Kalahari, Melancolia e Blues


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Série – KALAHARI

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1-

no território imperfeito em que habitamos
a pele é fronteira

afetos são águas que fluem
em fios — ou caudalosos rios…]

ausências […profundezas abissais

memórias são trilhas
que a mata densa e invasiva da vida cotidiana

encobre  lentamente

.
2-

trago meu ópio pelos olhos – que nem mais vermelhos ficam
então flutuo no mar branco de entrelaçadas fibras
papyrus papel

onde navios são letras negras que me levam

depois retorno de mãos vazias e olhos vagos

onde flutuam peixes metafísicos metafóricos – que agonizam
nas águas barrentas do infinito cansaço
dos que navegam sem chegar

.
3.

dentro de mim mora outra – meu avesso

quando olho no espelho
é ele (meu avesso) que vejo

nos meus sonhos
é ela (a outra) que atua como num filme

na memória mais antiga é ela que sorri

é meu reflexo
que caminha pelas ruas – olhos em chamas

tanto sol

enquanto (quem?) cativa se debate
no buraco do espelho onde (obtusa mente)

vive no escuro

.
4 –

a voz do homem grita  — pedra
a rocha ecoa — sal

no coral dos aflitos — estratos
minerais

silícios cristalinos
octaedros azuis

lâmina

e

corte

areias incontidas
por incontáveis mãos

espuma

e

vento forte

.
5 –

a caixa miúda a vida pequena
o verso raro
hoje tudo é pouco e o rio
é raso
já não canta
se arrasta em ruídos – num fio
que se esquiva das pedras
do fundo
quase seco

.
6-

voraz o dia — membro da matilha
dos predadores de nós

manso quando amanhece
uiva — a cada por do sol

quando arranca
pedaços

.
7.

sol pela metade se põe
coral
atrás
da montanha
marinho
azul
profundo
outra metade flutua
no verde limbo céu
dos delírios
banais
linha e cerol
e lá se vai o que restou
do sol

.
8.

no deserto do dia a pele exposta
ao sol

saárico

febres atacâmicas sedes
kalaháricas

nenhum
sinal de chuva

.
9.

abismados reis — em torres
de areias
à beira de algum mar
atlântico
cismam  [… perdida
a tábua
das marés

.
10.

faço versos á beira do abismo
vento forte me leva
vento ameno me sopra histórias
vindas do precipício
mormaço me traz de volta
à minha pequenez
sem asas

.

***

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Série – MELANCOLIA e BLUES
.
1.

caminho
pelas ruas de Nova Orleans
um sentimento “blues” me chama
respondo:- noite escura
metal

.
2.

“Old Man River”
sonham vapores:- navegam
melancolia e blues

.
3.

inquietos metais
voz de cristal

underground
eloquente – soul

.
4.

ler é ouvir
escrever é compor –
palavra é música

ouçam

.
5.

há um piano
um violino um bandolim
ai de mim
nesse meu silêncio
sem cordas

.
6.

angustia é lâmina
mais
que afiada
e no meu corpo
já não cabe mais
cicatriz

.
7.

mas de mil vezes
te criei

não te fizeste

insistes em não ser
já nem te sopro

.
8.

paralelas linhas que se tocam
no infinito
perpendiculares que se cruzam ali
na esquina
(neon)
escolhi transitar
por aquelas que nunca se encontram
o infinito jaz z
no caminho

.
9.

amor
com amor se paga

tem alguém me devendo

tenho também
algumas contas penduradas

em algum velho balcão
por ai

.
10.

música

música

quando

vou te ouvir outra vez

tocar

 

 

 

 

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Nydia Bonetti, 53 anos, de Piracaia SP, engenheira civil e poeta.  Publica no blog Longitudes: http://nydiabonetti.blogspot.com/. Tem trabalhos publicados na Revista Zunái, GERMINA LITERATURA, Portal Cronópios, EUTOMIA Revista de Literatura e Linguística e outros espaços literários e culturais. Deve lançar seu primeiro livro no início de 2012.  E-mail: nydiabonetti@bol.com.br




Comentários (7 comentários)

  1. Lalo Arias, Um universo em progressão: é isso que vejo quando leio os novos poemas da Nydia. Parabéns, Edson. Parabéns, Nydia.
    15 fevereiro, 2012 as 18:57
  2. Nina Rizzi, Nydia nesse espaço é perfeito: musa rara.
    15 fevereiro, 2012 as 19:24
  3. Nydia Bonetti, Grata Lalo. Teus poemas é que são mundos, onde o leitor se encontra e se perde, em viagens sempre fascinantes. beijos.
    17 março, 2012 as 19:44
  4. Nydia Bonetti, Grata, Nina! E muito sucesso para os “Tambores pra N’Zinga”. Beijos.
    17 março, 2012 as 19:48
  5. Nydia Bonetti, Espero em breve ter o prazer de ler vocês aqui no Musa Rara. bjs bjs
    17 março, 2012 as 19:49
  6. neuza pinheiro, “…o dia voraz arranca pedaços…” música destes tempos, Nydia. abraços
    1 maio, 2012 as 14:27
  7. Nydia Bonetti, Ruídos, Neuza… Bjs.
    31 outubro, 2012 as 0:54

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