Por que não sou cristão?



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Nos últimos meses, o Brasil tem vivido um quadro de extremismos religiosos comparáveis aos extremismos de algumas religiões orientais, como o Islamismo; entretanto, o superlativismo religioso vem justamente da religião que na sua formação histórica pregou a tolerância a outras religiões e formas de conduta – aqui, refiro-me ao Protestantismo, quando, após as mortes de milhares de homens (como na Noite de São Bartolomeu), advinda de uma guerra contra a Igreja Católica, instituiu, durante o período elisabetano, a liberdade de culto e o direito civil. A religião evangélica, oriunda do Protestantismo, por muito tempo foi tolerante, às portas fechadas, com o modo de vida pagão dos civis; ela, que em seus cultos prega a condenação dos erros humanos e a expiação desses erros através do sangue messiânico – um deus que renuncia à divindade para tornar-se humano e humano, assim, destrói o pecado pela morte, renascendo como deus e novo homem -; após alcançar as bases do poder – tal como o catolicismo em suas raízes históricas, através do fim do império romano pagão, inaugurando o império romano cristão -, usa-se desse poder para tentar desfigurar a sociedade impondo a ela a “remissão” do pecado pela lei.
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Já fui cristão, já acreditei em Deus, e, hoje, por uma razão lógica – em nada pessoal – não creio mais. Embora ateu, posso afirmar que a conduta da igreja através da história não me levaria a duvidar da existência de um deus. Mesmo assim, observando a teologia, em especifico, a Teologia da Salvação, as ações da igreja evangélica vão contra sua própria doutrina. Eis o que prega a Teologia da Salvação, em resumo: O homem é livre para cometer o pecado e afastar-se, assim, de Deus; mas, também é livre para aproximar-se d’Ele pelo arrependimento. Por esta assertiva, o homem não é obrigado a se redimir, é livre para escolher se aceita a salvação oferecida por Deus por meio do Cristo ou se permanece no pecado. O Cristo, quando veio para salvar o homem, veio oferecendo a fé em seu evangelho e por ela, a reconciliação com Deus. Mas o próprio Cristo, em nenhum momento, levantou armas para obrigar o povo a aceitar a ele e seu evangelho; quem desejava levantar armas, foi aquele que o traiu. A pregação do Messias baseava-se no amor, e o amor só o é, porque se fundamenta na liberdade do outro. O evangelho do amor anulou a Lei; o resgate da Lei anula a fé. Desta forma, a pregação da igreja evangélica em instituir uma lei de acordo com sua doutrina teológica, que visa a “cura” do outro, vai contra seu próprio livro sagrado e sua raiz cristã, a qual – como já disse – está fundada na liberdade, pois ao estabelecer uma lei, retorna ao velho testamento e anula o novo testamento. De outro modo, poderia assim dizer: No momento em que a igreja evangélica, através de seus representantes políticos, aprovar a lei da cura, estará rasgando seu sagrado livro e anulando a mensagem de Jesus o Cristo, e, por sua vez, negando a Deus. Trata-se, portanto, de uma ação ateísta.

Sou ateu, mas sou cristão, por que a filosofia de Cristo é uma filosofia da moral, e concordo com ela; um cristão é aquele que entende seu limite humano e compreende que o outro também tem limites e, por isto, erra; um cristão, que isto entende, age compassivamente, procura ajudar o outro de acordo com seus limites, senão a superá-los, a entendê-los e aceitá-los; um cristão age politicamente quando ajuda um pobre, quando esclarece uma mente, quando transforma as ações do outro. Neste âmbito, sou cristão.

Sou ateu e sou protestante; protesto contra uma igreja que deturpa as palavras de um livro para subjugar o homem a seu poder; protesto contra uma igreja que não soube separar política de religião; protesto contra uma igreja feita de muros e colunas e homens com voz sedutora, uma igreja construída em ouro, aço, ferro e bronze, sem vida, seca como o deserto; protesto contra uma igreja que agride ao invés de abraçar; protesto, protesto, protesto, e peço, mesmo sem fé, por uma igreja sem muros e colunata, sem ouro, aço ou bronze; feita apenas por homens que creem e agem segundo a fé, o amor e a esperança; pois a igreja de Jesus o Cristo não está em um templo de pedra, o templo, segundo o próprio Cristo, “é o corpo do homem onde o espírito de Deus habita”.

Sou ateu e não sou cristão, porque não creio que Jesus Cristo era o Messias, trata-se de um mito em torno de um homem revolucionário e controverso; não sou cristão, porque não creio em Deus, nem em um céu nem em um inferno, mas agrada-me ler a Divina Comédia, e O Paraíso Perdido, como me agrade ler a Bíblia. E, se Deus existe, pode ter se arrependido de ter feito o homem, pois até Ele tem sentimentos, e nos deixou, ou nós deixamos a Ele. E, se existe, tenho certeza que não está feliz com as ações de seus fiéis, pois Ele, segundo a Bíblia, é o autor do livre-arbítrio. E, se não existe, cabe ao homem à responsabilidade por suas escolhas e a ninguém transferir sua culpa, nem buscar algum meio de restringir a liberdade de outros.

Certamente, Friedrich Nietzsche tem razão quando escreve que o único cristão morreu na cruz. Certamente, o Evangelho está lá, nos pregos que crucificaram Jesus, na lança que o trespassou, na terra em que escreveu…

 

 

 

 

 

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Anderson Fonseca é autor do livro de contos Notas de Pensamentos Incomuns (2011). E-mail: luizdovalefon@hotmail.com




Comentários (1 comentário)

  1. jorge elias neto, Concordo com você Anderson. Entretanto, reproduzo as palavras de Antonio Porchia|:”Creio em Deus, não por ele, muito menos por mim. Creio em Deus pelos homens que creem em Deus”. Explico-me: O processo de desconstrução humana, o entendimento da insignificância, é um processo árduo e que vejo poucos ateus se submeterem com sinceridade e empenho. Não vejo com bons olhos o ateu hedonista e despido dos valores morais. Dai entender que é utópico considerar que a sociedade pode prescindir da religião. É uma situação verdadeiramente complexa mas devemos considerar que existe um papel social nisso tudo. Vivemos uma mudança de paradigmas, sociedade fraca, governos fracos, religiões enfraquecidas… Mas não penso que a resposta que encontrei para minha vida, como provavelmente a que encontraste para a sua, refrescará a existência de todos. A existência absurda não é para todos. Que se resgatem os valores cristãos, ou os preconizados por outros grandes homens.
    29 julho, 2013 as 20:56

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