Décio Pignatari: lembrança



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Um dos eventos que mais me marcou nos longos anos de estudo na UnB foi uma palestra de Décio Pignatari, a 12 de dezembro de 2003, sexta-feira. O impressionante não foi a lábia, a beleza ou qualquer outra qualidade intrínseca ao palestrante, mas sua platéia: não havia ninguém. Sabia ainda pouco sobre o poeta, tradutor, ensaísta e professor. Havia lido apenas algumas poesias concretas suas, dos anos 60. Tinha, no entanto, ciência de sua relevância para a Comunicação e seu papel primordial no desenvolvimento da poesia concreta.

Voltando ao fatídico dia, cheguei no horário estipulado, talvez um pouco antes. Carregava alguns volumes comigo, na esperança de que lá chegando, conseguisse ao menos algum autógrafo. Quando entrei no auditório, ele estava ainda vazio. O tempo passou e a situação não melhorou muito. Com Décio Pignatari já presente, fizeram sala para ver se chegava mais alguém: nada. Resolveram então formar a mesa e, de uma só vez, todos os presentes se levantaram e se dirigiram à mesa. No auditório, apenas um repórter e eu. Em uma das principais universidades do país, na seu salão mais nobre – o de Atos da Reitoria –  uma das principais figuras da intelectualidade brasileira achava-se sem interlocutores. Não por nada, um dos assuntos que mais o preocupava era o vale-tudo do ensino superior nas Humanidades. Fosse ele jogador de futebol ou ninfeta de novela, a situação seria decerto outra.

Na falta de sentido de uma banca sem público, em breve achei-me ao lado de Pignatari, a quem mostrei os volumes que portava. Conversamos brevemente sobre cada um dos livros, ele empolgadíssimo com o fato de eu estar com a coleção completa da revista “Invenção”, a segunda publicação em série dos poetas concretos – o grupo Noigandres – editada nos anos 1960. Disse-me que nem ele tinha mais esses volumes. Eu, brincando (sério), disse que continuaria sem os ter: aqueles eram meus. Ao ver o “Errâncias” entre os livros, dedicou-me esse volume publicado em 2000 dizendo-me que se tratava de seu livro predileto: P/ Oto este passeio icônico-reflexivo pela memória (minha e de outros e outras coisas) c/ o abraço do DPignatari Brasília, 12-12-03.

Essa palestra tornada bate-papo seria a cereja do bolo de uma série de apresentações e colóquios do Ciclo Encontros Antológicos,  do projeto “Florividilégio”, iniciados em finais de novembro com a apresentação “Poesia é Risco” de Augusto de Campos, no Teatro da Caixa – com grande sucesso de público. Houve também uma palestra – atropelada, por falhas na organização – com o bibliófilo José Mindlin e o crítico João Alexandre Barbosa, ambos já falecidos. De qualquer forma, o que me impressionou foi a falta de interesse na fala de um mestre: mais de 20 mil alunos, centenas de professores de Humanas, dezenas do Instituo de Letras, não houve quem se interessasse pela sua palestra.

Agora é tarde: faleceu a 2 de dezembro de 2012, no domingo, Décio Pignatari. Sua vasta produção, no entanto, fica. Mais de duas dúzias de livros, dezenas de textos entre artigos acadêmicos e textos para revistas e jornais. A obra poética foi reunida no volume “Poesia Pois é Poesia”, e conta com poemas consagrados como “Beba Coca-Cola”, de 1957, e “Organismo”, de 1960. Deixou para a Comunicação as obras “Informação. Linguagem. Comunicação”, “Contracomunicação”  e “Semiótica & literatura”, entre outras, além da tradução de Marshall McLuhan. Alguns desses volumes têm sido reeditados a décadas, em edições sucessivas. Escreveu, diagramou, compilou, traduziu, registrou, transgrediu. Resta lê-lo.

 

 

 

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Oto Reifschneider é bacharel em História, Mestre em Sociologia e Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília. Membro da Associação Brasileira de Bibliófilos. E-mail: oto_dias@yahoo.com




Comentários (2 comentários)

  1. Ana Lucia, Ótimo texto Oto: fantástica a estória que conta.Inda bem que voce estava lá para registrar o evento. Grande Décio Pignatari!!! Vou aguardar mais matérias sobre ele ja que segundo conta tem um acervo precioso de publicações dos concretistas e cia!!
    17 dezembro, 2012 as 15:37
  2. Dayz Peixoto Fonseca, Saudades do Décio. Tive a felicidade de usufruir de sua amizade e curtir suas inúmeras palestras em Campinas (SP). Havia uma grande amizade entre Décio Pignatari e os artistas plásticos Raul Porto Thomaz Perina(Grupo Vanguarda), o pessoal do Centro de Ciências, Letras e Artes e do Cine Clube Universitário de Campinas (este, nos anos 60, início de 70). Décio foi autor do roteiro do documentário “Dez Jingles para Oswald de Andrade”/72, dirigido por Rolf de Luna Fonseca, meu marido. “Grande Décio”, como diz a Ana Lúcia, aí em cima. Os estudantes e professores de Brasília deram mostras de serem muito desligados da cultura brasileira. Talvez porque Décio não fosse um político, e não contemporalizasse. Ia direto ao assunto. Para ele ideologia era parte da semiótica, certamente. Abs ao Sr. Oto.
    17 dezembro, 2012 as 16:17

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