e. m. de melo e castro


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E.M. de Melo e Castro segundo António Ramos Rosa

“Em ÁLEA E VAZIO E.M. de Melo e Castro escreveu o poema ‘A Verdade Prática’, uma verdadeira obra-prima da poesia portuguesa. Trata-se de uma investigação epistemológica que põe em causa a identidade das coisas até ao ponto em que a realidade se identifica na própria diferença da identidade (…) podemos dizer que em E.M. de Melo e Castro o movimento da imaginação procura identificar-se com o movimento da vida, nos seus diversos planos, biológico, social, político, linguístico. Como todo o verdadeiro poeta, ele quer trabalhar na vida, com a vida, e por isso aspira a que a poesia seja o próprio trabalho da vida. A leitura da sua obra revela-nos o incansável esforço de autodiferenciação que o conduz, de experiência em experiência, ao limiar de um conhecimento outro, nunca definitivo, que desemboca na outra face do real.”

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POESIA VISUAL

todos os poemas são visuais
porque são para ser lidos
com os olhos que veem
por fora as letras e os espaços
mas não há nada de novo
em tudo o que está escrito
é só o alfabeto repetido
por ordens diferentes
letras palavras formas
tão ocas como as nozes
recortadas em curvas e lóbulos
do cérebro vegetal : nozes
os olhos é que veem nas letras
e nas suas combinações
fantásticas referências
vozes sobretudo da ausência
que é a imagem cheia
que a escrita inflama
até ao fogo dos sentidos
e que os escritos reclamam
para se chamarem o que são

ilusões fechadas para
os olhos abertos verem

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Uma entrevista com o poeta E.M. de Melo e Castro, aqui.

Sobre o poema acima:  “Aqui o poema tende, de fato, a ser um objeto que a si próprio se mostra. Estabelece-se assim uma ligação direta com a poesia visual  e concreta, em que a substantivação de todos os seus elementos é total. Melhor: existe uma sintaxe espacial em que os elementos constitutivos do poema se articulam no espaço pelas suas posições relativas na página, como objetos formando um edifício. Por isso através da substantivação e coisificação se passa simultaneamente ao plano estrutural da experiência humana e ao campo visual e objetivo da informação e ainda ao pode sintético das escritas ideogramáticas. Assim num poema concreto, um reduzido número de palavras o até uma só palavra, decomposta nos seus elementos de formação, sílabas, fonemas, letras, pode adquirir uma ressonância sugestiva de tipo sinestésico imediato, muito diferente do que a linguagem descritiva conseguiria alcançar.”

In> MELO E CASTRO, E. M. de. O Próprio Poético.  São Paulo: Quiron, 1973.   p.67

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Ao poeta E. M. de Melo e Castro, no dia dos seus 80 anos

Por Vanderley Mendonça

Há 20 anos, fui de Belmonte a tua aldeia,
20 km descendo a Serra da Estrela,
numa corrida para vencer Hermes,
e nem te conhecia, poeta,
mas já amava tua poesia
que não é só lida de lidador.

Na trilha, disse-me um pastor:
Não há lá nada melhor que a aguardente de zimbro.
E se te apetecer, sabe melhor com javali assado.

Na Covilhã, dei adeus às casas sem sol
que ainda resistem à topografia do silêncio.

A um oceano de distância desse acontecido,
continuo teu fiel leitor
e somos amigos de tantos afins.
Além do engenho da poesia,
da engenharia da cor, da colorimetria da luz,
temos Beckett e Ionesco contra nós,
desde a juventude, emudecendo palavras
escritas de ver no inverso.

Tua terra, poeta, é tua caligrafia.
Eco que oiço aqui, letra vista,
Pêndulo, outras mesmas terras
que já foi a Covilhã, onde o lume do sol
já não ofusca o olhar,
desejo teu de Trans(a)parências.

Discípulo das agudezas,
do poder das palavras improváveis,
das formas da memória,
me disseste: é preciso escrever
o que nunca viste.

Eu vejo tua poesia.

Vanderley Mendonça, 19 abril 2012.

SOBRE ESTE ENSAIO (PALAVRAS DESNECESSÁRIAS)

Tenho quase oitenta anos. Idade suficiente para provavelmente, tudo o que é importante já ter sido feito, incluindo a escrita que iniciada com cerca de 16 anos, nunca ininterruptamente deixei de fazer, como complemento inseparável da leitura. Uma paixão só.

Este livro que contém um ensaio e alguns textos que lhe são anexos, seria desnecessário, se não pensasse que ele é, porventura, o meu melhor ensaio e o seu tema uma inusitada releitura de um autor que nunca me abandonou, sem no entanto me influenciar na criação da poesia.Os meus mestres são Camões e os poetas barrocos portugueses. Mas Fernando Pessoa, ele, andou sempre comigo na totalidade da sua obra em vários tipos de verso e em prosa. Sim, da prosa de teoria, porque é na prosa que se encontram os fundamentos da sua obra poética.

Quem me chamou a atenção para isso foi Ángel Crespo, quando realizava uma originalíssima compilação de textos em prosa de Pessoa, por ele traduzidos para castelhano, sobre a noção de paganismo, fundamentando a invenção dos heterônimos e respectivas obras poéticas. O que permite, criticamente, dispensar como supérfluas e superficiais, as já usuais tentativas de explicação psicológica, psicanalítica, etc., etc., inclusive as dadas, por certo ironicamente, pelo próprio Fernando Pessoa aos seus contemporâneos.

Só anos mais tarde, já depois da morte de Ángel Crespo, compreendi a necessidade de estudar os muitos textos de Pessoa sobre paganismo e neo-paganismo, escritos entre 1915 e 1918, quase todos já publicados, até em edições críticas, mas que praticamente ninguém ainda estudou seriamente, quanto ao conteúdo teórico e poético, mas também sociológico e cultural, como eu penso que merecem.

Foi desse trabalho que ninguém me encomendou, além de mim próprio, que resultou, após alguns anos de estudo, o ensaio que agora entrego à leitura de quem o desejar ler…

E.M. de Melo e Castro
São Paulo 2011-02-06

Biografia do poeta:

Ernesto Manuel Geraldes de Melo e Castro (Covilhã, Portugal, 1932) é professor, poeta e ensaísta. Formado em en­ge­nharia têxtil pelo Instituto Tecnológico de Bradford, Inglaterra em 1956, exerceu esta profissão paralelamente à de escritor, dedicando-se também ao ensino tecnológico e à publicação de manuais de tecnologia e design têxtil. Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, 1998, foi professor colaborador e depois professor visitante na área de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portu­guesa, nesta universidade, de 1996 a 2001, onde ministrou disciplinas de graduação e pós-graduação. Sua tese de Doutorado, ainda inédita em livro, é intitulada “Poesia dos Países Africanos de Língua Portuguesa: Percursos Comparatistas com as Poesias Portuguesa e Brasileira”. Concluiu o pós-doutorado, em literatura portuguesa do Séc.XX, na FALE (Universidade Federal de Minas Gerais). O título do relatório de pós-doutorado é “O Paga­nismo em Fernando Pessoa e sua projeção no mundo contemporâneo”, editado posteriormente pela Annablume. Foi professor de Design Têxtil e Teoria de Cor no IADE (Instituto Superior de Arte, Design e Marketing), em Lisboa, onde também exerceu as funções de Coordenador do curso de Design de Moda e de Presidente do Conselho Diretivo do Curso Superior de Design, até 1996. Na PUC de São Paulo realizou, com o Pro­fessor Doutor Fernan­do Segolin, em 1997, os dois pri­meiros cursos de pós-graduação de Arte Multimédia e Infopoesia. Na UNI-BH (Belo Horizonte) rea­lizou vários seminários de POIESIS e TECNO­LOGIA, assim como no ITAÚ Cultural de São Paulo (1998/2000). Lecionou Teoria e Crítica da Arte, Arte e Comunicação, Teoria da Comunicação, De­sign de Comunicação, Arte Multimédia, Teoria das Artes Plás­ticas, Geometria na Arte, na ESAP (Escola Superior Artística do Porto). No Instituto Piaget (Almada) lecionou: Semiótica e Se­mio­logia Geral e das Artes, Língua e Literatura Portu­guesas (para alunos de Jornalismo).Praticante e teórico da Poesia Experimental Portuguesa nos anos 60, introdutor em Portugal da Poesia Concreta (IDEOGRAMAS, 1961). É considerado pioneiro da video­poesia (RODA LUME, 1968). Entre 1985 e 1989 desen­vol­veu na Universidade Aberta de Lis­boa um projeto de cria­ção de videopoesia denominado SIGNAGENS. Sua poesia, de 1950 a 1990, encontra-se reúnida no volu­me TRANS(A)PARÊNCIAS (Sintra, Tertúlia, 1989), livro que ganhou o Grande Prêmio de Poesia Inaset – Inapa de 1990 (esgotado). O livro de ensaios VOOS DA FÉNIX CRÍTICA, Lis­boa, Edições Cosmos, 1995, obteve o Prêmio Jacinto do Pra­do Coelho, da De­le­gação Portuguesa da Associação Internacional dos Críticos Literários. Em 2006, rea­lizou-se uma exposição antológica de 50 anos do seu trabalho visual-literário-tecnológico, no Museu de Arte Contempo­rânea de Serralves, no Porto, com o título O CA­MI­NHO DO LEVE. Organizou várias antologias, en­tre elas a An­to­logia da Novíssima Poesia Portuguesa, em colaboração com Maria Alberta Menéres (4 edições). A sua bibliografia ativa conta com mais 25 livros de poesia e 18 de ensaios de crítica e teoria literária.




Comentários (3 comentários)

  1. Chiu Yi Chih, Grande, querido poeta e.m.de melo e castro, fortes palavras-imagens em movimento!
    19 abril, 2012 as 3:28
  2. Omar Khouri, Bela homenagem a um poeta POETA!
    19 abril, 2012 as 20:32
  3. Maria Brás da Silva, Fui aluna do Professor Ernesto na cadeira de Semiótica e Semiologia Geral e das Artes, no Instituto Piaget de Almada na minha Licenciatura em Animação Sócio Cultural e foi um prazer poder aprender e partilhar algumas horas com este Excelente Professor. Um Grande Bem Haja Professor!
    21 fevereiro, 2013 as 16:16

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