Aos 7 e aos 40


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Após a excelente receptividade de Aquela água toda (Cosac Naify, 2012) – vencedor do prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) na categoria Contos / Crônicas / Reportagens –, João Anzanello Carrascoza, considerado um dos maiores contistas brasileiros da atualidade, lança seu primeiro romance, Aos 7 e aos 40.

Fazendo uso de uma estrutura bastante inovadora, Carrascoza conta duas histórias simultaneamente, que correspondem a dois momentos distintos na vida do personagem principal, que nunca é nomeado: seus sete e seus quarenta anos. Com capítulos intercalados, os ímpares narrando a infância e os pares a vida adulta, o autor se usa dessa estratégia para construir a oposição já presente no texto.

Assim como a própria infância, os capítulos dedicados ao sétimo ano de vida do personagem são compostos de breves, mas intensos, episódios independentes, sobre suas experiências: a transgressão de roubar com um amigo o pássaro do vizinho; o esforço para seguir em frente após a perda do primeiro amor; as partidas de futebol disputadas com o irmão ao fim de tarde no quintal de casa. Ao melhor estilo Cortázar, os capítulos ímpares podem ser lidos em qualquer sequências.

Os capítulos dedicados à vida adulta, ao contrário, trazem uma sequência de acontecimentos cronológicos relacionados à crise vivenciada pelo personagem aos quarenta anos: a separação da mulher, a falta dolorosa que sente do filho… Interessante é notar, ao longo da leitura, como a personalidade e o caráter do menino que começavam a se formar na infância se fazem notar na maturidade. Num jogo de ação e reação, os títulos dos capítulos sintetizam os dois momentos por meio da oposição: “fim” e “recomeço”, “silêncio” e “som”, “nunca mais” e “para sempre”.

Da mesma maneira, o projeto gráfico dialoga com esta dualidade: impresso em uma cor, sobre papel verde, o livro traz as narrativas da infância na parte superior da página enquanto as da vida adulta se encontram na inferior, acentuando os dois momentos distintos do personagem.

Aos 7 e aos 40 é fruto da maturidade narrativa de Carrascoza. Em seu rico universo literário, o leitor poderá reencontrar personagens já conhecidas de outras obras do autor, como a prima Tereza e o treinador Urso, que aparecem em Aquela água toda. A ausência de pontuação formal – os diálogos são marcados apenas por itálico e separados por vírgulas – cria um fluxo de leitura ininterrupto, assim como a vida do personagem.

O jornalista Miguel Conde, que defendeu tese de mestrado sobre a obra de Carrascoza, escreveu no texto de orelha: “Aos 7 e aos 40 é a história de uma vida contada em dois tempos, infância e meia-idade, de maneira a sublinhar a distância irrecuperável, aberta pela passagem de cada dia, entre o que fomos e aquilo que nos tornamos. Marca dos belos livros de contos escritos pelo autor, esse tempo elegíaco, em que aparição e desaparecimento (vida e morte) se confundem a todo instante, ganha uma força nova por meio da estrutura narrativa engenhosa deste seu primeiro romance”.

Aos 7 e aos 40 evidencia a influência de pequenos atos na definição da trajetória de uma vida. Um belo romance de estreia que reforça o talento literário do exímio contista Carrascoza.

 

 

 


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João Anzanello Carrascoza nasceu na cidade de Cravinhos, interior de São Paulo (SP). Formou-se em comunicação social na Escola de Comunicação de Artes da Universidade de São Paulo e trabalhou durante anos como redator publicitário. Em 1994, publicou seu primeiro livro, Hotel solidão, com o qual venceu o Concurso Nacional de Contos do Paraná. Recebeu outros prêmios (Radio France Internationale, Jabuti e Eça de Queiroz) e publicou mais de vinte livros, sendo O vaso azul (1998), Duas tardes (2002), O volume do silêncio (Cosac Naify, 2006) e Aquela água toda (Cosac Naify, 2012) – selecionado para o catálogo White Ravens da Internationale Jugendbibliothek München (Alemanha) – suas obras de maior destaque.

 




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