Literatas é todos os dias


Literatas: a invenção de um sonho transfronteiriço e a herança dos loucos

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Ao falar dos sonhos, recordo-me de um belíssimo texto angolano “Quem me dera ser uma Onda” do escritor Manuel Rui o quão um porco pode ser um animal de estimação e alvo de várias acções em sua volta, com uns contra, e outros a favor da sua morte transformando-se em alimento. Quem protege o porco? São crianças que não pouparam a sua própria integridade e da família ao até, recorrerem a restos de comida em hotéis para alimentar o porco que estava na varanda do sétimo andar. O facto mais curioso é que o maior adversário das crianças é seu próprio pai que olhava para o porco e via carne, alimento desejoso, festa e luxo. Porém a onde não levou o porco e as crianças venceram no final de tudo.

E nós, Literatas, quem nos dera ser uma onda! Quão bom seria se fôssemos nós a invadir a terra e rasgar a seca, limpando de nós a sujidade do mundo. Quem nos dera, aonde que fôssemos fosse aquela que levaria connosco os poetas de ontem, de hoje, de lá e de cá para idas e voltas, sempre boiando até às costas do infinito. Esse é nosso sonho. Somos crianças e o nosso protegido, embora tão forte, é a Literatura.

A Literatas que se propôs ousadamente, ser uma Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona, agora próxima da sua edição 50, escolheu ser a mais fácil por meios difíceis.

  1. É electrónica num país onde o acesso à energia eléctrica ainda tenta ultrapassar os 14% da população moçambicana que no total ronda para os 22 milhões de população; o acesso à internet e sobre o que se pode fazer nela ainda são meras utopias fomentadas pela burguesia que atravessa o Índico para trazer-nos o que sobrou dos seus banquetes.
  2. É quinzenal (por um ano foi semanal), totalmente dependente das livres colaborações que vem de quase todo o mundo, com maior incidência dos moçambicanos e dos demais países de língua portuguesa.
  3. Informa, com as dificuldades de se chegar às fontes.

Porém é mais eficaz no meio desse conflito material. É hospedada gratuitamente em blogue e é pela mesma condição enviada por e-mail aos leitores. Para um trabalho árduo, cuja maior condição existente é a loucura prazerosa dos poetas, prosadores, cronistas, ensaístas e outros colaboradores que “incompreensivelmente” mandam os seus trabalhos.

Os números de visita no bogue agora ascendem os 50.000 desde sempre. Diariamente cerca de 200 pessoas visitam, acidentalmente ou por conhecimento ao blogue. Enviada para cerca de 5.000 pessoas por correio electrónico. Impressa em algumas instituições de ensino superior e usada para estudo de literaturas, em particular, africanas. A contar superficialmente, diariamente a revista recebe no mínimo cinco e-mails com novos trabalhos de jovens criadores escrevendo em língua portuguesa, este instrumento crucial de união e identidade na sua singularidade. O que dá mais ânimo é notar que de um projecto iniciado em 2011, há uma maioria de jovens moçambicanos desconhecidos na roda dos escritores nacionais (que na verdade são os que estão em Maputo), começam a ganhar espaço e do conformismo que tinham caído, levantaram com fúria e fome de mostrar o que são. Sendo assim, a revista Literatas, apresenta-se como especial, singular, original, inovadora e de certa forma, misteriosa, porque os nomes que ela cita e publica são na sua maioria, de total desconhecimento do público, seja moçambicano e muito menos angolano, brasileiro, português, cabo-verdiano, guineense e são-tomense, timorense. Essa condição de portadores de boas novas e notas exclusivas, as mais recônditas possíveis, não nos deixa cabisbaixo, muito pelo contrário, é o símbolo da nossa vitória e da afirmação de uma geração ao relento.

Entretanto, estamos perante, um projecto onde entre os países de língua portuguesa, a pesar de ser mais moçambicana (por razões óbvias) procura promover a reciprocidade da partilha de dados e de experiências. Moçambique dá e recebe dos restantes países que, aliás, tem grande impacto no espaço nacional.

E já a caminho dos 730 dias, a loucura nos prova alguma lucidez ao notarmos que nos últimos anos, mesmo a nível de eventos literários e outros encontros, começa a haver alternativas de convidados dos países africanos, em particular, pois novos nomes vão saindo para a atenção do resto do mundo. Já não somos uma ilha isolada. Somos cidadãos do mundo e em Moçambique, Literatas continua a ser a única revista literária de que se pode esperar receber com regularidade e permanência. Quase que na história das revistas literárias após a independência foi a que mais números tirou, sem querer tirar mérito e a devida vênia à “Charrua” que produziu até os escritores de hoje. Mas o facto é o facto. Esta é uma “Geração de Utopia” e não teme os passos que dá, curtos mas seguros. Não temos medo que a morte cante primeiro, afinal, a vida já nos garante alguma eternidade. E quando o tempo final chegar, teremos o que arrumar nas malas até o zénite.

Vivemos sem ilusões e assim viemos. Sabemos dos tempos que se aproximam. A morte está distante, porém, é inevitável. Mas melhor do que nós, Suleiman Cassamo, um dos mais destacáveis escritores moçambicanos cuja história da Literatura deste país o marca como o escritor da morte, em entrevista exclusiva à Literatas disse (e bem), comentando sobre o seu livro “O Regresso do Morto” que, na verdade, apesar da palavra “morte” a mistura de muito sarcasmo, o intento é trazer a esperança para o país ao avesso e anunciar que como Lázaro das histórias da bíblia, é possível morrer e acordar reconhecer o mundo e as suas diferenças.

Em 2013, haverá mudanças dentre as quais, a necessidade de alterar a periodicidade da revista para mensal, passando assim, a ter mais páginas para as produções literárias. Por outro lado, a página da internet chegará neste ano, com a introdução de entrevistas em vídeos e mais conteúdos multimédias sobre a cultura e literatura moçambicana intercalando, como sempre, com os demais países de língua portuguesa. A publicação de algumas antologias também serão um marco importante. O que se pretende, é tornar a revista mais dinâmica e mais activa na elevação de uma geração que enfrenta sérias dificuldades de divulgação e publicação neste Moçambique do capitalismo selvagem onde editar um livro é, muitas vezes, para quem pode. Poderá tudo isto ainda ser loucura, se vão se concretizar? a ver vamos!

[Endereço: www.revistaliteratas.blogspot.com ] [e-mail: r.literatas@gmail.com ]

 

Maputo, 09 de Janeiro de 2013

 

 
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Eduardo Quive é escritor e jornalista moçambicano. Editor da revista “Literatas – Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona” é um dos fundadores do Movimento Literário Kuphaluxa. É correspondente, em Moçambique, do jornal angolano de artes e cultura “Cultura”. O seu primeiro livro de poesia que assina com o pseudónimo de Xiguiana da Luz intitula-se “Lágrimas da Vida Sorriso da Morte” (FUNDAC, 2012). E-mail: eduardoquive@gmail.com




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