Face Emplumada


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Gustavo tem vinte e oito anos, é daltônico e vive sozinho numa quitinete na região central de São Paulo. Veio jovem do interior paulista, para estudar e trabalhar. Atualmente é analista financeiro de um banco de investimento, na poderosa avenida Paulista.

Amigo da solidão, Guto também tem algo dos heróis desencantados da literatura existencialista de Camus e Sartre: a integridade moral. Sua vida segue sem grandes solavancos, até o dia em que decide viver uma grande aventura: ir de Sampa a Quixadá, no Ceará, atrás de uma garota que nunca conheceu mas não consegue tirar da cabeça. Parte do trajeto ele desbravará de moto.

Primeiro romance de Gláuber Soares, Face emplumada narra uma fascinante jornada de autoconhecimento, para bem longe da bolha caótica da civilização. Seguindo um sonho maluco, Guto entrará em contato com as forças poderosas do semiárido nordestino – e por elas será modificado. Uma epifania profana o aguarda no labirinto ensolarado da caatinga.

Para povoar essa viagem incomum, o romancista criou uma galeria de personagens inesquecíveis: o cabeleireiro Sandrinho, seu Galdino (o eremita da Fazenda Asa Azul) e sua família, a fisioterapeuta Paula, entre outros. Nessa galeria há espaço até para entidades insólitas, fruto da realidade e da imaginação fértil do protagonista: o roqueiro Ziggy Stardust e a grande coruja branca (rasga-mortalha).

Guto é um herói urbano que sente certa ojeriza da metrópole. É um narrador sereno e ponderado, que descreve o mundo à sua volta de maneira objetiva. Mas às vezes delírios e sonhos instáveis assombram essa harmonia, desequilibrando qualquer objetividade.

O encontro com as múltiplas formas da natureza áspera − a paisagem seca da caatinga, o preconceito e a hostilidade do mundo rural − será um teste definitivo de caráter e coragem. Teste do qual Guto sairá transfigurado, querendo ou não.

Nelson de Oliveira nasceu em 1966, em Guaíra (SP). Foi professor universitário, editor e autor dos livros Ódio sustenido (Língua Geral, 2007), Algum lugar em parte alguma (Record, 2006), A maldição do macho (Record, 2002) e Subsolo infinito (Companhia das Letras, 2000), entre outros, e organizador de várias antologias. Dos prêmios que recebeu destacam-se o Casa de las Américas, o da Fundação Cultural da Bahia, duas vezes o da APCA e o da Fundação Biblioteca Nacional.  E-mail: oliveira.e.cia@uol.com.br
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(trecho inicial do primeiro capítulo)

O sol é fácil, é amarelo.

As nuvens são brancas ou cinzas. Às vezes negras. O céu tem um azul-claro. Tão claro que nem parece azul. Estrelas parecem pontos luminosos. Cor de nada. A Lua, dizem que é prata. Eu a vejo branca. Talvez cinza. Gostaria de enxergá-la prateada. Entender um azul-turquesa. Suas nuances. Brincar de escarlate. Perceber, enfim, todos os tons que não vejo. Mas ainda tenho dúvida. Eu seria mais feliz ao encontrar a diferença entre o marrom e o vermelho?

Se tivesse sido eu o primeiro astronauta a ver a Terra do espaço, teria dito que ela é roxa ou violeta. Nunca azul-marinho. Certeza mesmo é que o arco-íris poderia se chamar: arco-amarelo. O pôr do sol não deve ser apenas esse pôr do sol. Há mais cores? Deve haver. Porque tanto falam, cantam, recitam. Tem até quem bata palmas. Não pode ser o mesmo poente que enxergo.

Variações do verde se confundem no meu cérebro. Sinal verde, vejo-o branco. Sob a luz do dia só sei que abriu porque o amarelo e o vermelho – laranja ou cor de abóbora? – estão apagados. E assim, por eliminação, deduzo que ficou verde. Ou o semáforo está quebrado. Se a dúvida persistir por mais de um segundo não tem problema. Os generosos motoristas com suas buzinas logo me alertam.

 

Serviço
Gênero: Romance
Número de Páginas: 176
Formato: 14×21
Livro publicado pela @link editora
Lançado em 06/12 no Teatro Parlapatões

 

 

 

 

Gláuber Soares é baiano. Formado em Jornalismo. Mora em São Paulo. Nos finais de semana podem encontrá-lo no litoral sul, ao pé da serra do Mar, numa casinha verde, próxima do rio Negro, procurando os tons que não enxerga. Lançou em 2014 a coletânea de contos, Remédio Forte (Terracota Editora). Blogue: www.glaubti.wordpress.com . E-mail:glaubti@gmail.com




Comentários (1 comentário)

  1. Nanete Neves, Esse livro é ótimo! Uma bela criação de personagem e mão firme e suave na condução da narrativa. Adorei.
    9 dezembro, 2015 as 21:15

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