A religiosidade em Almeida Prado


 

Ao longo da minha carreira, entrevistei o músico e compositor de música erudita contemporânea, um dos maiores do Brasil, e conhecido internacionalmente: José Antonio de Almeida Prado, falecido em novembro de 2010 – várias vezes. De início, pequenas entrevistas para o Jornal de Hoje – onde fui editora de cultura na década de 80 – e o conhecia por que era um compositor famoso e porque era primo da Hilda Hilst. Mas, por incrível que pareça, nunca o vira na Casa do Sol antes do encontro que tive com ele no Shopping Center Iguatemi de Campinas, em 1988, muito articulado pelo “Alto” como diria Hilda e que mudou minha vida, pelas coisas que aconteceram na sequência.

Eu já estava num processo de conversão, e ele me falou de Medjugorje onde a Virgem Maria aparece desde 1981 a cinco videntes. Sobre isso, este evento, eu tinha na altura algum conhecimento. Mas ele estivera lá e, segundo me disse, experimentara uma conversão impressionante. Na sequência fiz uma longa entrevista com ele para a Revista Artes de São Paulo (que está publicada no Cronópios: Almeida Prado música acima das referências) e mais duas: uma para um Caderno Especial que criei para o Diário do Povo de Campinas no Natal de 1988 e outra que está na minha tese de mestrado sobre sua vivência como educador.

Mas, até esta data, eu o via pouco. Nos encontrávamos em algum concerto ou vernissage, já que eu morava em São Paulo e ele em Campinas e, segundo soube depois, (ele) viajava muito para o exterior. E, por que tínhamos uma amiga comum, quando nos encontrávamos, trocávamos três ou quatro frases e um perguntava para o outro: tem visto a Hilda? Mas eis que quando comecei a me voltar para a Igreja Católica a Virgem Maria ”articulou” um encontro nosso no Shopping Iguatemi de Campinas, em 1988.

 

O encontro marcado pela Virgem no Shopping

Na altura eu morava em São Paulo e resolvi dar um tempo em Campinas para repensar minha vida, já que estava numa crise, e eis que chego à cidade numa noite e no dia seguinte me vem uma frase que hoje sei que se chama “moção” do Espírito Santo: “vá ao Shopping”. Como o Iguatemi de São Paulo era um dos meus points prediletos para espairecer, pensei: vou ao Shopping e aproveito para ver uma amiga, dona de um restaurante árabe. Só que, ao visitar alguém, costumo avisar antes, mas naquele dia não combinei nada, não liguei avisando que ia, apenas segui instruções de uma voz que me dizia para ir ao Shopping. Fui em plena manhã – em geral ia à tarde ou à noite e aqui registro que não tenho preconceito de horário, apenas era assim. Subi ao terceiro piso para tomar um café e eis que encontro o diretor do jornal O Correio Popular (da época, não me lembro seu nome) e na sequência o Almeida Prado. Não sabia que ele morava ali perto e que o Shopping era também um dos seus pontos prediletos. Ali, de pé no saguão, depois dos cumprimentos de praxe ele me disse à queima roupa: “Fui a Medjugorje e tive uma experiência maravilhosa de conversão”.

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………………………………………. … .. Almeida Prado
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Sinceramente eu sabia de Medjugorje o que qualquer pessoa que lê jornais sabia: que a Virgem estava aparecendo lá. Mas a coisa foi tão chocante porque ele estava eufórico. Fiquei paralisada e disse: ‘quero te entrevistar’, o que, aliás, é uma reação normal de um jornalista frente a uma matéria interessante. Jornalista não pode ficar diante de uma matéria em potencial. Na época eu fazia free lances para vários jornais e revistas de São Paulo. Trocamos telefones como se faz normalmente, mas antes de nos despedirmos ele me disse: “Jesus está me dizendo que você vai ser apóstola d’ Ele”. Aí já foi demais da conta para mim.

Achei tudo estranho, chocante e fiquei assim meio sem fala porque, mesmo estando em processo de conversão, fiquei achando aquele lance de ser apóstola de Jesus muito louco. Nem preciso dizer que a essa altura não sabia nada sobre moções, locuções interiores, e muito menos que o Almeida Prado tinha locuções. E muito menos sabia que aquele encontro tinha sido decisivo na minha vida e dali para frente nada seria como antes. Minha vida havia acabado de sofrer uma mudança naquele momento e eu nem me dera conta ainda. Só depois de meses eu descobriria. Então começou a via crucis de localizar o Almeida Prado já que no dia seguinte eu articulei a matéria com a Revista Artes. Nada de encontrá-lo, nem naquele telefone nem na Unicamp onde lecionava. Quer dizer, ele estava em Campinas mas eu não conseguia falar com ele. Uma noite, lendo a Bíblia, tive outra moção: ‘ liga para o Almeida Prado’. Eu liguei e ele atendeu. Já se passara um mês desde aquele encontro citado. Ele me convidou para jantar. Fui e articulei a entrevista que aconteceu dias depois, já que na sequencia ele me mandou um resumo de sua vida e carreira até aquela data, que apresentara na Unicamp sob o titulo Modulações da Memória (um memorial) Universidade de Campinas – 1985, material sobre o qual montei a entrevista.

A matéria foi publicada na Revista Artes de São Paulo, muitos meses depois. Mas na sequência da entrevista comecei a ir à missa com ele e a frequentar grupos de oração. Enfim, comecei a conviver com pessoas espiritualizadas e, como Medjugorje era um dos assuntos preferidos do grupo com quem convivíamos já que a maior parte da turma estivera naquele lugar, fui ficando apaixonada pela Virgem de Medjugorje, que é a Nossa Senhora de sempre, mas com este titulo porque aparecia naquele lugarejo da então Iugoslávia e pelo carisma todo. Foi quando o Almeida Prado me emprestou o livro Je Vois La Vierge- Ainée des voyantes de Medjugorje, Vicka raconte les apparitions et son extraordinaire experiénce (Oeil, 12, rue Du Dragon; 75006, Paris, 1984), que trouxera da Europa. Quando comecei a ler fui inspirada a traduzi-lo (na verdade tive outra moção, que é um forte impulso interior para fazer determinada coisa) e simplesmente sentei e comecei a trabalhar. E aí começou a minha experiência com a Virgem: eu sentia a sua presença, a ponto de muitas vezes escrever sorrindo. Sentia o perfume de rosas (e não havia rosas por perto) e ainda uma leve brisa que surgia não sei de onde.
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……………………..Capa do livro


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O livro saiu milagrosamente

Terminada a tradução, restava agora articular a publicação, coisa, aliás, dificílima. Para agravar a situação, estávamos em plena era Collor com tudo parado depois da tal investida dele nas nossas contas particulares. Ou seja, a época não podia ser pior. Acostumada a articular minhas matérias, fui bem objetiva: liguei para duas editoras católicas: a Ave Maria em São Paulo, e a Louva Deus, no Rio de Janeiro e finalmente seguindo instruções de um padre (Monsenhor Nardim) para a Loyola, que segundo ele, era a editora que mais publicava sobre Medjugorje.

As duas primeiras não se interessaram, mas o editor da Loyola, Roberto Girola na ocasião pediu para ver os originais. Levei o material para São Paulo e cerca de um mês depois recebia uma carta onde eles me comunicavam que o livro havia sido escolhido para ser publicado entre trinta originais que se acumulavam na sua mesa. Como eu fizera tudo isso inspirada resolvi perguntar por que ele escolhera este: “Porque é o livro mais importante sobre as aparições de Medjugorje”, me respondeu. Mas me aconselhou a nunca mais fazer uma coisa daquelas: traduzir um livro sem primeiro articular uma editora. Disse a ele que nunca fizera uma matéria sem articular sua publicação antes. Mas, desta vez, estava sendo inspirada pela Virgem. Ele me olhou assim com uma cara que não entendi na época, mas depois sim porque na verdade eu estava num processo de conversão e ele era apenas um editor de uma editora católica escolhendo um livro que desse IBOPE.

Foi assim que ele saiu, milagrosamente, em 1990. Digo isso porque, como vocês sabem, publicar um livro no Brasil, sem bancar a edição é bem difícil. Fiz um lançamento em Campinas ainda que não seja usual se fazer noite de autógrafos para traduções – mas era preciso divulgar o livro – com um concerto do Almeida Prado onde ele tocou músicas compostas depois da sua experiência com a Virgem: O Rosário de Medjugorje e Flashes de Jerusalém, com ajuda de vários amigos do Grupo de Oração da Igreja Santa Rita de Cássia, aquele pessoal que cito e com o qual convivíamos.

Eu Vejo a VirgemVicka narra as aparições de Medjugorje (Edições Loyola, 1990, São Paulo) é uma entrevista do frei croata franciscano Yanko Bubalo – já falecido, mas que  à altura da entrevista estava com 60 anos – com a Vicka Ivankovic, àquela altura com 24 anos, e um dos cinco videntes que veem a Virgem desde 1981 naquele vilarejo da ex-Iugoslávia, que narra as trinta primeiras aparições de Nossa Senhora naquele local. Considerado pelos especialistas um dos mais importantes documentos de Medjugorje justamente por tratar das trinta primeiras aparições e um dos três livros mais importantes daquele evento, segundo relato que li n’ O Encontro Marcado em Medjugorje, da Lise Leclerc (Edições Loyola, 1986, SP).

Na página 83, pode-se ler o diálogo da jornalista canadense (que o Almeida Prado conheceu) e um grupo de italianos com o padre Tomislau Vlasic, O.F.M. franciscano. Ela pergunta quais os livros mais importantes, enfim o que deve ler sobre as aparições de Medjugorje já que há milhares de livros sobre o evento. Ele responde: “Vão ficar três livros: Laurentin para as informações (só para esclarecer, o padre René Laurentin escreveu vários livros sobre as aparições de Medjugorje e é um dos mais famosos mariólogos do mundo); Vicka/Bubalo (Eu Vejo a Virgem), Loyola, 1990, (São Paulo) para os pormenores das primeiras aparições e Bonifácio/Brughera para a espiritualidade (eles são os editores de Aprite I Vostri Cuori a Maria Regina Della Pacce. Entretenimentos Espirituais, de Tomislau Vlasic, O.F.M. e de Slavko Barbaric, O.F.M., Milão, 1985)”. Para ver imagens daqueles tempos e uma síntese da mensagem desta aparição acesse:

 

Caderno Especial de Natal

Neste mesmo ano criei para o Diário do Povo de Campinas um Caderno Especial de Natal onde entrevistei vários especialistas: educadores, entre eles Rubem Alves e Antonio Muniz de Rezende, ambos, filósofos, teólogos e psicanalistas que à época lecionavam na Unicamp; escritores, entre eles Hilda Hilst, artistas, economistas e até um padre para falar do tema A renovação da esperança naquele contexto sócio-político-econômico em que vivíamos: o inicio da abertura política com as Diretas Já. Entrevistei também o Almeida Prado que falou da dificuldade de ver tocada e entendida sua música e também da sua religiosidade. Para Hilda, igualmente pedi que falasse da sua visão de Deus e dos autores que ela admirava justamente por serem religiosos no sentido da palavra latina: religare, religados, ligados em Deus.

À época, o Almeida Prado era professor de composição na Unicamp e já havia composto centenas de obras entre sinfonias, oratórios, missas, sonatas, duos entre elas: Missa de São Nicolau, Paixão Segundo São Mateus, Pequenos Funerais Cantantes, Cartas Celestes, Momentos de Cubatão, Sinfonia dos Orixás, Sinfonia Unicamp. Vejamos a entrevista.

 

P.-Você diria que o fato da sua música ser pouco tocada tem a ver com o conteúdo místico da sua obra? Ou haveria outros motivos?

Almeida Prado-Não saberia dizer se por ter conteúdo místico. Talvez por ser ela sofisticada, contemporânea…

P.-E atonal provavelmente, ou seja, porque você não usa uma linguagem digamos mais facilmente assimilável?

Almeida Prado-Sim por tudo isso, por que na verdade eu sinto que as minhas obras mais tocadas são as tonais. É o caso da Hilda (Hilst) que também usa uma linguagem nova, não convencional. Em geral as pessoas preferem na literatura, como na música, linguagens mais conhecidas, mais arrumadas, entre aspas. Mas tudo leva a crer que elas prefiram música que tem uma melodia que começa, tem um meio e um fim previstos. O atonalismo rompe com esta forma convencional, mas de qualquer forma reflete o mundo contemporâneo. O artista cria em cima do que sente, do que vive. E não se pode dizer hoje que a música tonal descreve este mundo completamente atonal.

P.-Parece que na Europa ela é mais tocada, mais divulgada?

Almeida Prado- Não é muito tocada, ela é mais tocada, mais divulgada. E sempre que foi tocada o público delirou, gostou, entendeu.

P.- Mas lá, sem dúvida, há uma tradição maior de música erudita, enfim o nível cultural da população é mais alto, certo?

Almeida Prado-Tem, tem tradição, tem mais embasamento, mas eu não sei se seria isso. Se nós tivéssemos, por exemplo, acesso a uma divulgação maior, se fôssemos tocados em veículos de comunicação de massa, acho que as pessoas iriam às lojas procurar o disco. Mas como as coisas estão o compositor de música erudita fica exilado durante a vida e fadado a ser póstumo. Daqui a cem anos vão descobrir o Almeida Prado numa gaveta empoeirada de um sótão e vão dizer: puxa, havia um cara absolutamente incrível no ano de 86, 87, 88 e aí vão fazer uma tese. Aí não interessa mais (risadas). Por que o problema não é da dificuldade de entendimento. Eu tenho experiência, quando trabalhava na TV Cultura tinha um programa e eu tocava minha música, as pessoas gostavam e queriam mais. Mas de repente acaba o programa, as coisas aqui não tem continuidade.

P.-Quem entrava este processo? As emissoras? Enfim, porque as coisas se passam assim?

Almeida Prado- Não sei, mas alguém deve ter consciência disso. Mas alguma coisa precisaria acontecer. De repente, pessoas, milionários, mecenas mesmo que acreditassem nos artistas e investissem. Aí a coisa deslancha e então dá certo ou não dá. Mas aí ninguém vai dizer que não se teve chance. Ocorre que deste jeito as coisas não andam, não florescem, a fruta fica sempre verde.

P.- Nos Estados Unidos há fundações que apóiam muito mais os artistas. Isso poderia existir aqui?

Almeida Prado– Lá, qualquer músico de quinta categoria recebe encomendas de sinfonias, sonatas, óperas. Há instituições que dão apoio para os artistas. Encomendam para o escritor um livro, para o compositor uma ópera. Não é o artista que tem que ficar almoçando com os managers, batendo em porta de banco dizendo para os executivos: você quer comprar minha música? Você imagina o Chico Buarque, a Bethania telefonando e pedindo para tocar no Canecão (risadas). Será que posso gravar este disco? Não, são os empresários que procuram e, para chegar até eles, mil secretárias, torre de marfim, etc.

P.- Sei que você é muito religioso. O que significa para você esta mensagem de Cristo?

Almeida Prado- A mensagem de Cristo tem tres níveis.  O primeiro nível é a mensagem do silêncio de Cristo, que é o nascimento dele. Mesmo sendo filho de Deus, mesmo sendo o homem, Cristo teve toda a evolução normal: engatinhou, balbuciou. Ou seja, a primeira mensagem de Cristo é a total impotência de Deus naquela manjedoura: o silêncio. O silêncio de Maria que não entendia muita coisa, o sofrimento de ter dado à luz o Messias num estábulo. Já começa revolução aí.

P. Ou seja, um parto, se é que podemos chamar assim, nas condições mais precárias possíveis…

Almeida Prado- A gente lê: naquele tempo se completaram os dias de Maria… E a gente vê uma arvore de Natal dourada, uma mesa farta de comida, crianças abrindo presentes, este é o cenário que se vê no Natal. E na verdade foi tudo o contrário: o despojamento, o sofrimento de Maria, José que não entendia, tudo úmido, frio. Em seguida ao nascimento de Cristo, vem a perseguição de Herodes querendo matar a criança. O anjo avisa José que tem que pegar Nossa Senhora ainda fraca, amamentando e fugir para o Egito. Quer dizer: sangue, dor, morte, perseguição. Mas por que isso? Porque irrompe a luz nas trevas. E aí as pessoas não acreditam, eu respeito, mas existe o demônio, existe Lúcifer que é um inteligentíssimo anjo decaído que não queria a vinda do Salvador. Então, começa a perseguição da criança pelo poder do mal que é a figura invisível do demônio na pessoa de Herodes, e ainda a corrupção, a glória mundana. Depois, quando o Cristo aos doze anos se perde durante três dias e Maria quando o encontra pergunta: filho como você faz isso conosco. Não sabia que eu e o seu pai estávamos preocupados? De novo irrompe o silêncio, aquele distanciamento, aquela espada: mas por que me procura? Não sabe que eu devo me ocupar das coisas do meu Pai? Isto ele falando para Maria e José. Quer dizer, o Cristo próximo e o Cristo distante. Então, Cristo é isso: espanto, desconcertamento. E, depois, o terceiro momento, quando ele diz aos discípulos: não vim trazer a paz, eu vim trazer a espada. Doravante, o pai ficará contra a mãe, a mãe contra o filho. Está no Evangelho…

P.Ele revolucionou as relações humanas.

Almeida Prado- Ao mesmo tempo ele diz: “Vinde a mim todos que estão cansados, eu vos aliviarei porque sou manso e humilde de coração”. E ao mesmo tempo ele pega o chicote e insulta. É o paradoxo. Todo o tempo frio e quente, dia noite e ele assume isso o tempo todo. Você não tem um Cristo só, você tem vários… plusieurs regards, vários olhares. Ele nunca responde o que você pergunta. Por exemplo: onde você mora. Ele não, não é aqui. As raposas tem suas tocas, mas o filho do homem não tem onde repousar a cabeça. Ele é o grande andarilho. E finalmente a morte que é o escândalo total, morre como um ladrão, como um assassino não sendo, ele assume a divida que não tem. O Pai o abandona, não sente mais a presença de Deus, sendo Deus é como se não fosse, bebe daquele cálice horrível vendo o desprezo de todos, o abandono dos discípulos e ainda diz : Pai, perdoai por que eles não sabem o que fazem. Desconcertante. Ele que podia fazer cair um raio naquele momento – era Deus. Enfim, Cristo vem para déranger...

P.Desarranjar, desordenar...

Almeida Prado- Desarranjar, exatamente porque só ele pode arranjar. Então, quando você se converte, pensa que vai ficar tudo bonitinho e não é isso que acontece. Todos os valores que você tinha arrumado durante anos estão por terra. A própria vivência da fé é desconcertante, não é um calmante. Não é ópio como diz Marx, ela é todo tempo esta coisa ofegante. Ele diz: pega sua cruz e me siga. Entre pela porta estreita, largo é o caminho da perdição. Tereis perseguições, tereis insultos, como eu. Quer dizer, você não é mais que eu, mas eu venci o mundo, portanto você também vence. Li, um dia, um livro sobre a aparição de Nossa Senhora a uma mulher na Itália onde ela diz: ‘Voce não escapa da cruz. Ou você acredita e aceita a cruz de Cristo que é terrível, áspera, feia, mas te liberta, ou você aceita a cruz do demônio que é bonita, mas que te aniquila.’ Você não escapa da cruz porque se escapasse você não morria, não tinha AIDS, não tinha câncer, não haveria pobreza, não haveria dívidas. Vamos supor que a pessoa seguisse o caminho largo e fosse feliz. Mas não é isso que ocorre. Porque você vê essas pessoas riquíssimas vivendo em palácios, morrendo de medo de ficarem doentes, com filhos drogados, mil tragédias, não são felizes.

P.Agora mesmo a gente viu a morte trágica da Cristina Onassis, riquíssima e infeliz…

Almeida Prado- Vagou pelo mundo inteiro em busca da felicidade e morreu só, não morreu com o dinheiro dela. Então, Cristo traz a vida que é desconforto, desarranjo, ele vem e irrompe na tua vida e bota tudo de cabeça para baixo. Porque ele quer ser o Senhor.

P.- Mas há um momento que você fica finalmente em paz?

Almeida Prado- Voce tem paz não tendo, você é feliz não sendo, você tem esperança, por quanto você não tem mais. É tudo apesar de… Esta que é a fé. Eu creio não porque seja bonitinho, mas por que é. Enquanto você se apoiar nas coisas que você sente, no teu sensível você vive uma ilusão.

P.-E estas aparições de Nossa Senhora em Medjugorje? Qual é o significado disso neste momento?

Almeida Prado– É despertar os que estão dormindo para coisas que vão acontecer, apocalípticas, que já começaram e a eminente volta de Cristo. Porque é o seguinte: os judeus esperam o Messias, eles não acreditaram que Jesus é o Salvador. Mas os católicos em acreditando que Jesus morreu, ressuscitou, também esperam, só que a sua volta. No fundo é a mesma espera. Só que eu espero alguém que caminha comigo, vivo e os judeus esperam alguém que ainda vai chegar, que nunca veio. Mas a espera do Cristo é fundamental porque o objetivo do cristão é a volta do Cristo glorioso, que vai botar luz de um lado, treva de outro, o bem de um lado, o mal de outro. Vai arrumar a casa. E ela pede: rezem, rezem porque está chegando a hora. E mostrou aos videntes as coisas horríveis que vão acontecer. Ela diz numa das aparições: ‘face ao futuro, uma só atitude deve ter o filho de Deus: a esperança na salvação. Quem está em Deus não tem medo.’ Ela disse isso na segunda aparição: ‘quem de fato acredita que foi salvo por Cristo não tem medo de nada. Temer quem pode matar o teu corpo, mas o que é o corpo? Antes temer Deus que é Senhor de tudo.’ Os cristãos íam cantando para a arena, não íam chorando. Santa Terezinha, quando soube que ia morrer, foi o dia mais feliz da sua vida, ela escreveu isso. Quem não tem fé diz: esta mulher está louca de Pinnel… Mesmo sabendo que aquilo acarretaria uma noite escura, tenebrosa, mas afinal era uma passagem, ela ia para o céu. A Vicka, por exemplo, esta vidente, tem um tumor na cabeça, não é câncer e, no entanto, ela é a pessoa mais alegre que eu vi em Medjugorje.

P.- Parece que ela tem dores terríveis…

Almeida Prado– Ela tem uma leveza, uma disponibilidade para o próximo porque é uma coisa desgastante. Você imagina o que é de manhã ela acordar e ter 90 japoneses que querem saber como é o sapato de Maria, como é o manto. Depois, vem um grupo de tchecos, querendo saber sobre o inferno, o demônio e ela fala. Aí vem os franceses, os poloneses, os brasileiros… E todos querendo tirar fotos. Quer dizer, entrar no caminho de Deus é sofrer, para depois ter paz e alegria. Mas é uma paz e uma alegria que você não entende, que você não sabe o que é, não sabe por que, mas sabe que é o caminho certo. (risadas).

P.-Tudo contraditório

Almeida Prado- Agora, quando você sabe o que é, está tudo arranjado, méfiez-vous, desconfie, não é de Jesus.

P.- Você diria que esta desesperança do povo brasileiro, fora a situação política-econômica toda complicada seria a falta de Deus?

Almeida Prado– Eu acho que é a falta de alguém cheio do Espírito Santo que irrompesse no Brasil, um político carismático, um político santo, alguém que tenha santidade. Agora a santidade para mim significa alguém preenchido do Espírito Santo, uma pessoa pecadora, miserável, mas em quem o Espírito Santo age. Nós não temos ninguém que conduza o rebanho. Somos um rebanho sem pastor. Porque votaram na Erundina (ela era prefeita de São Paulo na época)? Não porque as pessoas amem o PT, mas porque de repente, uma mulher na prefeitura de São Paulo já é inusitado, ainda mais uma mulher que foi pobre, lutou, sobreviveu e chegou lá honestamente. De repente esta mulher vira carismática, porque em outras pessoas ninguém acredita mais. Podia ser a Maria da Silva, é uma mudança, tal o marasmo a que chegou o Brasil, o tédio vitae, esta situação horrenda, onde as pessoas não estão satisfeitas, não sabem por quê… Porque não tem uma bomba atômica, uma hecatombe, alguma coisa concreta que você localize. (Risadas) Não, é nada. É tudo neutro, é tempo do maligno. Tudo cinza, tudo mentira, é máscara.

(Interessante que a última frase, ainda que dita no contexto de 1988 no Brasil, podia ser falada agora também. Houve grandes mudanças, inegáveis, mas que tudo ainda continua sendo mentira e máscara no âmbito da coisa pública digamos que sim, com os deputados aumentando seus salários absurdamente enquanto grande parte da população vive com salários injustos, isso para ficarmos em apenas um item das desordens.)

 

 

 

 

 

 

 

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Ana Lúcia Vasconcelos é atriz, jornalista, escritora e tradutora, licenciada em Ciências Políticas e Sociais pela PUC de Campinas, Mestre em Filosofia da Educação, pela Unicamp, e acaba de preparar um livro ainda inédito sobre Hilda Hilst que o MUSA RARA publica em partes. E-mail: analuvasconcelos@globo.com




Comentários (1 comentário)

  1. Nydia Bonetti, Mais uma bela matéria/entrevista, Ana. Provavelmente uma faceta de Almeida Prado que pouca gente conhecia. Corajoso, emocionante. Beijos!
    26 março, 2012 as 16:45

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