70 poemas de Ana Peluso


Sobre o livro 70 poemas de Ana Peluso

Ao contrário da prosa, a poesia muitas vezes necessita de várias mediações.

Não obstante a minudência formal e o parco e quase nenhum vocábulo, a poesia pode aparentar para muitos uma coisa menor, mas não é.

Tudo isso porque estamos acostumados, nós os que nos fixamos nas formas ocidentais, com a quantidade adiposa que não raro e excetuando os lipídios necessários não representa nada.

Sobretudo e após, digamos assim, a era moderna, a poesia modificou-se e praticamente perdeu aquele elã lírico que a caracterizava.

Ainda somos herdeiros, quer queiramos ou não, de um lirismo ou mesmo de algo metafísico, mas claro, que possamos entender na primeira leitura, para nos adaptarmos e enfrentarmos as refregas do dia a dia.

De tanto transmutar-se, a poesia praticamente rompeu com os limites do que é poético.

A própria palavra poético já vem eivada desse significado, representando mais eros do que proteu.

Já não é incomum, um leitor mais desavisado e neófito percorrer as estantes de uma livraria e frustrar-se com a poesia que procurava.

A poesia hoje em dia tem muito de linguagem e é o arcano que a envolve e que a absorve muitas vezes.

Nesse sentido, a poesia exige do leitor muito mais investidas para que possa ser compreendida.

É o caso do livro 70 poemas da poeta paulistana Ana Peluso.

A poesia moderna e pós-moderna têm exigido do leitor e de seus críticos um trabalho mais árduo de compreensão e de pesquisa.

Há que se interiorizar com o poeta e pesquisar sobre ele e sobre o mundo, saber de suas agruras, de seus sonhos, utopias e saberes.

Por isso ter também relevância para o poeta o seu pedigree curricular e o conhecimento do leitor.

É como se disséssemos assim, como não posso entender ou entender o que se diz diante de todo esse conhecimento?

Nesse sentido, o leitor sagaz põe-se a questionar a sua não compreensão.
Para diante do livro e se pergunta: por que gosto ou não gosto ou não compreendo?

Muitas vezes indaga: mas isso tudo não seria uma fancaria?

E se fosse?

Já não teria feito já o seu papel de colocar perguntas e um desconforto no leitor?

Até nos parece que há na poesia hodierna uma espécie de projeto para o fazer poético ou mesmo um tipo de expressão linguística que capta os limites do que circunda o poeta, digamos assim, o seu mundo interior com seus problemas, fantasmas e agonias.

Seria como querer expressar mas não expressar, fazer o jogo do ininteligível ao leitor.

Até pode ser.

É como se se quisesse, na verdade, não dizer o que está dito.

Ou dizer o que está interiorizado misturando-se com o seu mundo empírico.

É o que deveria ser guardado, mas que não pode ser guardado por uma razão ou outra.

É procurar discorrer sobre uma situação, mas de um modo livre e particular e abdicar da exigência do externo.

Seria como um grito de liberdade.

Um grito de alforria.

Seria como usar as palavras que o poeta julga, porque poeta é, que devem ser usadas para o seu fazer poético.

Sendo assim, a poesia moderna e pós-moderna, sobretudo a última na qual se enquadra Ana Peluso, ao contrário dos que pensam de modo diferente, consubstancia-se numa pluralidade de falas e expressão que se tornou quase que impossível defini-la ou julgá-la.

Mas que sabemos de primeira que tem qualidade e poeticidade.

E é nesse sentido que a poesia de Ana Peluso acaba cumprindo mais que a novela, o conto ou o romance, o seu dever de permanecer inatingível e portanto alheia a qualquer dominação; aliás, muito pelo contrário, até nos dominando.

E assim como um deus proteu a sua poesia vai exigindo de nós seus leitores novas e novas e reincidentes investidas como que nos olhando de soslaio de seu nicho ou cabeceira e rindo de nossa cara como nos dizendo: decifrai-me ou vos devoro. E devora!

 

“Existem fatores preponderantes
para que eu pense que o mundo
é um jogo de WAR gigante
onde o exército majoritário
pertence a quem não devia
e o filho da mãe só tira seis
cinco e seis
nos dados vermelhos
e nos amarelos também”

 

 

[70 poemas / Ana Peluso – Coleção Patuscada – Editora Patuá]

 

 

 

 

 

 

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Wilson Luques Costa é jornalista com pós-graduações em Psicologia e Filosofia. Escreve para várias revistas e blogues. Atualmente é professor de Filosofia do Ensino Médio de São Paulo. E-mail: wilsonluques@ig.com.br

 




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