Uma voz vinda de outro lugar


……………………………Sobre a crítica literária

……………………………A Blanchot

 

Ninguém testemunha
pela testemunha

PAUL CELAN

 

 

Por que atrair a ira de um outro sobre a sua obra, quando você pode barganhar elogios de admiração? Entende-se, então, porque, para os escritores em geral, os críticos literários ao longo dos anos foram se tornando intocáveis, sagrados. Mas a recíproca tende a ser radicalmente inversa: – Crucifiquem-no! Crucifiquem-no! Uma horda de críticos é plenamente autorizada pela Cultura instituída a cercar um autor, e apedrejá-lo até a morte da sua obra. E, às vezes, dele próprio.

Dos que fazem crítica sobre Literatura devo dizer que só me tocam quando, conseguindo escapar dos seus condicionamentos culturais e estéticos – além do círculo infernal e arbitrário das inevitáveis limitações das simpatias e antipatias humanas por seres & coisas em geral – abandonam sua postura judicial, que frequentemente se excede em repressividades policiais.

Sei que sua aproximação da obra é a de um especialista – que não participou nem participa da Alquimia que é a essência de toda criação literária – e, vindo de fora dela, tenderá sempre a encarcerar autor & obra em um sistema de valores a priori – que, por sua vez, é o seu próprio encarceramento, dele, crítico, nos dogmas da Cultura e não dou menos importância à percepção de um leitor simplesmente-leitor do que ao que um crítico literário diga de uma criação literária que se gerou através de mim – esse autossuficiente eu criador de que há muito tempo venho me afastando – e me tornando progressivamente menos um Autor Eu e me sendo cada vez mais um meio-linguagem verbal pelo qual a Vida se dispõe a falar aos outros homens. Assim, a quem crucificar?

É a resposta humana do outro e não sua leitura cultural o que interessa. E, recordando McLuhan – o meio é a mensagem – ao meio escritor que busco ser, pouco importa se a obra que se gerou através de mim é elogiada ou negada criticamente.

Aquele que gera a obra – se libertado da ilusão de a ele pertencer sua autoria – deve, apenas, participar da Alegria da própria obra – Alegria secreta e puro Mistério, semelhante à Vida – ao se ecoar na Compreensão profunda de uma leitura. Mas sem se dar o direito à indiferença pela Tristeza da obra, em si, quando não compreendida.

A rígida impossibilidade da Erudição fluir com a Vida, no caso do especialista, mesmo se lhe agrada a obra, só consegue a nossa adesão a uma alegria construída – que tem por base, glacial, o conhecimento – essa estrutura de informações co-ordenadas entre si que é o oposto do Saber.

O ente-leitor, vítima desse conhecimento adquirido, impede o acesso mútuo de Saber & Ser.
.

É Sem Alegria

A Alegria unindo a obra ao seu leitor – encontro que é um golpe que realiza, entre o livro e quem o lê, algo semelhante à palavra do apóstolo João: No princípio era o verbo, e o Verbo se fez Carne – que fundindo à obra & leitor um terceiro – aquele que a gerou – devesse ser a Libertação de todos – inclusive daquele que se dedica à vigilância da crítica literária – da Maldição de sermos seres vivendo vidas separadas – as do eu versus tu que, nem através da Arte, consente que sejamos a convergente revoada humana que adormece em  – Nós.

– Ó Franz – nome que ocultas nesta página de jornalismo, e pelo qual  te denuncio como aquele outro que, também, és: um escritor – essa é uma declaração de guerra aos críticos literários? Antes que alguém venha levantar essa suspeita suspeita, já respondo – Não, é uma semente –  para Reflexão. Sei que essa Alegria da tríplice aliança de uma Compreensão Una em torno de uma obra literária é possível porque a provei várias vezes, nas coisas que foram ditas & escrita sobre os livros visíveis que escrevo desde que, há quase quatro décadas, iniciei a Viagem a Andara oO livro invisível – desse, se poderá falar, como se fala de assombrações, mas nada se poderá escrever por não ser algo feito de palavra, ser um nãolivro, o livro não escrito: Literatura Fantasma.

E devo acrescentar que, estranhamente, pois vivemos em um sistema cultural encarcerador – em que as tradições são grandes pedras que retém e repuxam a Arte para trás – encontrei poucas vezes a Tristeza da não compreensão que separa aquele que gera a obra/&/o leitor, seja o amador leitor ou profissional da crítica literária. Dei as duas – à Alegria & à Tristeza da obra – a mesma atenção. No segundo caso – porque a Carne não conseguiu se transubstanciar em Verbo.

As Alegrias desses anos me recordam nomes – a quem sou silenciosamente grato por elas – enquanto não silencio o Nome daquele que sinto e acolho como Singular aliado profundo da Vida e da Escritura e que já realizou, plenamente, a autossuperação deslumbrante da crítica literária em percepção sensível & solidária com a obra criada e seu gerador: Maurice Blanchot.

E, no entanto, sempre escolhemos um companheiro: não para nós, mas para algo em nós, fora de nós, que tem necessidade que sejamos insuficientes para nós mesmos para passar a linha que não alcançaríamos.

Companheiro de saída perdido, a mesma perda que está doravante em nosso lugar. Onde buscar o testemunho para o qual não há testemunha?

MAURICE BLANCHOT: O último a falar/Uma voz vinda de outro lugar

 

 

Para Maurice Blanchot

Para a Vida que dorme
Vicente Franz Cecim


.

Se o Adormecido leva um Gesto aos lábios

não Falar

para não nascer do Seu Ouvido
em Rumor O

não dito, lentamente não

Ouvir

para não nascer no meu ouvido
em Ramagens A

não dita, lentamente não

para não assustar as Ramagens do Rumor

indo e vindo

entre nós

.

Asa adormecendo

então virá a que nasce

para ocultar a Penumbra de um segredo     E nada sabes dela,

 

e nem de ti saberás

 

Centro Escuro de Estrelas, a Omoplata das Virtudes foi partida

 

Silêncio

de Lábios Belos     que não te dirão O Nome

 

Quanta Presença

no que foi lançado

para residir

 

na Fenda

.

Quantidades imensuráveis

Face de Puras Asas,

 

quanto te ergues e tudo sobe para o Céu,
que recua

 

mais para o Fundo

 

Este trabalho é luminoso
quando passas,

 

flagrado em crimes contra a terra,

 

em Sonhos
.

Dia da semente invisível

e Negra cintila
.

entre o sido
e o não será

 

Sombra e Paisagem, O visto em sonhos

 

E estava ausente Aquele que rasgou os véus
para mostrar aos homens
.

estava ausente
estava ausente

 

o que mostrou que nada havia atrás do Véu

 

só a Criança

 

Murmurante  leve

 

oO

 

Se um dia um homem

 

Onde ninguém mais viu,

 

não esperes

 

 

sob a Lua Branca

Já tens a resposta – não há Resposta

 

Agora,

longe,

 

tens as costas voltadas
mas não curvadas
para os Crepúsculos

 

e os pés profundamente enterrados

em Tua Memória

 

Poderias ir embora

.

Mas não vás      Preferes esperar
que todo o Alento se extinga,

 

e não vás

 

E quanto a Terceira chegar
vais recebê-la Face a Face com

 

O Impassível

 

Silêncio dos Lábios

pássaro obscuro

 

Nada

no ar

 

e tu te perguntas    Mas como pode Nada em alguma coisa estar

 

Silêncio nos lábios

 

E de tudo que nas nuvens vês passar

 

 

Para a Vida que dorme

É preciso não ter medo de não ter medo,

as Coisas adormecidas são mais Belas

 

sob as pontes desertas os Oceanos dormem

e a Semente do Desgosto

não leva à outra margem

 

Agora, para onde ir?

Já não suspeita do seu rosto nos espelhos a Criança que viu em sonhos
seus cabelos brancos

 

Todos os olhos fechados celebram o limo das Auroras

 

 

 

 

 

.

Vicente Franz Cecim nasceu e vive em Belém, na Amazônia. Autor de Viagem a Andara oO livro invisível. Blogs: Diário d oO livro invisível http://diariodoolivroinvisivel.blogspot.com.br/ eAndara: VozSilêncio http://cecimvozesdeandara.blogspot.com.




Comente o texto


*

Comente tambm via Facebook