Poesia da banalidade


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Poesia que repete o já dito. O esperado. O surrado. Uns versinhos bem ritmados. Umas expressõezinhas que se pretendem bem-humoradas. Ou líricas. Ou contestadoras da ordem instituída.  Poesias que recolhem cenas da paquera ao trabalho no escritório.

Enfim, tudo é considerado poesia. Afinal, ela é a expressão da subjetividade. E nada há mais sagrado, intocável e inquestionável que a subjetividade. Cada um gosta de ser senhor de si. Principalmente quando se outorga o título de “poeta”.

Ora, a dita Poesia Marginal surge natimorta por isto mesmo. Ela creu que bastava colocar no papel o que o sujeito sentia para aquilo ser poesia. Sabemos hoje, como sabíamos já à época fatídica, que o que essa “poesia” produziu serve de documento para estudos culturais. Estudos sócio-histórico-políticos. E o escambau dos anos 70 e 80.

Não é isto o que encontramos nos livros que buscam estudá-la? Até hoje não se escreveu neste país um único estudo, longo ou breve, que tome a “poesia marginal” como produto estético. Ela é sempre abordada como documento de uma época. Como retrato de uma geração. “Bella aroba!”

Convenhamos: documento de época é jornal, é livro de história, etc.

A dificuldade mora aqui: se é poesia, tem de se constituir, antes de mais nada, como linguagem. É a especificidade da linguagem que nos revela se um texto é científico ou ficcional. Não há como negar. Ou então caímos no relativismo absoluto em que tudo pode ser tudo.

Bem, não quero me ater a discussões retóricas, na acepção pejorativa do termo. Apego-me a fatos. Tal como os biólogos se atêm às lâminas comparativas. Na poesia o que dizemos ganha significado pelo modo como é dito. E este modo é um certo cruzamento que se opera entre sons e sentidos. Roman Jakobson percebeu isto. Pra sorte da distinção entre linguagem poética e linguagem prosaica.

Não se nega que qualquer tema possa ser material poético. E nem mesmo que a mesmice possa ser poesia. Não se discute a qualidade do tema. Em poesia discute-se o tratamento que o tema recebe. O tema pode ser A ou B. Pouco importa. O que conta é que, sendo ele poesia, será revolucionário.

Oswald de Andrade e Manuel Bandeira são exemplos de que poesia pode ser feita com o mais trivial. Com o mais cotidiano. Com o mais banal. Sem deixar de ser poesia.

Nos dois poetas o sublime está no acerto com a palavra. Está no cuidado em tomar a palavra como matéria viva e vária. Está no saber rigoroso que é lírico, social e bem humorado. Bandeira compara seu amor a um porquinho-da-índia. Oswald fala que aprendeu a ver poesia com seu filho de dez anos. O que estes poetas estão nos dizendo e mostrando?

Aquilo que os “poetas marginais” não foram capazes de perceber:  a poesia reside na construção verbo-sonoro-imagética da palavra. Na novidade do olhar que se surpreende com o que já conhece à beça.

 

 

 

 

 

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Amador Ribeiro Neto é poeta, ensaísta e professor da UFPB. Publicou,  entre outros títulos,Barrocidade (Landy Editora, 2003),  Muitos: outras leituras de Caetano Veloso (Orobó Edições, 2010), como organizador e coautor. E-mail: amador.ribeiro@uol.com.br

 




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