apresenta e traduz (do inglês) a poesia do poeta brasileiro (radicado no Canadá), Ricardo Sternberg.

A fotógrafa Mara Tkotz assina a capa e o ensaio fotográfico do número, em imagens aéreas captadas na região rural de Londrina. A quarta-capa traz cartum de Beto.

 

 

GREGORY CORSO NA COYOTE 23

Um dos poemas traduzidos por Reuben da Cunha Rocha:

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MUTAÇÃO & FUGA
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1
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Cheguei ao céu e ele era meloso.
Era opressivamente doce.
Substâncias pegajosas grudaram em meus joelhos.
De todas elas São Miguel a mais grudenta.
Peguei um pouco dele e passei na minha cabeça.
Achei Deus um gigantesco pega-moscas.
Fiquei fora do seu caminho.
Andei por onde tudo tinha cheiro de chocolate queimado.
Enquanto isso São Miguel estava ocupado com sua espada
abrindo trilhas no meu cabelo.
Achei Dante pelado em uma bolha de mel.
Ursos lambiam suas coxas.
Tomei a espada de São Miguel
e me esquartejei num adesivo enorme circular.
Meu torso despencou num equilíbrio elástico.
Como se arremessado dum estilingue
ele zuniu no Deus pega-moscas.
Minhas pernas afundaram nalguma lama inimaginável.
Minha cabeça, mesmo pesando o peso de São Miguel, não caiu.
Cordões finos de chiclete multicolorido
a sustentaram.
Meu espírito foi visitar meu torso armadilhado.
Empurrei! Puxei! Eu o sacudi de lado a lado!
Ferido! Amansado! Ele não conseguia mais sair!
A luta de uma Eternidade!
Uma Eternidade de empurrões! De puxões!
Voltei à minha cabeça,
São Miguel tinha sugado todo o meu tutano!
Crânio!
Meu crânio!
Único crânio no céu!
Fui às minhas pernas.
São Pedro lá polindo as sandálias nos meus joelhos!
Fui pra cima dele!
Meti sua cara no açúcar no mel na marmelada!
Embaixo de cada braço pernas pra que te quero!
A polícia do céu veio em alta perseguição!
Eu me escondi na sopa de São Francisco.
Agarrado aos bombons da sua gentileza
chorei, cuidando das minhas pernas assustadas.
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2.
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Eles me pegaram.
Eles confiscaram minhas pernas.
Eles me sentenciaram no firmamento de um cu.
A prisão de uma Eternidade!
Uma Eternidade de trabalho! de zurros!
Abarrotado com os andrajos sujos dos santos
bolei minha fuga.
Soprando da ampulheta o enchimento
bolei minha fuga.
Bolei escalar montanhas impossíveis.
Bolei debaixo do chicote da Virgem.
Bolei ao som do júbilo celeste.
Bolei ao som da terra,
do lamento dos infantes,
do grunhido dos homens,
da batida dos caixões.
Bolei minha fuga.
Deus ocupava as mãos brincando com as esferas.
Chegara a hora.
Trinquei meu queixo.
Quebrei minhas pernas.
Meti as mãos no arado
no forcado
na ceifadeira.
Meu espírito escorreu pelas feridas.
Fez uma poça de espírito.

Me ergui da carcaça do tormento.
Me pus de pé na beirada do céu.
E juro que o Grande Território estremeceu
quando caí, livre.

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Abaixo: manuscrito de Gregory Corso

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POEMA DE BERNARDO VILHENA

dedicado a Waly Salomão, na Coyote 23

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AOS VIVOS

Não gosto dos mortos sérios
respeitáveis.
Sou mais chegado
aos mortos escrachados
debochados
que riram muito de tudo
de todos
e muito mais de si mesmos.

Gosto de mortos
que aproveitaram a vida
arriscaram a vida
trataram-na com desdém

Gosto dos mortos
que amaram mulheres
amigos, vinho e poesia

Gosto dos mortos
que viveram e deixaram viver.
Saíram do sufoco
sem sufocar ninguém

Gosto dos mortos
que fizeram da vida um aprendizado
viveram o presente
flertaram com o passado
e lutaram para tornar menos duro
o tal do futuro

Gosto dos mortos que foram otários
ficaram por cima
ficaram por baixo
tiraram onda
foram capachos
sem se importar com o disse me disse
com o acho não acho.

Gosto dos mortos
que fizeram do riso uma arma
da música um bálsamo
da palavra um aviso

Gosto dos mortos vivos
não imortais, não zumbis
mas aqueles que cada um de nós
guarda com carinho uma frase
uma expressão de face
um conselho de amigo.

Gosto dos mortos
que enfrentaram perigos
venceram desafios
perderam feio
e ganharam bonito
que nos ensinaram
a perdoar, a conviver
a libertar

Gosto dos mortos
que nos livraram dos medos
dos preconceitos, da miséria
da ignorância

Gosto dos mortos modernos
que nos fizeram perder o medo do inferno
que transformaram tentação em sensação
como se o alfabeto recuasse uma casa
e a vida avançasse duas

Gosto dos mortos ativos
que nos ensinaram a ficar vivos
mesmo que estejamos pobres
sozinhos, deserdados.

 

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COYOTE 23 // 52 páginas  // R$ 10,00. Uma publicação da Kan Editora. Vendas em livrarias de todo o país, com distribuição pela Editora Iluminuras – fone (11) 3031-6161. Pode também ser adquirida pela internet através do site: www.iluminuras.com.br
E-mails: marcoslosnak@gmail.com/zonabranca@uol.com.br/rgarcialopes@gmail.com
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PATROCÍNIO: PROMIC – PROGRAMA MUNICIPAL DE INCENTIVO A CULTURA – PREFEITURA MUNICIPAL DE LONDRINA – SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA DE LONDRINA




Comentários (5 comentários)

  1. Heloísa Góes, Adorei as revistas, como posso recebê-las? Tenho comigo apenas a edição nº26
    21 outubro, 2014 as 22:49
  2. amintas eduardo pereira, Sobre o Waly, isso era necessários. Que outros se lembrem do mesmo também. pois há muito ainda a ser dito.
    28 dezembro, 2015 as 11:54
  3. Antonio Maura, Gostaria entrar em contáto com Ademir Assunçâo. Sou um escritor e critico espanhol e gostaria traduzir e publicar poemas seus na Espanha Poderiam me facilitar o seu email. Muito grato, Antonio Maura
    15 fevereiro, 2016 as 14:03
  4. admin, oi, Maura. sou o Edson Cruz, do Cronópios, amigo do Carlos Emílio, lembras? estamos abertos pra suas colaborações tbém… olha, o contato do Ademir Assunção é: ademirgassuncao@gmail.com
    17 fevereiro, 2016 as 11:00
  5. Mikhael Oliveira Simões, Como posso conseguir as edições anteriores da Coyote? Abraço!
    7 abril, 2018 as 17:08

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