O Xerife Indefeso


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A arte da narrativa é como um isqueiro onde duas pedras se chocam e desse choque sai fagulha. É o choque entre um personagem e uma situação que o influencia. O personagem, “x”, tem um conjunto de características dramáticas. A situação, “y”, tem outras. O segredo é botar o personagem numa situação invulgar, ou complexa, ou violenta, ou inesperada, que de alguma maneira provoque uma perturbação à qual ele vai ter que responder, agindo. Ao agir, ele muda a situação, a qual, por sua vez… Muitas, muitíssimas histórias interessantes se baseiam nessa função de “x e y”, um personagem tal numa situação qual.

O Xerife Indefeso é um desses achados. “Xerife” pode ser visto num sentido amplo – o cara responsável pela ordem ou pelos valores num local. Digo xerife porque na minha memória afetiva essa imagem está mais associada ao filme de faroeste do que à literatura, embora cada leitor possa contribuir com seus próprios exemplos. O Xerife Indefeso é o Gary Cooper de “Matar ou Morrer”, contando os minutos para a chegada dos pistoleiros que vêm matá-lo, e pedindo ajuda, inutilmente, à população, que deixa tudo nas suas mãos e se esconde. É o xerife ético e irritadiço de Marlon Brando, na “Caçada Humana” de Arthur Penn, querendo impor, mais até que a lei, a voz da sensatez numa cidadezinha endinheirada, bêbada, preconceituosa e violenta.

Esse personagem é interessante porque é o lado solitário do poder. Uma versão simétrica ao Pistoleiro Solitário (“Shane”, os filmes de Eastwood, etc.), que é marginal e se garante sozinho. O Xerife Indefeso é o representante da lei, da justiça e do governo; e muitas vezes está só, acuado na lei da selva.

Eu ia dar um exemplo noutro gênero e me veio à mente “Outland – Comando Titânio”, com Sean Connery como o policial de uma estação espacial mineradora. Mas esse filme é conhecido justamente como uma versão tecno-futurista de “Matar ou Morrer”. Apesar de ter um roteiro com outras tramas paralelas, ele tem essa mesma contagem regressiva para a chegada da espaçonave com os pistoleiros que vêm matar Connery.

O Xerife Indefeso (no sentido de não ter ninguém para defendê-lo além de si mesmo) é a solidão do poder, o combate quixotesco de um ético ou de um sensato num mundo onde o Mal está botando as unhas de fora. É possível ser o “representante da civilização” e ser um inocente como James Stewart em “O homem que matou o facínora”, um xerife que está ficando cego como Robert Ryan em “À Borda da Morte”, ou ser o destemperado e idiossincrático “Roy Bean” de Paul Newman. O Poder também dá oportunidades de grandeza aos grandes individualistas, quando lutam por uma coletividade que os abandona.

 

 

 

 

 

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Braulio Tavares é escritor e compositor. Estudou cinema na Escola Superior de Cinema da Universidade Católica de Minas Gerais, é Pesquisador de literatura fantástica, compilou a primeira bibliografia do gênero na literatura brasileira, o Fantastic, Fantasy and Science Fiction Literature Catalog (Fundação Biblioteca Nacional, Rio, 1992). Publicou A máquina voadora, em 1994 e A espinha dorsal da memória, em 1996, entre outros. Escreve artigos diários no Jornal da Paraíba: http://jornaldaparaiba.globo.com/ Blog: http://mundofantasmo.blogspot.com/ E-mail:btavares13@terra.com.br

 




Comentários (1 comentário)

  1. José Gentil, Olá, Nonato. Espero que nos encontremos em Sobral, no próximo mês de outubro. Um abraço, Gentil
    25 agosto, 2013 as 0:50

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