Toda la verdad… não será contada


Entre os autores que ganharam nome neste começo de século, Juan José Becerra é um dos mais interessantes. Publicou seu primeiro livro em 94 e, apesar de se dedicar a muitas atividades ao mesmo tempo (ficção, ensaios, jornalismo, crítica de cinema e até a organização de um cineclube), Becerra foi construindo um corpo literário marcado pela inventividade e com a mistura de estilos e gêneros.

Em seu último romance, “Toda la verdad”, ele trabalha com uma forte crítica ao mercado editorial com suas construções de celebridades e de novas necessidades. Durante algum tempo, muita gente pensou que a literatura poderia estar separada do mundo basicamente televisivo do que se chama aqui na Argentina de “farándula”, formada por personagens construídos pela mídia, muitas vezes sem talento e uma grande vontade de aparecer. Mas aí surgiram os livros de autoajuda e tudo mudou. Os paparazzis também começaram a procurá-los, começou o interesse sobre com quem estavam saindo, com quem estavam traindo e aí foi o fim. Não, não vamos discutir aqui se isso é literatura, todos já sabemos a resposta.

E o romance de Becerra faz uma caricatura sobre este universo de “criação de celebridades”. Instantâneas, sempre. Artificiais em todos os sentidos.

Tudo começa quando o engenheiro Antonio Miranda, por algum motivo não especificado, desiste de tudo e sai caminhando pela cidade de Buenos Aires, até alcançar a pampa e aí ficar vivendo algum tempo, longe de tudo, longe de seus luxos e sua amante.

Nesse lugar perdido, ele encontra um rancho abandonado e começa a desenvolver uma vida baseada na relação direta com a natureza (descobrindo talentos que não sabia que existiam – talvez frutos das milhares de horas de TV assistindo a programas sobre o campo).

Até que é tomado por uma saudade da sua vida anterior e, do mesmo modo que chegou, vai embora. Mas não era o mesmo homem. Era mais sábio, mais profundo. Ele sabia o que era a verdade e como ela influenciava sua vida. Reencontra sua amante, Margarita, uma mulher casada e apaixonada pela traição.

Um dia, Antonio diz que precisa contar sua vida no campo e que ela precisa se preparar para escutar coisas nunca vistas ou ouvidas. Estranhamente, ele só aceitar contar pelo telefone, nunca quando estão juntos. O relato dura cinco minutos, mas Margarita fica tão impressionada que começa a espalhar a experiência de vida de Miranda entre seus amigos, até que chegaa aos ouvidos de um editor e começa a saga que levará Miranda e seu livro (escrito por um ghost-writer) La Verdad de Tu Vida, a ser o maior best-seller da história do mercado editorial argentino.

Miranda dá conferências e distribui sua filosofia de vida baseada na verdade por todos os cantos do mundo. Até que aos poucos meses, ele já começa a ser passado. Vende menos, e acaba substituído por algum outro guru de plantão.

Com uma mudança na história que cria uma forte sensação de desassossego, Miranda e Margarita, junto com outros dois amantes da mulher, decidem abandonar novamente Buenos Aires e voltar ao rancho da “verdade” de Miranda. Com uma narrativa que rememora muitos relatos da decadência do “sonho sessentista”, há cenas de gang bang, delírios sexuais, crimes, ciúmes e morte. A verdade de Miranda vai se modificando e para ele só resta ser um espectador, deixando o protagonismo a outros.

O livro de Becerra ganha com uma prosa ágil e rápida, sem o olhar lento sobre os detalhes da história, uma técnica bastante utilizada em seus romances anteriores e que é bastante comum entre os seguidores da literatura de Saer. Em entrevistas, Becerra citou a influência dos livros de César Aira como um dos elementos que levaram à escrita de Toda la Verdad. Esta mudança resultou num excelente livro que abre uma série de novas possibilidades para este escritor.

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Marcelo Barbão é escritor, tradutor, editor e jornalista. Publicou “Acaricia Meu Sonho” (Amauta – 2007) e “A Mulher Sem Palavras” (Vieira & Lent – 2010). Cofundador da Amauta Editorial (2004 – 2008). Desde 2008 vive em Buenos Aires e mantém os blogs Caderno de Escritura e Direto de Buenos Aires. Também é editor da revista virtual de contos Outros Ares.  E-mail: barbao@gmail.com




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