Angola de olho no Brasil


Embatendo-me de frente e com os costados contra a mesmice


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A minha experiência de ter nascido num país do continente africano que por força de acidentes históricos se constituiu como um país de língua portuguesa; este país, entre outros africanos, resulta do processo da partilha de África. Aquela África pensada como um território que pertencia aos europeus, como a América, em que o destino das suas gentes, das suas terras e dos seus recursos naturais, as suas riquezas portanto, eram de pleno direito dos europeus. A Europa no auge do capitalismo reorientou as estruturas sociais e políticas dos povos destes continentes e nós Angola e Brasil herdamos a língua de um mesmo colonizador, e passamos assentar numa base social que se pode considerar de combinações mestiças. Para mim, torna-se importante este olhar um tanto quanto recortado, para que me possa situar melhor para poder dar uma opinião sobre o quadro de reivindicações e manifestações que se vão desenhando em África e na América. Na verdade, isso deixa-me revigorado na esperança de que o quadro dos modelos sociais impostos para os nossos países tenderão a conhecer dias melhores, pelo seguinte;

O meu país, e parte do continente onde ele se encrava, e assim como o Brasil, foi alvo de assalto do capitalismo mundial de matriz europeia, deixando nas suas gentes profundas marcas dum processo de desnaturalização e dum quase acertado epistemicídio por força; dos ditos descobrimentos, da ação da escravatura, do processo de distribuição e da partilha dos territórios que conquistaram por via da força e que depois legitimam como territórios coloniais com todas as suas formas de exploração e de exclusão associadas. Portanto, foram moldando uma sociedade ensinada e estimulada a se conformar.

Essa mesma força do capitalismo europeu reformulou os seus métodos de gestão do saque dos recursos desses espaços e dá lugar a vaga das independências em África em que o seu processo de emancipação intensifica-se nas décadas de 1940, 1950, 1960 e 1970, muitos dos países antes colonizados se tornam independentes…claro que esta fase o Brasil já a tinha conquistado no século XIX, bem no fim do último quartel deste século… Segue-se então em África o processo da instalação das autoridades que devem dar rumo aos países ora independentes … mas para o caso de Angola o MPLA herda um país com instituições sociais extremamente frágeis a começar pela formação do Homem e ao lado deste mal se estruturou a guerra civil que durou o tempo todo que o novo país precisava para se organizar como tal…Estes países que os novos governos, que conquistam a independência herdam se constituem de quadros de combinações complexas do ponto de vista dos modelos de organização social, económica, política e cultural e nestes permaneceram os interesse dos Monopólios e das Oligarquias e até das Burguesias dos países que dão corpo a guerra fria, esses alimentam os esforços para a guerra que vai desestruturar todo um tecido social bem indefinido já pela graça e ação colonial… desenha-se como é óbvio ao longo destes trinta anos um quadro triste, marcado por golpes e/ou tentativas de golpes de estado, dando lugar a mortes, ditaduras, corrupção ao serviço de interesses capitalistas e todos outros males associados as esse quadro de combinações em que não conseguimos divisar com clareza que ideologia orientava os poderes instituídos…tudo como se pode perceber, complica-se de tal sorte que ainda hoje não sabemos nos definir; não sabemos se estamos numa esquerda necessária como a que nos servimos, enquanto durou a guerra fria, nem se estamos numa direita possível … claro que este quadro foi motivado por fatores culturais em que a europa se julgou que devia ser o modelo cultural e político e até ideológico para tudo o resto, mas também convenhamos pensar que seja propositado… Bem na ideia de andarmos eternamente atrelados e repetir a oração do conformismo… Com esses estímulos de desorientação muitos dos detentores dos poderes público não souberam separar o que é bem público e o que é privado, aquilo que a burguesia na Europa já soube fazer bem ainda nos finais do Século XVII e consolida no Século XVIII… E como é óbvio, o quadro enrosca-se num jogo de cumplicidades com vozes mascaradas que vai tornar alguns detentores de cargos públicos em cidadão mais ricos e mais influentes, mas só o são na verdade, enquanto estiverem ou estivaram no poder porque se o deixar voltam a uma condição que contraria esta forma de estar aparentemente bem e assim o demonstram os que saem… Hoje o que se constata é que esses representantes do poder público nas suas ações executivas e para assegurarem os cargos e os seus interesses, vão repetindo as práticas dos colonos, do capitalismo que antes combateram…Que antes acusaram e com razão de exploradores e tudo mais … estes governantes negam quase tudo ao seu povo, ao cidadão –aquilo pelo que lutaram para conquistarem a autonomia política e económica de Portugal, até o direito mais elementar que é a liberdade de se manifestar… ensinam o cidadão a conformar-se como nas velhas práticas dos colonos que tiraram as terras aos nossos ancestrais a olhos vistos … envolvem o país num vergonhoso desenho político que não se define claramente se se instalou ou se se vai instalando no poder um governo de esquerda ou da direita, ou entre os dois centros, anda tudo tão confuso em que, nem sabemos que respostas dar ao que vai mal, nem onde podemos começar… entenda-se, enquanto isso acontece os nichos da corrupção alarga os seus tentáculos, num país em que a cultura da cidadania é uma assumida miragem, porque ainda nos ensinam a nos conformarmos … Em beneficio de muitos poucos, regulados por cumplicidades e promiscuidades de toda a ordem todo o resto é condicionado neste quadro de conformismo pela vontade destes, talvez é que, e por isso mesmo, nos proíbem de nos manifestar contra esse vergonhoso quadro que compromete seriamente o avanço do país em que aos servidores públicos e aos parceiros do estado se deve exigir a cultura de prestar contas, a cultura da gestão transparente dos bens públicos. Para nós esses atos e até o ato volitivo de nos manifestarmos ainda é uma viagem para a Pasárgadas de Manuel Bandeira. O povo brasileiro com este ato mostrou que os destinos das nossas democracias, o quadro do conformismo a que os governos instituídos dos nossos países nos querem continuar a submeter, podem ser redesenhados…contrariando a ideia de que o pais se defume estático com os tempos…O Brasil venceu já a impotência que ainda nos anima, diante de uma quase invisível, mas poderosa máquina que oprime os atos de cidadania.

Não é que eu tenha sido assalto pelo otimismo, não… sei bem como é que os interesses dos que nos exploram e dos que nos governam se reorientam…ainda não tenho fé de que as práticas de exploração nos seus diferentes métodos venham a ter fim assim tão cedo e com esse quadro de manifestações… Mas precisamos criar o espaço da voz alternativa, contrariando o lugar daquele refrão de vozes afónicas, localizadas e manietadas pelo poder político e dos Mídea ao serviço do capitalismo, ensinando-nos eternamente a nos conformar…ainda somos infelizmente reguladas pela mesmice. Foi importante, é importante este ser e estar das coisas aqui no Brasil e quem sabe também em Angola se reoriente o quadro dos que governam estimulando a presença de vozes alternativas…Ao invés de atrapalhar só reforça a ação do governo e estimula um quadro de gestão participativa que ajuda a localizar os problemas em que os seus atos e ações vão bem ao encontro de satisfazê-los, de satisfazer as nossas necessidades básicas, pensadas no bem estar da maioria da população já que é quase utópico sermos todos os beneficiados…Um pais falante da língua portuguesa ao dar esse pontapé de saída… espero que estimule os governos dos nossos países em África a andarem pelo mesmo trilho, embora saibamos que o Brasil já traz essa tessitura da imagem de reivindicação e manifestação, quando decide pôr fim a ditadura um terrível período de trevas por que os brasileiros passaram… Mas até por todas e mais algumas cumplicidades que temos com este país que também nos acolhe, em particular o de ser o primeiro país a reconhecer a independência de Angola em 1975, estando o país ainda sob a alçada da ditadura militar… esse seria um motivo mais do que suficiente para seguirmos seu exemplo. Queremos também em África novos ventos, novos ares, estamos cansados de histórias de governo ou governantes perfeitos e que dispensam invariavelmente a participação cidadã… Aqui no Brasil como estrangeiro não posso participar de manifestações, mas como cidadão solidarizo-me com todas as forças reivindicativas longe de vandalismos. É preciso o Brasil saber assegurar aquilo que já conquistou bem, pelo menos a passagem de testemunho dos presidentes e outras conquistas das políticas sociais… Não é lícito tomarmos o conformismo, que foi ensinado aos nossos, como nossa herança, a ponto de não podermos lutar pelos nossos direitos, mesmo quando são invariável e grosseiramente violados… Solidariedade total com os manifestantes para um Brasil ainda melhor… Chegaaaaaaaaa…opressões.

 

 

 

 

 

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Abreu Paxe nasceu em 1969 no vale do Loge, município do Bembe. Licenciou-se no Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED), em Luanda, na especialidade de Língua Portuguesa. É docente de Literatura Angolana nesta mesma instituição e membro da União dos Escritores Angolanos (UEA), onde é secretário para as atividades culturais. Publicou A chave no repouso da porta (2003), obra vencedora do Prêmio Literário António Jacinto. No Brasil, foi publicado nas revistas Dimensão (MG), Et Cetera (PR), Comunità Italiana (RJ), nas eletrônicas Zunai e Cronópios, e em Portugal, na antologia Os Rumos do Vento, (Câmara Municipal de Fundão).  E-mail: pjairo8@hotmail.com




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