Para não viver



.

A experiência-limite, proposta por Maurice Blanchot, consiste em não tentar silenciar a agressividade, as perversões nem as angústias. É preciso ter horror de si mesmo para entender os meandros da própria natureza. É preciso realizar, no plano simbólico, os impulsos mais íntimos e terríveis.

Dar-se a si como matéria literária é como passar ao redor do próprio pescoço um laço; é tomar-se para si. Georges Bataille traçou este caminho por sugestão de seu psicanalista, Adrien Borel. O primeiro resultado foi o livro W.C., que Bataille julgava “opor-se violentamente a toda dignidade”. No entanto, continuou escrevendo sem reservas – o que parecia tão assustador no espelho não pesava no texto. Por ser inorgânica, a literatura permite tudo.

O desafio de escrever livremente proposto pelos surrealistas e descrito por André Breton [“esqueça a genialidade e o talento dos outros. Diga que a literatura é um dos mais tristes caminhos que levam a qualquer lugar. Escreva rapidamente, sem tema preconcebido”] dialoga intimamente com a busca da fala aparentemente desordenada proposta pela psicanálise. Não por acaso, o processo psicanalítico influenciou tão decisivamente escritores como Bataille e Michel Leiris, que também foi paciente de Adrien Borel.

Essa “viagem ao extremo do impossível” permite que o escritor experimente até a morte sem, no entanto, vivenciá-la. Escrever sobre impulsos destrutivos não é se aproximar deles, ao contrário: é realizá-los através da palavra para livra-se deles. Este é mais um ponto de ligação entre a experiência-limite e a psicanálise.

Bataille destruiu o manuscrito de W.C. e A História do Olho, seu segundo livro, foi publicado sob o pseudônimo de Lord Auch (Auch é a abreviação de aux chiottes, vaso sanitário). Bataille afirmava “escrever para apagar o seu nome da história”, mas talvez escrevesse para apagar pensamentos. O silêncio é o prêmio final.

 

 

 

 

.

Daniela Lima é escritora e jornalista. Publicou o livro Anatomia, em 2012, pela editora multifoco. Em 2013, colaborou para o blog do Instituto Moreira Salles e termina a biografia da escritora Maura Lopes Cançado. E-mail: daniela_plima@hotmail.com

 




Comentários (6 comentários)

  1. Antónia Jonker, Podia ter-se estendido mais para menos rasidez.
    6 março, 2013 as 14:33
  2. Elisa Amaral, ‘Rasidez’ nada tem a ver com o tamanho do texto. As ideias estão claras. Belo texto.
    7 março, 2013 as 18:04
  3. Anderson Fonseca, A critica ao texto de Daniela é sem fundamento. O texto é claro, conciso e forte.
    7 março, 2013 as 18:23
  4. Carlos Alberto, Rasidez (sic!).
    7 março, 2013 as 18:48
  5. Natália P., Não acredito que a qualidade de um texto seja proporcional ao seu tamanho. A mensagem precisa ser entregue, coisa que Daniela fez muito bem. Estendê-lo mesmo quando seu objetivo já foi alcançado só o tornaria confuso e sem um objetivo claro.
    7 março, 2013 as 19:25
  6. Antónia Jonker, LOL! Claro que o texto não precisa ser longo para ser bom. Mas quando o texto é bom dá vontade de ler mais. Fosse mais longo e teríamos lido, não obstante qualquer pressa. E “rasidez” é um termo usado por Fernando Pessoa em cartas a amigos, quando os queria ler mais.
    8 março, 2013 as 18:39

Comente o texto


*

Comente tambm via Facebook