Sangue Novo


Tanto sangue derramado: eu acho que nasceu um poeta

 

.

Não há dúvida que a poesia é o gênero literário de maior complexidade. Justamente por ser o mais popular. Não seria exagero dizer que todos nós já acometemos ao menos um poema na vida. Mayrant Gallo na apresentação da antologia, quando fala de prosa e poesia, diz: “a poesia é, por sua vez, mesmo em suas ramificações mais protocolares, a expressão mais genuína e primitiva dos sentimentos e das emoções: ao transformar em linguagem (experimento verbal) o que sente ou o que vive, o sujeito satisfaz seus desejos ou, pelo menos, compensa as suas frustrações”.

A Internet está abarrotada de poesia. Venho dizendo isso há algum tempo e torno a repetir: há mais poesia na rede do que sexo. Todo mundo acha que fazer poesia é fácil. E é aqui que entra a dificuldade do gênero: se a poesia é quase uma aptidão inata do Homem, como dizer quem faz ou não faz boa poesia?

Polêmica e teoria literária a partes, fato é que mais uma antologia de poesia está no mercado. E essa, em especial, muito me agradou. Me agradou por ser despretensiosa. José Inácio Vieira de Melo parece saber bem o quanto é difícil e perigoso intitular seus selecionados como os melhores. Ele simplesmente cumpre à risca o papel que as antologias exercem: mostrar. São 21 poetas baianos do século XXI. Ponto. O resto é com os leitores e a crítica.

São 13 poetas homens e 8 mulheres, todos muito jovens. O poeta mais velho é uma mulher, nascida em 1980. Muitos passaram pelo curso de Letras da UFBA. A maioria tem blog (apesar de parecer que o blog está em declínio) onde publicam seus poemas e apenas um ou outro tem livro publicado. Mas não é só isso que os unem. A semelhança maior, e importante, é a proximidade das linguagens poéticas. A grande maioria apresenta seus poemas pequenos (talvez um reflexo da literatura instantânea da Internet), suas capsulas de vida bem ou mal digeridas. E, – com exceção de um poeta com influência marcadamente concreta/visual -, todos os demais, alguns com mais propriedades, exercem uma poesia extremamente prosaica.

Na apresentação, Mayrant Gallo, alega que o Concretismo e seus posteriores desdobramentos nunca tiveram muitos adeptos entre os poetas baianos. Vale arriscar que isso se deva à forte influência romântica do poeta Castro Alves. E, como sabemos, o romantismo poético tem características de prosa.

O ponto alto do livro é a apresentação (“A eternidade relativa das palavras”) de Mayrant Gallo. Seu texto é equilibrado e pontual, não devaneia, diz o que precisa dizer e ponto. Ponto, mas generosamente, vai além, num tópico fala sobre a poética de cada um dos poetas selecionados. É tão generoso que até peca em explicar muito. A poesia não carece de muita explicação.

Noto um retorno ao papel, ao livro. Não satisfaz simplesmente publicar na Internet. O crescimento da classe média, o surgimento de novos ricos, a melhoria tecnológica das gráficas, as grandes redes de livrarias abrindo lojas em muitas das capitais brasileiras, tudo conspira para que se publiquem mais livros no país. Nunca se publicou tanto como agora. Mas a profissão de escritor continua maldita. O escritor Marcelo Mirisola deu a seguinte resposta quando perguntado o que faria se um filho seu quisesse ser escritor: “Daria uns socos nele e depois, se ele insistisse com essa asneira, o expulsaria de casa.”. Claro que ele se referia à questão de mercado de trabalho. O mercado para o poeta ainda é mais complicado.

Grupos de poesia, coletivos etc, já não funcionam tão bem. A melhor solução para mostrar o potencial de uma nova geração de poetas ainda é o livro impresso. José Inácio Vieira de Melo e Mayrant Gallo fizeram muito bem a parte deles. Cabe agora a cada poeta selecionado, cortado o cordão umbilical, abrir o berreiro.

 

 

 

 

Sangue Novo: 21 poetas baianos do século XXI | Seleção de José Inácio Vieira de Melo | Escrituras Editora | 248 páginas |

Poetas: Alexandre Coutinho / André Guerra / Bernardo Almeida / Caio Rudá de Oliveira / Clarissa Macedo / Daniel Farias / Edson Oliveira / Érica Azevedo / Fabrício de Queiroz Venâncio / Gabriela Lopes / Georgio Rios / Gibran Sousa / Gildeone dos Santos Oliveira / Janara Soraes / Lidiane Nunes / Priscila Fernandes / Ricardo Thadeu / Saulo Moreira / Vânia Melo / Vanny Araújo / Vitor Nascimento Sá

 

 

 

 

 

 

 

.

Cláudio Portella (Fortaleza, 1972) é escritor, poeta, crítico literário e jornalista cultural. Autor dos livros Bingo! (2003), Melhores Poemas Patativa do Assaré (2006; 1º Reimpressão, 2011), Crack (2009), fodaleza.com (2009), As Vísceras (2010), Cego Aderaldo (2010), o livro dos epigramas & outros poemas (2011) e Net (2011). Colabora em importantes jornais, revistas e sites do Brasil e do exterior. E-mail: clautella@ig.com.br




Comente o texto


*

Comente tambm via Facebook