Três livros de poesia


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A ESTRELA FRIA

José Almino

COMPANHIA DAS LETRAS

Edição, 2010

80 págs.

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Uma questão muito presente é o poeta escrever sobre o passado, sobretudo, sobre sua infância. A estrela fria de José Almino não foge a regra. O poema que empresta título ao livro relembra a infância do poeta. Pouco original comparar a infância com uma estrela morta: “De longe, / a infância queima: / ela é a luz de uma estrela fria.”. Por que será que os poetas acham necessário contar como foi sua infância ao leitor?

Almino parece blasfemar contra a infância. Ironizar o vício dos poetas em se reverem crianças, quando, em “Canção do exilado”, diz: “Se eu voltar a lamber as botas do passado, / se eu voltar a chorar a memória da memória: / que me seque a mão direita!”. “Não pedirei mais / perdão às virtudes do passado. / Repetirei, em desassombro / – se eu me lembrar de ti, Jerusalém -, / com os que diziam: / “Arrasai-a! / Arrasai-a até os alicerces!””. E continua em “Quatro retratos”: “III / Exangue, / la mémorie est saisie / no ritmo de um amor / a que a gente se apega, / no ritmo ou no amor / em que a gente se esfrega, / se entrega / e apaga: / limpa, limpa / limpa / a puta / desta nostalgia.”. Também em “A um passante”: “O destino esbouçou-se uma, duas, três vezes: desistiu. / O mundo mudou. / Os amigos morreram. / A infância, esqueceu.”. Mas não passa da aparência. O poeta ratifica sua infância em muitos dos outros poemas. A ponto da palavra “infância” (e similares) aparecer algumas vezes ao longo dos poemas. Em “The Waste Land”, título emprestado do famoso poema de T. S. Eliot, a expressão “infância esfacelada” abre e fecha o poema.

Há quem diga que as citações que aparecem em metade dos poemas do livro fortalecem a poética do autor: “Neste livro, as vozes de outros poetas e escritores, incorporadas à fala de José Almino, fundem-se aos seus versos, e as sínteses e sons dessas palavras colhidas em outras sensibilidades se articulam à linguagem do poeta pernambucano em ecos que reforçam e completam sua lírica.”. Penso o contrário. É mais um vício dos poetas. A outra metade do livro, os poemas onde não há citações, é a melhor.

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MELHORES POEMAS ARMANDO FREITAS FILHO

Seleção de Heloisa Buarque de Hollanda

GLOBAL

Edição 2010

190 págs.

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O educativo prefácio de Heloisa Buarque de Hollanda para o Melhores Poemas Armando Freitas Filho é meio que passional. Tomo de empréstimo um pouco da passionalidade da Heloisa, e, como ela, comento, aqui factualmente, os livros selecionados pela prefaciadora: em Palavra, o livro de estréia, a pergunta é: Para quais leitores o poeta fez os poemas desse livro? Armando Freitas Filho mostra um refinamento formal que o distancia do leitor. A “palavra” parece traí-lo.

Os livros seguintes, Dual e Marca Registrada, são eminentemente Concretos. Nada a dizer, ou tudo. Em, De corpo presente, livro de 1975, começa a experimentar. Vide poemas “Sensorial” e “Cidade Gráfica”. No livro seguinte, À mão livre (1979), desenvolve o poema psicológico.

Longa vida, de 1982, parece um poema único. Provavelmente o melhor de AFF. 3×4 (1985) ganhou o Jabuti, dialoga com Longa vida.

Busca uma proximidade do leitor em De cor (1988) e Cabeça de homem (1991).

Em Números Anônimos (1994) volta a dialogar com Longa vida e 3×4.

Se afasta do leitor novamente em Duplo cego, de 1997, em Fio terra, de 2000, livro preferido HBH, a selecionadora, em Numeral/Nominal, de 2003 e em Raro mar, de 2006, o livro mais recente. Desde então, há no livro uma seleção de inéditos, sua poesia obedece somente a um projeto indiscutivelmente pessoal, onde o poeta parece não abrir espaço para uma discussão generalizada do mundo.

Heloisa também fala da grande paixão que Armando nutre por Drummond, que Drummond é um poeta difícil, assim como Armando Freitas Filho. Concordo que Armando é realmente um poeta para poucos. Mas discordo que Drummond seja um poeta “encrencado” (palavra com a qual AFF, gosta de se definir). Drummond é mais popular do que Bandeira, sempre foi.

Armando abriu mão de tudo pelo metapoema. Sem dúvida é o grande mestre da metapoesia brasileira. Linguagem poética que, definitivamente, não cabe no novo século.

 

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MELHORES POEMAS ARNALDO ANTUNES

Seleção de Noemi Jaffe

GLOBAL

Edição 2010.

224 págs.

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O que tem de passional na apresentação de Heloisa Buarque de Hollanda para Melhores Poemas Armando Freitas Filho, tem de poético na apresentação de Noemi Jaffe neste Melhores Poemas Arnaldo Antunes. A apresentação é quase que meramente poética. Dispensável até.

Arnaldo Antunes busca atualizar, sem muito sucesso, a poesia Concreta dos irmãos Campos, sua influência maior. Demarcada influência também de Décio Pignatari e Cassiano Ricardo.

A poesia de AA é a antítese da poesia de Armando Freitas Filho. O que Armando tem de “encrenca” (palavra usada pelo próprio AFF para definir sua poética) a de Arnaldo tem de “ordeira”.

Os melhores poemas do livro são os que brincam com as palavras despertando os fonemas sintáticos.

Mas, quando o assunto é poesia visual, o poeta deixa a desejar. Notar também que sua poesia tem diálogo incessante com a letra de música.

O poema “agouro”, de 2 ou + corpos no mesmo espaço, é muito bom. O poema vai desaparecendo na página. Senti falta, porém, de uma última página onde o poema desaparece por inteiro.

Por sua vez, Arnaldo Antunes é o mestre da semiótica na poesia brasileira.

 

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A DÁDIVA DO CORVO

Jon Turk

BERTRAND BRASIL

Edição 2012

434 págs.

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Jon Turk é um cientista que ganha a vida escrevendo livros didáticos de geologia, meio ambiente, química, física e astronomia. Há mais de quarenta anos que seu ambiente de trabalho não é mais os laboratórios precisamente climatizados. Percebeu que precisava ver como a natureza funcionava in loco e passou a remar de caiaque em oceanos, escalar montanhas e atravessar desertos de bicicleta. “A dádiva do corvo” é um relato de viagem. Não somente uma viagem a montanhosa Sibéria em busca de um contato visceral com a natureza, vai também à busca de sua natureza espiritual. Lá conhece uma centenária xamã de uma aldeia indígena e fica mais intricado ainda quando a velha senhora, invocando um corvo, cura sua pélvis fraturada em um acidente de esqui e que nunca sarara por completo. O livro é um atestado de que a ciência e os homens, não dependem apenas de si mesmos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Cláudio Portella (Fortaleza, 1972) é escritor, poeta, crítico literário e jornalista cultural. Autor dos livros Bingo! (2003), Melhores Poemas Patativa do Assaré (2006; 1º Reimpressão, 2011), Crack (2009), fodaleza.com (2009), As Vísceras (2010), Cego Aderaldo (2010), o livro dos epigramas & outros poemas (2011) e Net (2011). Colabora em importantes jornais, revistas e sites do Brasil e do exterior. E-mail: clautella@ig.com.br




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