As certas escolhas erradas



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Por mais que o panorama para o escritor no Brasil tenha melhorado, vivemos distante do ideal. O curso de letras praticamente como única opção para quem busca um conhecimento maior da profissão de escritor é uma escolha, na maioria das vezes, infeliz.

É o caso da talentosa Tércia Montenegro que se graduou, pós-graduou, fez mestrado, doutorado e é professora, tudo no curso de Letras da UFC (Universidade Federal do Ceará). A escritora está “presa” nos muros da Universidade como sua prosa de ficção está “presa” a um modelo, aparentemente oficial, que não admite maiores voos.

O conto deve vencer por nocaute no primeiro round. O que não acontece com os de Tércia Montenegro que vencem por pontos. Como se fossem um romance academicamente engendrado para vencer no final do último round. Nunca por nocaute no primeiro soco.

Vencer com um soco é para a vanguarda, que os muros da Universidade, por medo e ignorância, evitam quando o assunto é literatura contemporânea. É reveladora a sentença do conto “Exposição”, justo o que onde os interesses da escritora são mais facilmente identificados: “Talvez haja espaço para discussões que não sejam de vanguarda, as propostas rebeldes de sempre, dos que envelhecem inconformados.”.

O livro tanto se parece com um romance que até alguns personagens reaparecem ao longo das histórias. Isso faz com que a unidade estrutural seja mantida. Personificando a obra. Por outra, dar-lhe uma monocordia. Há também um tênue caráter psicológico.

Não consigo deixar de lembrar o título de uma obra de conto do escritor Carlos Emílio Correia Lima: O romance que explodiu. Pelo mote, Tércia, descosturou e depois costurou o livro.

Alguns contos parecem feitos sob medida para ganhar concursos. E outros, os menores, parecem não passarem de exercícios bem feitos (uns melhores), frutos de atividades em oficina de escrita criativa.

É possível encontrar interesses pessoais da autora. As personagens que fotografam, por exemplo. Já que Tércia Montenegro também namora a fotografia. Em “Exposição” revela sua paixão pelo pintor cearense Aldemir Martins e por gatos. Estamos diante da questão de até onde o autor deve trazer à tona na ficção sua personalidade.

Além de sua prosa estar “presa” a um modelo acadêmico, apresenta um tom juvenil que persegue a autora desde seu primeiro livro, “O vendedor de Judas”.

A escritora tem diversos livros infantis e juvenis publicados. Talvez a sua ficção para crianças e jovens tenha muito eco em sua ficção para adultos. Talvez não. O mais provável é que sua ficção para adulto precise perder a inocência e atingir a maior idade.

 

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O TEMPO EM ESTADO SÓLIDO
Autora: TÉRCIA MONTENEGRO
ISBN: 9788561578183
CONTOS |112 PÁGINAS

 

 

 

 

 

 

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Cláudio Portella (Fortaleza, 1972) é escritor, poeta, crítico literário e jornalista cultural. Autor dos livros Bingo! (2003), Melhores Poemas Patativa do Assaré (2006; 1º Reimpressão, 2011), Crack (2009), fodaleza.com (2009), As Vísceras (2010), Cego Aderaldo (2010), o livro dos epigramas & outros poemas (2011) e Net (2011). Colabora em importantes jornais, revistas e sites do Brasil e do exterior. E-mail: clautella@ig.com.br




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