O “hipster”: origens e etimologia


Havia postado no Facebook:

A mudança do sentido de “hipster”, de boêmio da pesada para alguém descolado, criador de moda: isso é coisa de jornalista brasileiro ou aconteceu antes lá, nos Estados Unidos? Mantive “hipster” – “hipsters com cabeça de anjo” – em minha tradução de Uivo de Ginsberg. Tenho algo sobre a etimologia / origem do termo. Acham que valeria a pena postar em meu blog?

Pergunta suscitou interesse. Transcrevo alguns comentários. Em seguida, até onde cheguei quanto à etimologia / origem do “hipster”.

.

ALGUNS COMENTÁRIOS:

Renata D’Elia: Veio antes dos gringos. Leia sobre o Brooklyn “hipster” de Nova York, Claudio Willer! São chamados de new hipsters. Rola até um padrão de barbas e de vestimentas.

Antonio Bivar: Aconteceu nos States, Claudio Willer, e corre mundo americanizado. Faz tempo, já.

Afonso Luz: Seria fundamental falares disso, pois começou com uma sociologia pouco cuidadosa de associar o “hipster” ao processo de “gentrification” da vida urbana, como se ele fosse o verdadeiro responsável pelos esquemas de operação financeira em áreas degradadas em que habita, quando na verdade há muito mais sob estas escolhas do que uma simples conveniência estética. Desde os anos 80 muitos dos empreendimentos imobiliários tentam transformar traços do experimentalismo em maneirismos decorativos das suas propostas comerciais, muito embora não sejam nunca de fato “hipster” e apenas uma sombra disso, como o art-deco já havia feito com o cubismo no início do século passado. E no Brasil isso ainda fica completamente deslocado, tanto de um lado como de outro, por conta de a gente também incorporar a crítica a esse processo de gentrificação de uma maneira também colonizada (e ressentida), sem que se tenha de fato uma construção reflexiva sobre ela, a ponto de “hipster” ter virado um xingamento da moda na boca daqueles que nem sabem do que estão falando.

Betty Vidigal, citando: “”Initially, hipsters were usually middle-class white youths seeking to emulate the lifestyle of the largely black jazz musicians they followed.”

Assis de Mello: Não deixe de postar, Willer!! Esse sentido de “hipster” atual macula a imagem tão temida, mas tão dadivosa, atribuída pela sociedade americana nas décadas de 50 e 60. Esse termo é para os beat e os hippie que ousaram tentar mudar o mundo para melhor. Kerouac, Ginsberg, Ken Kesey, Leary, e todos os outros, não merecem a sombra desses poodles de passarela de hoje.

Tito Martino: o termo vem da subcultura do Jazz anos 40 –Hipster or hepcat, as used in the 1940s, referred to aficionados of jazz, in particular bebop, which became popular in the early 1940s. The hipster adopted the lifestyle of the jazz musician, including some or all of the following: dress, slang, use of cannabis and other drugs, relaxed attitude, sarcastic humor, self-imposed poverty, and relaxed sexual codes.

Rodrigo Schaeffer: Convém lembrar que Kerouak fez uso do neologismo no clássico On the Road, onde ao elogiar o boêmio existencialista amante do jazz, viria a criar origem da palavra hippie, do hipster ou seja, algo como super, hiper… Lembro dessa mesma discussão ainda nos anos 80, antes da palavra ganhar status mainstream, onde revistas como cHiclete com Banana, do Angeli, trazia a tona a vanguarda passada a limpo no início da Abertura política na república das bananas. ..

.

ETIMOLOGIA / ORIGEM:

Em dicionários etimológicos, é observado que o exuberante blueseiro Cab Calloway (aprecio muitíssimo) havia utilizado a expressão “hepcat” nos anos de 1930. “Hipster” e “hip cat” viriam de “hepster”, palavra também misteriosa. Aliás, Kerouac vê um “hepcat” diante de sua janela, em Desolation Angels.

Mas eu tenho outra interpretação. Aliás, admitida por algum dos dicionários etimológicos que consultei há tempos. Seguinte: existe a “Hip flask”. Aquela garrafinha de bolso, achatada, contendo bebida alcoólica, preferencialmente uísque, de um tamanho que coubesse no bolso lateral do paletó – na altura do quadril, o “hip”. Muito usada por bebuns durante a Lei Seca, para encherem a cara discretamente. Portanto, vem dos anos de 1920 – a desastrosa proibição de comercializar bebida alcoólica, para satisfação de contrabandistas, destiladores clandestinos e mafiosos, durou de 1921 a 1933. Originariamente, “hip cat” seria, penso, quem trazia consigo a “hip flask”. “Hipster”, o doidão completo; e assim o termo estendeu-se para usuários de outras coisas e boêmios em geral.

Hippies? Aparecem em 1965/67. Crias dos beatniks e dos hipsters. Lembrando que a expressão “Beat Generation” foi criada por Jack Kerouac e John Clellon Holmes em 1948 – antes, os da turma tinham-se como “hipsters”.

No mais, concordo inteiramente com o que foi dito sobre a banalização do termo, agora desprovido do que tinha de transgressivo ou subversivo. Imaginem, os “angelheaded hipsters” de Ginsberg visualizados como barbudos descolados, instalando-se em “lofts” elegantes.

E, convenhamos, há caipiras! Fotos de uns agentes da PF conduzindo figurões para a cadeia – pela pinta de galãs, foram designados na matéria como “hipsters” … ! A que ponto chegamos … Estou chocado, escandalizado.

 

 

 

 

[Do blogue do Willer: https://claudiowiller.wordpress.com/]

 

 

 

.

Claudio Willer é poeta, ensaísta e tradutor. Tem formação acadêmica como sociólogo (Escola de Sociologia e Política) e psicólogo (Instituto de Psicologia – USP) e doutorado em Letras Comparadas, pela Universidade de São Paulo. Ocupou diversos cargos e funções em administração cultural, foi assessor na Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, responsável por cursos, oficinas literárias, ciclos de palestras e debates, leituras de poesia, de 1994 a 2001; e participou de dezenas de congressos, seminários, ciclos de palestras, apresentações públicas de autores, etc, no Brasil e no exterior. Foi presidente da União Brasileira de Escritores por dois mandatos, entre 1988 e 1992. Foi novamente eleito em 2000 e re-eleito em 2002. Foi também secretário geral da UBE em outros dois mandatos (1982-86), e presidente do Conselho da entidade (1994-2000). Algumas obras: Anotações para um Apocalipse, Massao Ohno Editor, 1964, poesia e manifesto; Dias Circulares, Massao Ohno Editor, 1976, poesia e manifesto; Os Cantos de Maldoror, de Lautréamont, 1ª edição Editora Vertente, 1970, 2ª edição Max Limonad, 1986, tradução e prefácio; Jardins da Provocação, Massao Ohno/Roswitha Kempf Editores, 1981, poesia e ensaio; Uivo, Kaddish e outros poemas de Allen Ginsberg, L&PM Editores, 1984 e sucessivas reedições, seleção, tradução, prefácio e notas; nova edição, revista e ampliada, em 1999; edição de bolso, reduzida, em 2.000; Crônicas da Comuna, coletânea sobre a Comuna de Paris, textos de Victor Hugo, Flaubert, Jules Vallés, Verlaine, Zola e outros, Editora Ensaio, 1992, tradução; Volta, narrativa em prosa, Iluminuras, 1996, segunda edição, 2002; Lautréamont – Obra Completa – Os Cantos de Maldoror, Poesias e Cartas, edição prefaciada e comentada, Iluminuras, 1997; segunda edição em 2003. E-mail: cjwiller@uol.com.br




Comente o texto


*

Comente tambm via Facebook