Mutatis Mutantis



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Apresentei “Este”, por isso me envolvi. E escrevi: “Um poeta sem estilo vale menos que um cão com estilo. Este é o diferencial. Estilo é essência, néctar e linguagem. Poeta tem de ter pedigree, pegada, ziriguidum, trelelê, sustância. Fabrízio Morelo é um jovem poeta de Brasília e tem cabedal. Produz uma poesia esquisita como quem conversa com a sombra bebericando pinga de buquê no alambique. A coisa é esticada mas sobra pouco. Não apresenta solucionáticas para suas equações llinguísticas Fumaça de cachimbo de preto velho.

Brasília é invenção de mineiro. Nasceu mesmo na Pampulha de JK prefeito. Virou território nacionalmente de ninguém. É o torto que deu certo.

Último lá é mulher do padre. Nicolas Behr é a nossa Rita Lee. Fabrízio é Mutatis Mutantis. Vida que segue. O cara entra no jogo no segundo tempo e garante que não perde pênalti. Sua flor é de pequi e não de priquita. Sua poesia vem da seca, embora molhadinha. Enxerido faz samba na Asa Norte e tem parcerias com o endiabrado do bandolim H.H.

Tenho dito, Fabrízio poeta-cavalo de Benedito. Desembestou. Vai mais uma aí, doutô?

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carreiros
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Dois carreiros não bebem

água no mesmo pote

e, por mais que espreite,

o que vejo nestes pastos

é morte.

 

São meus olhos, eu sei.

Aresto de cangalha,

curso d’água, amarreta,

calabrote.

Vazio de emboscada

no imprevisto do bote.

 

Desde sempre vale

o quanto carrega cada:

o brio, o porte, o arrepio

no cangote.

 

Eu nasci pra ser carreiro,

apartado da manada.

 

Meus irmãos, pobres

bezerros,

o mesmo cocho e mais nada.

 

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féretro
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Que o rabecão me caiba nu

e seja breve.

Que o dia não seja triste.

Que as carpideiras

estejam em greve.

Que farte cachaça.

E eu não tenha a pretensão

de que o diabo me carregue.

 

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légua longa
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Não faço,

nunca fiz.

Na procura do inteiro

não desprezo o pedaço.

 

Se o que chega primeiro

é só morte, ou cansaço,

sempre resta de sobejo

pro defunto a cachaça,

para o gado o bagaço.

 

Sobra um verso

amassado no maço

dos poemas que nunca fiz

que fala dos tortos canteiros

onde o tropeço é um passo

que foi de encontro à raiz.

 

Vida inteira

(agorinha)

não corro,

não mato,

porque a vida,

no seu fino trato,

a meu juízo,

ou mero fato,

por desaforo,

por desacato,

não vale a bala,

nem paga a sola do sapato.

 

Quando assovio, viro poeta.

E trago nos ombros

a fantasia

de um par de asas

que me empresta

a cotovia.

 

Nem bem pacato,

nem bem pateta.

Só tenho e trago

o que me afeta:

a légua longa,

esse caminho,

que, de tão deserto e estreitinho,

só me atravessa

por ser sozinho.

 

 

[poemas de Fabrízio Morelo in este, 2013, ed. do autor]

 

 

 

 

 

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Luis Turiba é pernambucano, criado no Rio de Janeiro, radicado em Brasília. Fundou a revista de poesia experimental BRIC-A-BRAC, em Brasília, em 1985. Na poesia, tem militância ativa há mais de 30 anos. Publicou seu primeiro livreto, Kiprokó, em 1977, no Rio de Janeiro. Em Brasília publicou Clube do Ócio, em 1980, Luminares, em 1982; Realejos, em 1988; a antologia Cadê?, em 1998; e Bala, em 2005. Em 2010, lançou dois livros em Brasília: “Meiaoito”, pela coleção Oipoema; e o infantil “Luísa, Lulusa: a atriz principal”. No jornalismo, trabalhou em O GLOBO e na Manchete, no Rio de Janeiro, ainda na década de 70. Chegou em Brasília em 1979, onde trabalhou na Gazeta Mercantil, no Jornal do Brasil, no Jornal de Brasília, no Correio Braziliense, onde cobriu a campanha das Diretas e a eleição de Tancredo Neves. Fez assessoria de imprensa para a Assembléia Nacional Constituinte e foi da equipe do Ministro Gilberto Gil no MinC por quatro anos. Publicou um livro com os principais discursos do ministro Gil, editou dois DVDs: Gil na ONU e Programa Mundial da Capoeira. Foi vencedor da Bolsa Literária FUNARTE em 2008, pelo qual escreveu seu livro “Meiaoito”. E-mail: turibapoeta@gmail.com




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