O ano da graça de 2015


 

Lori awon odun ti ore-ofe 2015, sugbon pelo awon okàn ohun ti mo fe lati sele ni 2016 / Sobre o ano da graça de 2015, mas com a mente e o coração naquilo que gostaria que acontecesse em 2016


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Do presente para o passado, o demônio da história de braços dados com o ‘Ângelus Novus’ ambos com os olhos fixos no horizonte enterrado, como observou Ricardo Domeneck em seu blog, a assustadora simetria do horror brasileiro continua, 111 tiros nos 5 jovens negros no Rio, 111 assassinados no Carandiru em São Paulo e assim vamos para o fundo, enquanto o povo que mora nas calçadas pergunta sem ênfase, o que mudou? 学生占领了学校,这需要一个乌托邦趋于增长,直到它爆炸 / Estudantes ocuparam as escolas, uma fusão das demandas da utopia (desejo) e da necessidade (política), política e utopia jamais poderão ser consideradas como categorias separadas, principalmente a partir deste gesto gerador de zonas de autonomia que significou a prática de um exercício de política em altíssimo grau, realizado pelos estudantes secundaristas do Estado de São Paulo, com um certo grau de ineditismo, uma lição para os partidos políticos que estão internamente extintos, quando faltam projetos que dialoguem com a complexidade de uma realidade movente  gerada pela espuma, usa-se a tropa de choque. Para que estranharem a expressão ‘espuma’ dentro do contexto, sugiro a leitura do maior não-lançamento do ano: Esferas de Peter Sloterdjiek, tradução de José Marques de Almeida, Estação Liberdade, a mesma editora relançou a tradução de Josely Vianna Batista para o Paradiso de Lezama Lima, enquanto não chegam as Esferas, leiam o Paradiso, ainda em relação aos estudantes, estive em uma das escolas, a Caetano de Campos e discutimos por lá, algumas possíveis teses que poderiam entrar em um documento ao Mr. Robot, uma das teses foi esta: Reconhecimento da autonomia dos estudantes como executores dos processos de controle social, capacitados a organizar inclusive, eleições diretas para diretor de escola. Achei que foi muito pouco o envolvimento dos professores, a considerar a autonomia de pensamento que pode existir dentro de uma sala de aula, salvo exceções, estive em várias escolas e não vi a materialização dessa autonomia dos professores, nem das universidades, direcionada para um apoio nítido para as ocupações e passeatas dos estudantes, o que torna essa autonomia dos professores em uma autonomia entre aspas, a condição de estudante é uma condição infinita e é ela quem cria e anuncia o devir professor. Em 2015 houve uma intensificação da luta pelo Parque Augusta e contra o uso privado por uma construtora de imóveis, de um espaço que foi pensado para ser uma área verde pública, algo que deveria ser proibido por lei, a conexão entre isto e o impedimento para a construção de uma Usina Hidrelétrica em Belo Monte, para mim, é óbvia. O Parque Augusta e todos os grandes parques do Brasil deveriam ser reservas administradas por índios, que sejam devolvidas todas as terras aos índios do Brasil, também defendo que em 2016 seja estudada a possibilidade de se fazer a inversão territorial e nominal do Xingu, onde é hoje a Amazônia seja reconhecida como Xingu e onde é o Xingu seja chamado e reconhecido como Amazônia, isso diminuiria consideravelmente o território da Amazônia que poderia assim deixar de ser Estado e se tornar cidade e criaria-se desse modo o ‘Estado Independente do Xingu’ com o mesmo status diplomático e reconhecimento de soberania, que possui, por exemplo, o Vaticano na Itália, ainda na mesma dimensão das autonomias, podemos ir para a música, agora,  o disco de Sara não tem nome, Ômega, ouçam e baixem em: http://saranaotemnome.com, possui uma beleza etérea e ela extrai beleza de estados perigosos do ser, outro disco de uma beleza atemporal, Silêncio & Magma de Tiganá Santana, gravado no Senegal nas línguas da ancestralidade-semente kikongo e kimbundu , o retorno de Chico César em Estado de Poesia, contextualização do lugar do canto , em uma mestiçagem entre o poético e o social, a beleza de um encontro de pianistas em O Piano e a Casa com Benjamim Taubkin, Hércules Gomes entre outros, revela uma camada profunda da aura do Brasil, uma clareira onde dialogam entre si, modos singularíssimos de tocar piano, que um dia os políticos alcancem esta dimensão de busca da harmonia escondida nos silêncios. Na literatura, as pequenas editoras alcançaram o status de poderem fazer parte do refogado dos prêmios criados por corporações bancárias, meu livro Retornaremos das cinzas para sonhar com o silêncio e Mínimoabismo de Priscila Merizzio, ambos publicados pela Patuá, foram indicados para a semifinal do Prêmio Itaú/Oceanos, o enigma dos critérios ronda a literatura brasileira, considerei um enigma e um mistério, apesar do justo mérito, alguém em Brasília levou o maior prêmio da Megasena de todos os tempos. Enquanto por uma questão de abismo, ao invés do espiritual, é o eurocentrismo quem domina, as mesmas questões continuam sem resposta, boa parte da pseudocrítica e dos livros editados estão mais perto da dimensão da clínica, do que da dimensão da arte, em 2016, quero que o lirismo vá para a puta que o pariu, teremos Saraus e passeatas, mas nunca, uma coisa dentro da outra, em 2015, fui curador de três edições de um festival de literatura em Santos, não é possível fazer chover no deserto, gostaria de fazer festivais literários na Crackolândia e dentro das prisões, eis o público leitor, parece que cada grande cidade brasileira tem sua Crackolândia, o abismo é imune, exige uma filosofia da crise, o fantasma de Mário Ferreira dos Santos fumando crack, enquanto dá uma aula sobre Nietzsche no meio das chamas do Museu da Língua Portuguesa, os grandes livros de 2015 foram escritos por mulheres, Repátria de Francesca Cricelli, publicado pela Demônio Negro e Chacharitas e Gambuzinos de Ellen Maria Soares, que saiu pela Patuá, enfrentam a mestiçagem entre as línguas e lugares, como um desafio tarkovskiano, dois ensaios iluminaram o cubo de treva, Exterior.Noite-Literatura/Filosofia de Maurício Salles Vasconcellos, que desenhou uma cartografia dialógica a partir das ressonâncias do pensamento de Blanchot em e com outros autores, saiu pela Lumme Editor, reproduzo um excerto que acho pertinente para o momento: “A literatura só existe enquanto busca (enquanto se busca), numa confrontação de seu próprio limiar-expropriação do que é dado como fundamental-, através de seu modo de passar e advir”. Onde está literatura, leia-se ‘Você’.

Em 2016, talvez a Rússia invada a Arábia Saudita, talvez 100 mil índios façam acampamento na Avenida Paulista, talvez Eduardo Cunha seja preso no meio de seu sorriso de Monalisa dos esquemas no meio da sessão, a Presidenta pensará em renunciar, mas não o fará, Dilma Roussef não é Dilma Roussef, Eu não sou Marcelo Ariel, você não é você.

 

 

 

 

 

 

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Marcelo Ariel é poeta, coordena cursos de criação literária em Santos e São Paulo, mora em Cubatão, autor dos livros Retornaremos das cinzas para sonhar com o silêncio (Patuá), O rei das vozes enterradas (Córrego), Não -Eu (Dulcinéia Catadora), entre outros. Em 2016 deve lançar Com o Daimon no Contrafluxo pela Patuá e A criação do mundo segundo o esquecimento / Diários- 2010-2015 pela Imaginário Coletivo. E-mail: marcelo.ariel91@gmail.com

E-mail: marcelo.ariel91@gmail.com




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