Uma manhã em Washington D.C.



 

 

No dia em que eu fiz 40 anos, 12 de janeiro de 2008, acordei meio baleada. Eram seis e cinquenta e um da matina. Minha tia me disse um dia que eu havia nascido em torno das cinco e meia. Mas isso, além de ter determinado meu ascendente, sagitário, já não importava mais. Sim, dizem que depois dos quarenta é o ascendente que toma conta de seus auspícios astrológicos. Então, quer dizer que consegui me livrar da influência do teimoso e determinado capricórnio. Mas isso, também não importava mais. O que importa é que eu não consegui dar certo em quase nada, mãe. Quase. Parece pouco, mas pode ser muito. Depende do ponto de vista, claro. Tudo é uma questão de ponto de vista. Deve ter alguma coisa a ver com a teoria da relatividade. Einstein. Sempre ele. Não segui adiante em meus estudos por conta dele e sua física incompreensível. Mas a prolixidade ainda me mata, pois não era isso que eu queria estar escrevendo agora. O que eu queria dizer é que ninguém tem mais ouvidos e olhos para a Arte. Aliás, quanto mais Arte menos olhos e ouvidos. Isso, também, não é nenhuma novidade, você sabe. A única coisa que consegui, e esse é o quase que pode ser tudo, é ser um pouco mais atenta às minúsculas coisas da vida. Isso você me ensinou como ninguém. Bem, nem tão minúsculas assim. Afinal não é todo dia que se pode tropeçar com um Stradivarius numa estação de Metrô. E ainda mais ouvi-­lo? Dizem que há pouquíssimos no mundo. E são muito caros. Lembro daquela foto de Einstein tocando violino. Será que era um Stradivarius? Einstein, sempre ele. E quantos Paganinis ainda jovens você poderia encontrar pela frente neste mundão cheio de fronteiras, e de catracas de Metrô? Você, que nunca teve estudo nenhum, sempre se emocionava com um violino bem tocado. Queria que você estivesse aqui. O tempo parou. Tudo em volta ficou silencioso. Eu fiquei petrificada. Sei que você choraria. Eu não consigo mais, mas foi por pouco. Valeu a pena ter saído daí e ter penado estes anos todos em Washington D.C. Afinal, pra alguma coisa deve servir estar no centro do poder. Mesmo que seja limpando os banheiros. Você mesmo me disse: Se não pode ser o poder, pelo menos esteja no centro dele?. Segui seu sábio conselho à risca. E foi arriscado. Mas, mãe, nestas duas últimas semanas meu futuro se iluminou. Conheci a Biblioteca do Congresso. E por um lapso da sorte, consegui entrar sem pagar numa apresentação de música clássica. Foi fantástico. Havia um jovem se apresentando ao violino. Divino. Era como sinos angelicais. Joshua era o nome dele. Belo nome para um netinho, né? Mas, mãe, o que aconteceu é que meu presente de aniversário não poderia ser melhor. Não se preocupe. Eu que devo e vou presenteá-la. Mas hoje foi o meu dia. Estava um pouco atrasada. Às oito e meia deveria estar chegando no batente. Não deu. Atrasei-me um pouquinho, mas valeu a bronca. Pois não é que aquele anjo estava lá na estação. Sim, de boné, querendo disfarçar. Mas eu fui atraída por ele. Primeiro pela sua música. Depois pelo Stradivarius. Depois pelos seus olhos. Sim, mãe. Acho que seu netinho vai se chamar Joshua. Sim, mamãe, você vai ser vovó. Por favor, não chore!

 

 

 

 

 

.

Edson Cruz é escritor e editor do portal MUSA RARA (www.musarara.com.br). Graduado em Letras pela USP, publicou três livros de poesia, uma adaptação em prosa do clássico indianoMahâbhârata e um livro de depoimentos sobre o que seria a Poesia. Seu poemário mais recente, Ilhéu (Editora Patuá), foi semifinalista do Prêmio Portugal Telecom 2014. E-mail: sonartes@gmail.com




Comentários (1 comentário)

  1. Maria Lindgren, Ótimo texto. Linda surpresa o violinista do metrô de Washington.
    28 outubro, 2015 as 18:35

Comente o texto


*

Comente tambm via Facebook