Poesia clássica chinesa


Poesia clássica chinesa – A tradição budista

 

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玄觉XUAN JUE

A Dinastia Tang (618-907), considerada a época de ouro da poesia clássica chinesa, foi uma sociedade cosmopolita, durante a qual ocorreu uma das maiores ondas de expansão do budismo Chan (o Zen) na China e, a partir do País do Centro, nas demais nações do leste asiático. Poeta deste tempo foi Xuan Jue, cujo nome religioso era Yong Jia. Foi discípulo do sexto e último patriarca do Chan, o cantonês Hui Neng (638-713), cuja escola teve importante papel na posterior disseminação do Zen na Coreia e no Japão. Xuan Jue foi autor de extenso canto ritual até hoje estudado e recitado. Poema longo e complexo, expressão de uma consciência em meditação, é de difícil leitura para não-iniciados. Daquela obra, os quatro excertos que aqui colocamos estão entre os mais traduzidos para línguas ocidentais. Eles farão parte de nosso próximo trabalho, uma antologia da poesia clássica chinesa da Dinastia Tang. Bom proveito.

Ricardo Portugal e Tan Xiao.

 

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永嘉证道歌 之一

 

狮子吼  无畏说

百兽闻之皆脑裂

香象奔波失却威

天龙寂听生欣悦

 

Da Canção do Caminho de Yong Jia (I)

rugir de leão          palavra sem medo

cem animais escutam seus crânios estalam

perde a grandeza um elefante perfumado

dragões celestes ouvem em intenso prazer

 

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永嘉证道歌 之二

 

心镜明  鉴无碍

廓然莹彻周沙界

万象森罗影现中

一颗圆光非内外

 

 

Da Canção do Caminho de Yong Jia (II)

 

puro espelho dentro          reflexo sem travas

vazio a iluminar mundos  inumeráveis

tudo o que existe sendo aparecendo ao centro

a pérola radiante não-fora nem dentro

 

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永嘉证道歌 之三

 

一月普现一切水

一切水月一月摄

诸佛法身入我性

我性同共如来合

 

 

Da Canção do Caminho de Yong Jia  (III)

 

a lua é uma a mesma inteira a toda a água

das águas todas são as luas uma lua

os corpos únicos dos budas que me invadem

a mim sozinho a todo o Buda se reúnem

 

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永嘉证道歌 之四

 

从他谤  任他非

把火烧天徒自疲

我闻恰似饮甘露

销融顿入不思议

 

 

Da Canção do Caminho de Yong Jia  (IV)

 

deixem que digam          que falem que riam

queimar o céu com tochas: cansem de tentar

o gosto de seu choro é como um puro orvalho

dissolvo no impensável súbito vazio

 

 

 

 

 

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Os tradutores:

Ricardo Primo Portugal é escritor e diplomata, graduado em Letras pela UFRGS. Está completando oito anos vivendo e trabalhando na China, primeiro em Pequim, depois em Xangai e, a partir de 2010, em Cantão (Guangzhou). Publicou: Zero a sem – haicais (7Letras), DePassagens (Ameop, 2004), A Cidade Iluminada (Paulinas, 1998), Arte do risco (SMCPA, 1992), Antena Tensa (Coolírica, 1988), além de participações em antologias de poemas para adultos e crianças. Foi co-organizador da edição bilíngue chinês-português Antologia poética de Mário Quintana (EDIPUCRS, 2007), primeiro livro de poeta brasileiro traduzido para o chinês, com o apoio do Consulado Geral do Brasil em Xangai. Em junho de 2011, saiu, pela UNESP, Poesia completa de Yu Xuanji, edição bilíngüe da obra da poetisa clássica chinesa (Dinastia Tang), com traduções suas e de Tan Xiao. Tem publicado poemas, além de artigos sobre tradução, literatura e temas culturais em períodicos e revistas da internet. E-mail: ricardo.pportugal@yahoo.com

 

Tan Xiao é graduada em Letras, com ênfase em língua inglesa e ensino das línguas inglesa e chinesa pela Universidade Normal de Hengyang e pela Universidade Zhong Nan, Changsha, Hunan, República Popular da China. Estudou português na UnB. Foi intérprete e tradutora português-chinês da Embaixada do Brasil em Pequim e trabalhou no escritório brasiliense da empresa Huawei. Mestre em lingüística pela Universidade de Línguas Estrangeiras de Guangdong.




Comentários (6 comentários)

  1. Ronaldo Ferrito, Que beleza de mistério é encontrar um pouco de Ricardo Reis já na poesia clássica chinesa – que beleza é a heurística poética clássica da realidade: a lua refletindo a mesma verdade per secula seculorum: “a lua é uma a mesma inteira a toda a água das águas todas são as luas uma lua” (…)
    28 junho, 2012 as 18:20
  2. Ronaldo Ferrito, A mesma imagem quase em paralelismo de versos: “em cada lago a lua toda brilha” (…)
    28 junho, 2012 as 18:24
  3. Ronaldo Ferrito, um quiasmo de versos…
    28 junho, 2012 as 18:31
  4. Ricardo Primo Portugal, Legal! Obrigado, Ronaldo.
    29 junho, 2012 as 0:50
  5. Marcia Camargo, Maravilha… Obrigada!
    29 junho, 2012 as 13:13
  6. Norma Fernandes, 0 destino premiou minha alma chinesa, colocando na China os sobrinhos Ricardo e Tan que, num companheirismo e em grande sintonia, nos remetem de lá essas pérolas. Não deve ser fácil traduzir os ideogramas conservando a essência do pensamento do autor. As sensibilidades de Rick e Tan vão, assim,nos mergulhando em belezas inimagináveis.
    13 julho, 2012 as 21:15

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