Aletramento fraterno


 

Guia Uni duni ler de leitura para bebês e pré-leitores

 

Brincar de ler é uma delícia, um grande prazer! A criança estimulada a descobrir esta fonte de diversão na literatura terá para sempre uma relação afetuosa com os livros e a leitura. Há quem defenda que os estímulos devam começar no berço. Vou um pouco além, acho que este vínculo afetivo com as leituras e os livros pode surgir bem antes do berço, quando os bebês estão ainda na barriga. Não a aquisição do código, o letramento em si, a alfabetização. Tudo isso faz parte de um processo e deve ter seu tempo respeitado. A leitura em voz alta durante a gestação, mais que uma atitude focada na possível formação de futuros leitores, é um gesto de carinho, de doação e que certamente traz muitos benefícios. Na gestação as mães, por carregarem seus filhos no útero, têm mais oportunidades de interagir, de se fazerem presentes na percepção do bebê. É a voz da mãe, a primeira “leitura” que os bebês geralmente fazem do mundo, claro que por conta da íntima co-habitação. Mas os pais, irmãos mais velhos, avós e todos que queiram tornar seu contato mais próximo com o habitante do universo intrauterino podem fazê-lo com as leituras em voz alta! Por isso uso o termo “Aletramento” fraterno, numa analogia com o Aleitamento materno, só que um pouco mais amplo. Afinal, enquanto na amamentação apenas a mãe pode desfrutar a troca intensa que é poder se doar para alimentar o filho; no “Aletramento”, todos os que quiserem, podem alimentar a fantasia e o imaginário do bebê, esteja ele na barriga ou já desembarcado na vida! E podem começar apropriando-se da força que tem a leitura literária, a poesia, a música, a oralidade! Nos primeiros meses de vida o “Aletramento”, que já se estabelecia na gestação, fortalece os laços e oferece aos pequenos infinitas possibilidades de descobertas. Entramos então, na fase de experimentar a palavra, seja ela sussurrada, falada, lida, cantada ou mesmo calada. Tendo sempre o livro como objeto gerador de todas as descobertas, nesta fase do projeto, que denomino “Experimente a palavra”, os bebês de zero a três anos de idade aguçam a imaginação, o reconhecimento de símbolos e as próprias relações com o mundo, dispondo de todos os seus sentidos e por isso mesmo o tato , a visão, o olfato, a gustação e a audição são fundamentais. Eles passam de “leitores” passivos, estimulados basicamente pela audição, a “leitores” ativos. A leitura sensorial faz toda a diferença! Já dos três aos seis anos de idade, os livros, para as crianças familiarizadas com a literatura e habituadas a eles e aos rituais de partilhar histórias, tornam-se fonte inesgotável de alegria, fazem parte das brincadeiras e figuram entre os objetos queridos. Partindo primeiramente de minha paixão pelos livros, de minha experiência como leitora, escritora e mãe de três filhos leitores desde o ventre e agora independentes e até parceiros na literatura, decidi compartilhar algumas de minhas leituras e as vivências tão intensas desde a criação do clube de leitura Uni duni ler formado com bebês de 7 meses a 3 anos de idade em uma creche de Brasília. Selecionei vinte títulos para cada faixa etária de zero a seis anos de idade, são todos livros que já passaram no “test-reader” das minhas oficinas e muitos deles, pelo compromisso com a infância, a diversão, o prazer da leitura literária foram aprovados também pelo crivo exigente dos bebês do Uni duni ler. Aos que sempre me perguntam como funciona um clube de livros com bebês, como são feitas as escolhas dos livros se eles não são letrados, eu respondo apenas com um convite: venham conhecer o Uni duni ler!

 

[Introdução de Alessandra Pontes Roscoe ao Guia de Leitura para Bebês, Uni duni Ler, no prelo.]

 

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Depoimento especial de Alessandra para a MUSA RARA:

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Sou jornalista, escritora e mãe de três filhos: Beatriz (13 anos), Felipe ( 9 anos) e Luiza (3 anos). Com os três experimentei a alegria imensa de compartilhar o amor pelos livros. Beatriz foi quem me fisgou da escrita realista e factual, exigida pelo jornalismo, para a Literatura Infantil, que hoje me permite inventar mundos e personagens. Com o Felipe o encontro com as histórias também foi natural, ele é um apaixonado por livros, por teatro, fantoches, e fantasias. Mas Luiza, que chegou no mais delicioso susto que a vida me pregou, foi a que mais cedo dividiu comigo momentos literários. Já na barriga, assim que soube que estava grávida ( e vivendo um outro tempo de florescimentos, desengavetando afetos e práticas de uma maternagem bem mais consciente e madura, pois engravidei às vésperas de completar 40 anos de idade), comecei a ler para a “barriga”. Ainda nem sabia se seria um menino ou uma menina, mas estava certa de que naqueles momentos diários com os livros, eu e o bebê construíamos uma relação mais forte e de certa forma encantada. Aos poucos os irmãos mais velhos e o meu marido se integraram também ao ritual de ler e contar histórias para a “barriga”.

Não são poucos os estudos científicos que revelam o quanto os bebês no útero já são capazes de perceber afetos e interagir. Mais ainda: o quanto é fundamental incentivar todo e qualquer laço afetivo na gestação e na primeira infância. Muitos adultos insistem em subestimar a capacidade intelectual das crianças e dos bebês. De minhas experimentações artísticas e estéticas com meus filhos – que sempre ouviram músicas, leituras e histórias narradas durante a vida intrauterina e depois apreciaram espetáculos de teatro, música e poesia para bebês – surgiu a vontade de escrever para bebês. Não livrinhos, cheios de diminutivos, de frases sem sentido para estampar em pano ou plástico e declarar: “São livros-brinquedo! Para as crianças de 0 a 3 anos de idade estão ótimos, eles não sabem mesmo ler!” Ouvi muita coisa parecida quando falava que queria me dedicar a escrever para os mais miúdos. E minha vontade se transformou em quase obsessão. Comecei a ler, pesquisar, comprar livros para bebês editados em outros países, conversar com pessoas que trabalham focadas na primeira infância, com psicólogos, pediatras, neurologistas, pais, mães, avós e avôs e com as crianças também. Uma das coisas mais marcantes durante meu período de estudo sobre o assunto foi a quase unanimidade de gestantes reclamando certa ausência dos maridos no envolvimento com o bebê durante a gravidez. Nas pesquisas, a grande maioria dos pais declara só sentir a paternidade a partir do nascimento. Esse, foi outro dado que me empurrou a pensar em textos poéticos e interativos para que os pais, sejam ou não de primeira viagem, os irmãos, parentes e cuidadores possam também tecer laços de carinho com o bebê ainda no útero e por meio da leitura literária. É a essência do “Aletramento” Fraterno, projeto que desenvolvo com casais “grávidos”.

Os bebês lêem o mundo a seu modo, primeiro pela boca, depois com a ajuda dos outros sentidos vão construindo um repertório de possibilidades e potencialidades. O quanto antes forem estimulados e incentivados a fazer suas próprias descobertas, mais aptos e seguros vão-se tornar. A literatura pode ser uma ferramenta maravilhosa em todo o processo de desenvolvimento e é ainda uma inesgotável fonte de prazer. Livro para bebês não tem que ser apenas livro para brincar, levar para o banho ou montar e desmontar. Pode ser tudo isso também, mas tem que ser, acima de qualquer outra coisa, literário no sentido mais poético da palavra!

As histórias que tenho escrito para bebês, escrevo para que sejam lidas para a “barriga” e não apenas pela mãe que já entende muito bem o que é ter dois corações pulsando juntos ,ligados por um cordão umbilical, que no dia do parto se romperá e por outro laço, muito mais forte, que nunca será cortado! São histórias pra serem “sentidas”, sopradas, cantadas, tateadas, degustadas, lidas e ouvidas quantas vezes se desejar compartilhar com o bebê, dentro e fora do útero, a emoção da leitura literária.

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Trecho de seu livro A façanha da dona Aranha, Editora Elementar, com ilustrações de Carol Juste.

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“Esta é a historia de Lia
De beleza e magia
Sobre uma aranha faceira
que é também costureira.
Lia passa a noite e o dia
Alinhavando com alegria
Fios de prata e cristal
De uma teia especial.
Sobe e desce a parede
Construindo a sua rede,
costurando em verso e prosa
Toda, toda orgulhosa,
Uma trama muito fina
Tecida com métrica e rima.
A aranha Lia procura,
pra fazer a sua teia
no baú da noite escura,
o brilho da lua cheia
E o sorriso mais distante
Da estrela mais distante…”

 

 

 

 

 

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Alessandra Pontes Roscoe é jornalista, escritora com 12 livros publicados e coordena em Brasília os projetos Aletramento Fraterno de incentivo à leitura desde o ventre com casais grávidos, Experimente a palavra, de leitura sensorial com bebês e Caixinha de guardar o tempo, com idosos pacientes de Alzheimer, tendo a leitura e as histórias como forma de resgate de memórias. A autora coordena também o Uniduniler, um clube de leitura formado por bebês. E-mail: alessandraroscoe@uol.com.br




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