Da natureza da poesia


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Ernesto de Melo Castro é o convidado da Casa das Rosas para falar sobre “O que é a Poesia?”

O destaque da semana na Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura é o poeta e ensaísta português Ernesto de Melo e Castro, que participará do Ciclo de Diálogos: “O que é a Poesia?”, que acontece no dia 21 de outubro, às 16h. 

Poeta e ensaísta, Ernesto de Melo e Castro é praticante e teórico da poesia experimental portuguesa dos anos 1960, introdutor em Portugal da poesia concreta, é considerado pioneiro da videopoesia. É pai da cantora Eugénia Melo e Castro.

A curadoria do Ciclo de Diálogos: “O que é a Poesia?” é do poeta e editor Edson cruz, que convidou poetas de várias linhagens para refletirem sobre a atividade poética. O resultado transformou-se em livro, mote para estas palestras. Confira as perguntas iniciais:

 

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1)  – O que é Poesia pra você?

E.M. de Melo e Castro – A Poesia corporiza em texto contraditórias ondas energéticas : as que nos atacam e destroem mas também as construtivas que nós (só nós os poetas) sabemos e podemos transformar, enviando-as para os destinatários universais que as saberão, ou não, descodificar e entender … lá onde quer que se encontrem e como quer que entendam aquilo que está escrito …

Porque a poesia, que se iniciou no Egito há mais de 6.000 anos com o canto fúnebre das mulheres, é por isso, transcendente, isto é, está para além de tudo o que possa ser ou não ser. Passou pelos delírios das escritas hieroglíficas e ideogramáticas. Passou pelas dionisíacas folias, pelas delícias de Orfeu, pelos enigmas das pitonisas, pelos contos de Homero. Passou pela devoração dos monstros que são os inventores da escrita alfabética com seus intermináveis textos, metatextos e hipertextos. Passou pelos rigores da expressão e pelas torturas das metáforas e o deslizar das metonímias. Passou pela re-invenção do olhar… e resistiu a todas as leituras de todos os leitores em todos os suportes materiais e virtuais…

Porque a POESIA, essa energia inesgotável que só o HOMEM-POETA sabe engendrar e emitir, deve hoje ser considerada como o último refúgio de todas as propostas válidas para a formação do próximo paradigma  do HUMANO … SEJA ELE O QUE FÔR.

Mas isto “há pouca gente para dar por isso”  como disse Fernando Pessoa num pequeno poema equacionando o binômio de Newton e o vento…isto é, a probabilística matemática e a fluidez dos elementos naturais.

Por isso parece útil começar a tentar relacionar a natureza da poesia com um possível novo paradigma do humano.

As tarefas paradoxais, impossíveis, idealistas, mas profundamente humanas, como por exemplo, dizer o que não pode ser dito, sentir o que está para além dos sentidos, pensar o que nunca se pensou, inventar o novo ( que é o que ainda não existe) comunicar o incomunicável, e outras tarefas impensáveis, desde há muito que têm sido consideradas como tarefas dos poetas. Não dos poetas escrevedores de versos para dizer o já dito, mas para dizer probabilisticamente o que nunca o foi. Este é certamente o resumo de um projeto urgente da agoridade, para uma nova pedagogia da cultura e da invenção, ou seja  dos pilares da necessária renovação da educação e do conhecimento, se quisermos sobreviver e viver bem no mundo que se anuncia e se aproxima, vencendo as dificuldades e carências do presente. Ou seja, num mundo de cadáveres resultantes das guerras, carnificinas, catástrofes, terrorismos e absurdos vindos do século XX e ainda atuantes no agora.

Trata-se portanto, e em primeiro lugar, de remover escombros e ao mesmo  tempo criar um novo humanismo para uma época que apenas se adivinhava nos últimos anos do século XX , mas que hoje tem a pressão da possibilidade, pela rápida evolução das tecnologias de comunicação, das ciências biogenéticas, dos métodos científicos de produção e distribuição dos alimentos e de uma urgente economia sem exploração financeira, mas com a perspectiva de debelar os males que ainda hoje nos afligem, preparando-nos para viver dignamente num mundo de 9 bilhões de habitantes ou ainda mais.

Esta perspectiva otimista, baseada tanto em valores de liberdade como de conhecimento e tolerância,  contem as razões e porventura os meios, para a recriação de uma forma milenar de invenção e de uma nova fruição estética a que continuaremos a chamar de POESIA, talvez por mera teimosia…  Mas agora cada vez mais equipados tanto com fatores e instrumentos  tecnológicos, como de valores filosóficos, numa sociedade que, por ser complexa, não pode prescindir desses valores e conteúdos por mais contraditórios que nos pareçam.

Não podemos nem devemos por isso, esquecer o que o poeta romântico inglês PERCY BYSSHE SHELEY (1792 – 1882) contemporâneo de Goethe, disse no seu famoso ensaio “DEFESA DA POESIA”:

UMA DAS TAREFAS  DO ARTISTA  É  ABSORVER  O  NOVO  CONHECIMENTO

DAS CIÊNCIAS,  É  ASSIMILÁ-LO  PARA  AS  NECESSIDADES  HUMANAS,  COLORI-LO

PARA  AS   PAIXÕES  HUMANAS, TRANSFORMÁ-LO  NO  SANGUE  E  NOS  OSSOS  DA

NATUREZA   HUMANA.


Mas, no entanto as fugidias passagens por todos os infernos e paraísos alucinógenos de Dante, Camões na Índia, de Ezra Pound no hospício,  ou das câmaras de gás nos nossos lugares de trabalho, dos desassossegos de Fernando Pessoa, ou nas latrinas junto às higiênicas cozinhas eletrônicas, ou das violências dos nossos lazeres urbanos, todo isto é bem melhor do que o menos mau dos textos que diariamente lemos nos jornais e das repetitivas imagens da TV, onde são depositados os ovos venenosos das opiniões dos comentaristas de todas as políticas dando voz à irresponsabilidade globalizada e vitamínica  dos gazes venenosos que começam a substituir o oxigênio da nossa respiração, afogados que estamos em quilómetros de cordões umbilicais inúteis porque podres. Mas tudo isto é belo porque a beleza existe ainda, embora refugiada num deserto de células cancerígenas que invadem os neurônios  partidos de dor e penetram até às raízes dos pelos púbicos  de seres não identificados mas  transsexuados, que seremos em breve todos nós…

Estas e outras equiparáveis belezas estão esperando por nós em cada gesto nosso, dito ou grito, reivindicado como humano, pelas máscaras horrendas que se reproduzem mais do que os ratos em todas as longitudes e latitudes conhecidas e desconhecidas deste planeta condenado… sabe-se  lá porquê… e para quê…

Por tudo isto e muito mais, eu, que não gosto de definições, também e ainda mais, não gosto de definições de poesia, porque desde há muito sei que, quando damos uma definição seja de que coisa for, essa coisa passa logo a ser outra coisa que também não seriamos capazes de definir !

Assim tem sido com a definição da poesia, que desde tempos imemoriais, vem sendo sempre diferente e sendo sempre POESIA, para todos e para ninguém !

Então direi, parafraseando Camões :  melhor é experimentá-la que julgá-la … ou defini-la! Mas defina-a quem a não souber escrever.

E assim chegamos à 2ª pergunta, sobre o que dizer aos jovens que querem escrever poesia.

 

2) O que um iniciante no fazer poético deveria buscar e como?

E.M. de Melo e Castro – Nesses casos eu digo :  Se quer escrever, então escreva … escreva… escreva …até gostar do que escreveu, quando fizer a comparação com a escrita de um poeta de que goste muito… mas, atenção !  Isso só poderá acontecer depois de escrever pelo menos uma tonelada de papel com a sua escrita que … rejeitará se realmente V. for um poeta !

Então, um dia, miraculosamente um bom poema, diferente e original aparecerá na sua folha de papel!  Poema que só a sua mão e o papel reconhecerão como tal.

Mas Você pode até odiar sempre  o que escreveu ! … e se não for capaz disso, então é porque é um pseudo-poeta vaidoso, como há muitos e demasiados em todas as línguas, tempos e latitudes !

– Mais um… menos um… tanto faz !

 

3)  –  Cite 3 poetas e 3 textos referenciais para o seu trabalho poético. Por que essas escolhas?

E.M. de Melo e Castro – 3 poetas :  Luis de Camões, Fernando Pessoa. O terceiro tem variado com o tempo e a pressão atmosférica… podendo ir de T.S. Eliot a Cecília Meireles ; de Haroldo de Campos a Ginsberg ; de Cesário Verde a Huidobro;  de Camilo Pessanha a  Ezra Pound ; de António Machado a Henri Chopin ; dos Barrocos Portugueses a António Ramos Rosa ; de Ángel Crespo a João Cabral de Melo Neto… porque… porque são os que eu gosto de ler interminavelmente! Porque com eles aprendi tudo o que sei … o resto fui eu que inventei …

 

 

E.M. de Melo e Castro

SP / Set. / 2012

 

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Entrevista no saudoso programa Entrelinhas:

 

 

 

 

 

Ernesto Manuel Geraldes de Melo e Castro (Covilhã, Portugal 1932). Poeta e ensaísta. Diplomado em engenharia têxtil pelo Instituto Tecnológico de Bradford, Inglaterra, em 1956. Doutor em letras pela USP, em 1998. No Brasil, ministrou cursos de graduação e pós-graduação de literatura portuguesa, brasileira e africana, na USP, UFMG e UFRN. Na PUC/SP e na UNI/BH, ministrou cursos de pós-graduação de infopoesia e cibercultura.
Praticante e teórico da poesia experimental portuguesa dos anos 60, introdutor em Portugal da poesia concreta (IDEOGRAMAS, 1961), é considerado pioneiro da videopoesia. Entre 1985 e 1989, desenvolveu na Universidade Aberta de Lisboa um projeto de criação de videopoesia denominado SIGNAGENS. Nesse projeto, Melo e Castro teve a idéia pioneira de lançar mão do gerador de caracteres para produzir poemas animados, pensados especificamente para veiculação na televisão. Na verdade, já em 1968, Melo e Castro havia realizado um pequeno videopoema de pouco menos de 3 minutos de duração, denominado Roda Lume, que chegou mesmo a ser colocado no ar, no ano seguinte, pela Rádio e Televisão Portuguesa, RTP, num programa de informação literária. Depois, mais exatamente em 1985, quando a Universidade Livre de Lisboa adquiriu um dispositivo completo de geração de caracteres e edição em vídeo, Melo e Castro foi convidado a desenvolver ali um projeto de videopoesia, que acabou por se constituir numa das referências mais importantes da atual poesia que utiliza recursos tecnológicos. Em 1993, realizou o videopoema em cinco partes Sonhos de Geometria, de 30 minutos, publicado em cassete VHS como anexo ao número especial 7/8 de MENU, cadernos de poesias, Cuenca, Espanha.

 




Comentários (4 comentários)

  1. Ana Peluso, Essa profundidade no rico entorno de uma questão, essas mil palavras mais do que uma “resposta-síntese” (tão comum por aqui), isso, e deixar a síntese para o verso (quando também for possível), e fazer-se inteligível, isso é o que (me) interessa.
    17 outubro, 2012 as 17:13
  2. Daniel Lopes, “Nesses casos eu digo : Se quer escrever, então escreva … escreva… escreva …até gostar do que escreveu, quando fizer a comparação com a escrita de um poeta de que goste muito… mas, atenção ! Isso só poderá acontecer depois de escrever pelo menos uma tonelada de papel com a sua escrita que … rejeitará se realmente V. for um poeta !”. Concordo plenamente!
    17 outubro, 2012 as 19:44
  3. Jorge Correia, Um grande abraço do seu antigo aluno de Debuxo,na Escola Industrial “Campos Melo” da Covilhã.
    21 outubro, 2012 as 9:06
  4. Jorge Correia, Um grande abraço para o meu antigo professor de Debuxo na Escola Industrial”Campos Melo” da Covilhã.
    21 outubro, 2012 as 9:07

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