Um breve momento


De repente, pensaram que todos os olhos do mundo se voltavam para duas pessoas, um casal de velhotes com seus achaques, seu passo descompassado, numa vida que se esvai a pouco e pouco. Nacionalidades diversas na Babel repetida de todos os dias.

A praça, no entanto, era bela. Todos os museus, fervor de usura,  aí guardavam suas memórias do que havia melhor do passado de um império antes glorioso. De um lado, o museu histórico, de outro, o  de artes plásticas e esculturas, mais um de não sei bem o que, mais outro, mais outro…

O casal apenas olhava. Conseguia se perder em seus pensamentos dolorosos, em meio à pujança da beleza de um outono apenas iniciado.

A praça, puro cuidado de mãos habilidosas e prefeitos se não honestos, pelo menos, atentos ao patrimônio da cidade. Capricho com a vegetação, não importa seu desejo natural de se expandir de qualquer jeito. Era mister conte-la. Antes que a natureza reclamasse seu viço espontâneo. Pequenos sinais de um tom destoante aqui e acolá, plantas secas muito poucas punham às claras o que queriam a todo custo esconder: o medo de decair, feuilles mortes como na canção francesa de muito tempo atrás, que eu não entendia bem por ser jovem demais, num tempo que aparentava passar lento, por ignorar o Tempo que não perdoa nem mesmo ao verde vivo da vegetação.

Ela pensava, segura no braço do companheiro: o sol e o céu perfeitos nos garantem; nada de mal nos vai acontecer. Ele sofria em silêncio. Tinha certeza de que a mesmice dentro em breve substituiria a excitação fugaz. Num cambalear inesperado, num minúsculo degrau não percebido, poderiam cair. Talvez não num país de velhos como aquele.

Olhou para ela com o resto da ternura esquecida no corpo cansado e, no exato instante de um flash fotográfico, escorregou e caiu. Para nunca mais levantar.

 

 

 

 

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Maria Lindgren é nascida em Niterói, mora no Rio. Formada em Letras pela UFF/RJ, só fez o mestrado em Educação quando trabalhava como coordenadora geral pedagógica do Estado do RJ na Sec. de Educação. Quase aposentada, em 2003, publicou seu primeiro livro de contos/crônicas, Uma rolha na Lágrima, ed.Mondrian;em 2008, 2º livro, Habitantes de mim, Ed. MEMVAVMEM. E-mail: m-lindgren@uol.com.br

 




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