A Literatura no divã de Freud


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Pai da Psicanálise, Sigmund Freud não colocou apenas seus pacientes no divã. Ao longo de sua carreira, Freud demonstrou um interesse todo especial pela Literatura e foi influenciado por ela, como revela em artigos, palestras e em cartas trocadas com diversos escritores da sua época. Dois estudiosos da obra de Freud, J.B. Pontalis e Edmundo Gómez Mango, revelam essa faceta literária no livro “Freud com os escritores” (Editora Três Estrelas, 2013), com tradução de André Telles. A obra expõe um apaixonado leitor de autores como Shakespeare, Goethe, Schiller, Hoffmann, Heine e Dostoévski, além de correspondência com autores de sua época, como Arthur Schitzler, Thomas Mann e Stefan Zweig.

A obra de J.B. Pontalis e Edmundo Gómez Mango mostra que Freud não se conformava em ser apenas um Forscher, um pesquisador. Ele queria mais. Queria ser um Dichter, um criador literário ou um criador de ficções. Para Freud, a Dichtung (criação literária) é um campo privilegiado para o estudo das engrenagens secretas que ligam o fantasiar do criador à sua produção literária. Segundo os autores, Freud teve a coragem de introduzir no espaço do saber científico a figura do Dichter, do poeta, ignorado pela academia de sua época, e fez do poeta um dos interlocutores primordiais de sua obra.

Com Shakespeare, por exemplo, Freud manteve um diálogo profícuo em toda sua carreira. Fez mais do que ler Shakespeare. “Literalmente, alimentou-se dele, incorporou-o”, aponta os autores. Para J.B. Pontalis e Edmundo Gómez Mango, Freud poderia muito bem ter visto em Shakespeare um rival. O encontro entre o Pai da Psicanálise e o dramaturgo inglês foi precoce. Ainda adolescente, recitava de cor cenas de Júlio César e Hamlet. Na época, citava sempre A tempestade e Macbeth e chamava Martha, sua noiva, de Cordélia. Além disso, a tragédia de Hamlet, a peça e seu herói acompanharam Freud ao longo da vida e o ajuda na compreensão do Édipo da lenda. Freud nunca conseguiu se desvencilhar de Shakespeare e em alguns momentos quis livrar-se do “rival”.

Com Goethe, a relação também foi de admiração. Goethe tornou-se um de seus inseparáveis companheiros de viagem, “talvez o mais fiel e o mais evocado ao longo de toda sua obra”. Freud, inclusive, aponta três domínios em que a psicanálise e a obra de Goethe se encontram: o sonho, a possibilidade de libertar a alma humana do sofrimento e a importância de Eros.

Se em Goethe Freud encontra a reconciliação com a vida, a despeito da dor da perda, em Schiller o encontro é com o sentimento do dever, da exigência ética para com os outros. Schiller é definido por Freud como o “poeta filósofo” e é uma visita freqüente nos sonhos do Pai da Psicanálise, através da evocação de seus poemas e dramas. Além disso, Schiller foi um dos primeiros a utilizar a palavra e o conceito de Trieb (pulsão) em suas especulações sobre a percepção do belo e a função da arte. Ao longo da vida, o Trieb alcançou grande importância na obra de Freud.

Segundo os autores do livro, quase toda obra de Freud é espantosamente visitada pela Literatura. Assim, com Hoffmann viveu no país da inquietante estranheza, com Heine compartilhava um desdém pelos filósofos construtores de sistemas, com Dostoievski teve prós e contras e o escritor russo foi chamado de moralista, neurótico e pecador por Freud, com Schnitzler viveu o medo do “duplo” e de Thomas Mann recebeu o ensaio mais importante sobre sua obra.

O livro “Freud com os escritores”, segundo seus próprios autores, nasceu do projeto de mostrar o que a psicanálise e o seu fundador devem à literatura. É uma obra interessante para quem quer conhecer como até que ponto as obras literárias influenciaram a produção intelectual e científica de Freud.

 

 

 

 

 

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Linaldo Guedes é jornalista, poeta e mestre em Ciências da Religião. Nascido em Cajazeiras, alto sertão da Paraíba, é radicado em João Pessoa desde 1979. Como jornalista, atuou nos principais órgãos de comunicação da Paraíba e foi editor do suplemento literário Correio das Artes por seis anos. Como poeta, lançou os livros “Os zumbis também escutam blues e outros poemas”, “Intervalo Lírico”, “Metáforas para um duelo no Sertão” e “Tara e outros otimismos”. Lançou, ainda, “Receitas de como se tornar um bom escritor”. E-mail: linaldo.guedes@gmail.com

 

 




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