Arte: mercado e ingenuidade


 

……………………………………..Obra de Damien Hirst

 

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Não se pode entender a “arte contemporânea” sem passar pela livraria e pela bolsa de valores. Pela livraria, porque essa arte se quer “conceitual”, e, portanto, é um ramo da literatura com pretensões filosóficas. Pela bolsa de valores, porque, mais do que nunca, a sua chave de explicação passa antes pelo mercado que pela estética.

Segundo o “Economist” o mercado de arte na Europa movimenta anualmente 17 bilhões de dólares. A França detem 5,6% desse mercado, a Inglaterra 28,75% e os Estados Unidos 49,8%. Ultimamente a Suiça tem se firmado como um  lugar de feiras de arte e o Japão desde os anos 80 anda participando dos leilões da Christie’s. E  um dos temas mais quentes e favoritos dos especialistas em leilões de arte são as maquinações entre a Christie’s e a Southeby,’s (aparentemente rivais), para fazer subir os  preços de obras. E quem se dedicar a ler os bastidores mercadológicos das obras de arte vai esbarrar em meia dúzia de grandes investidores (especuladores?) e firmas multinacionais.

Acesse o seu computador em: www. Artprice.com e você vai encontrar algo fantástico criado por um jovem milionário com menos de 40 anos -Thierry Ehrman, que curiosamente se diz admirador de Marx, Lenin e Mao. Ele criou um  site com informações sobre 2.500.000 leilões de arte que vêm sendo realizados desde o século XVIII. Cada ano ele agrega 450 mil novos resultados. E como arte é mais que nunca um negócio, no seu site tem até uma parte de “vendas futuras”.

Claro que arte também é um valor econômico. Claro que o artista deve vender o que faz. Claro que instituições governamenteais e particulares devem   participar desse sistema. Mas o que é  “artístico” não deve essencialmente ser ditado pelo mercado. Por mais que o segundo princípio da dialética estude a relação entre quantidade e qualidade, não é a quantidade que deve ditar a qualidade. Quando a quantidade determina a qualidade estamos numa situação esteticamente perversa e do ponto de vista social e histórico entramos em decadência.

Para  ficarmos menos ingênuos sobre a relação entre arte, economia e marketing, vejamos uma publicação alemã, sintomaticamente chamada “Capital”. Ela tem um suplemento anual chamado  “Kunstcompass” (compasso da arte), criado em 1970, exatamente na época em que a Christie’s inventou o rótulo “arte contemporânea”. Essa publicação lista cada ano os cem artistas mais cotados, como certos organismos internacinais fazem com os países para que os investidores saibam se devem ou não investir no Brasil, Argentina, etc. E a cotação das obras depende de algumas variáveis. Uma exposição na Kusthalle de Bâle, nos museus de Grenoble ou Chicago vale 650 pontos, no Beaubourg ou no MOCA de Los Angeles 800 pontos. E assim por diante. O conteúdo da obra não tem importância, e sim o lugar por onde passou.

Recordo-me que quando lecionei na Universidade de Koln, na Alemanha, em 1978, impressionou-me a “Ludwig Collection”, que expunha grandes obras da pop-art americana. Ao lado de achar estimulante tal mostra, não entendia como e porquê um alemão estava investindo na arte recente americana. Hoje achei o fio da meada. Peter Ludwig, que chegou até a escrever um trabalho sobre Picasso, tornou-se o grande empresário dos chocolates “Ludwig”. Para fazer publicidade indireta de sua marca, criou uma fundação com seu nome, que ao divulgar a arte, evidentemente divulga seu chocolate. Seu encontro com Leo Castelli, o senhor absoluto da arte novaiorquina a partir dos anos 50 foi fundamental. Quem quiser saber mais procure também informações sobre outro mega investidor em arte, Giuseppe Panza di Biumo, que compra por atacado e por atacado vendeu para o MOCA de Los Angeles artistas como Rothko, Rauschemberg, Tàpies, etc. E assim se passará por Peggy Guggenheim, que teve um caso com Pollock, e voltando ao princípio do século vamos achar o milionário americano Arensberg, que desde 1915 resolveu investir em Marcel Duchamp. Mas retornando ao século XIX se poderá ir até Paul Durand Ruel, que investiu por atacado nos impressionistas, comprando, por exemplo, todo o Manet e abrindo galerias em Londres, Rotterdam, Nova York.

Repito: sem ler não se entenderá a questão que estou levantando sobre a “arte contemporânea”. Entre vários livros cito o mais clarificador do problema: “Le marché de l’art s’écroule demain à 18h30” (O mercado de arte desaba amanhã às 18h30”) de Harry Bellet, que alguém deveria traduzir com urgência. Bellet não é uma pessoa qualquer. Noutro dia estava num jantar com Nadine Pouillon, que dirige o setor contemporâneo do Beaubourg e ela referiu-se simpaticamente a Bellet, que escreve para o “Le Monde”, é historiador e trabalhou também no Beaubourg.

Arte. Mercado. Leilões. Velocidade de venda.

Como diz  Robert Lacey em “O mercado de arte e seus segredos”, os leilões, por causa da velocidade típica, são um acontecimento diverso das vendas em galerias. Aí o comprador não tem tempo de refletir, pois “o cliente que reflete é um cliente perdido”.

Sintomática essa frase. Será que o espectador que reflete sobre a maioria dessas obras “contemporâneas”, por refletir é um cliente perdido?

Destas anotações feitas a partir do livro de Bellet anoto uma que me inquieta: qual o papel dos museus hoje? Deveriam ser espaços controlados pela força do mercado, espelho do falso novo, ou ser o espaço crítico, o filtro, a instância comprometida em  preservar aquilo que, sendo arte, será para sempre contemporâneo, e não contemporâneo apenas do modismo, do marketing ou da incompetência de produzir objetos realmente artísticos?

 

……….[16.03.2002  (in DESCONSTRUIR DUCHAMP – ED.Vieira & lent, Rio -2003)]

 

 

 

 

 

 

 

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Affonso Romano de Sant’Anna: Um dia dizendo seus poemas no Festival Internacional de Poesia Pela Paz, na Coréia (2005), ou fazendo uma série de leituras de poemas no Chile, por ocasião do centenário de Neruda ( 2004), ou na Irlanda, no Festival Gerald Hopkins(1996), ou na Casa de Bertold Brecht, em Berlim(1994), outro dia no Encontro de Poetas de Língua Latina(1987), no México, ou presente num encontro de escritores latino-americanos em Israel(1986), ou participando o International Writing Program, em Iowa(1968), Affonso Romano de Sant’Anna tem reunido através de sua vida e obra, a ação à palavra . Nos anos 90 foi escolhido pela revista “Imprensa” um dos dez jornalistas que mais influenciam a opinião pública. Em 1973 organizou na PUC/RJ a EXPOESIA, que congregou 600 poetas desafiando a ditadura e abrindo espaço para a poesia marginal; foi assim quando em 1963, no início  de sua vida literária, tornou-se um dos organizadores da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, em Belo Horizonte. Com esse mesmo espírito de aglutinar e promover seus pares criou, em1991, a revista “Poesia Sempre” que divulgou nossa poesia no exterior e foi lançada tanto na Dinamarca, quanto em Paris, tanto em São Francisco quanto New York, incluindo também as principais capitais latino-americanas. Atento à inserção da poesia no cotidiano, produz poemas para rádio, televisão e jornais. Tendo vários poemas musicados (Fagner, Martinho da Vila), foi por essa e outras razões convidado a desfilar na Comissão de Frente da Mangueira na homenagem a Carlos Drummond de Andrade, em 1987.  Apresentou-se falando seus poemas, em concerto, ao lado do violonista Turíbio Santos. Tem também quatro CDs de poemas: um gravado por Tônia Carrero, outro comparticipação especial de Paulo Autran, outro na sua voz editado pelo Instituto Moreira Salles e o mais recente outro pela Luzdacidade, com a participação de atrizes e escritoras. Seu CD de crônicas, tem participação especial de Paulo Autran. Escreveu dezenas de livros de ensaios e crônicas. Como cronista, aliás, substituiu Carlos Drummond de Andrade no “Jornal do Brasil” (1984). E-mail: santanna@novanet.com.br




Comentários (1 comentário)

  1. Hilton Valeriano, Uma artigo muito esclarecedor em relação ao domínio de um ideal mercadológico sobre a estética. Faço também uma pergunta que me intriga profundamente: quem determina o valor de uma obra de arte? Ou seja, seus minhões? Por que um quadro dever valer tanto, muito mais do que um grande romance ou a obra de um grande poeta? Quem pode comprar esses quadros de valores absurdos realmente entende de arte, aprecia arte?
    4 fevereiro, 2012 as 12:19

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