Raduan Nassar & Camões & Rimbaud


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Crítico requintado, Claudio Willer anotou muito recentemente nas redes sociais que Raduan Nassar se abstinha de opiniões políticas nos anos duros (sem cobrá-lo minimamente por isso) e que não deixa de ser bizarro que lá estivessem, no Camões, o absenteísta Raduan a bradar opiniões políticas como jamais o fez no passado, e o comunista velho de guerra Roberto Freire, a ser vaiado pelos socialistas defensores de um Raduan tornado subitamente animal político literal. Willer diz-se “sem paciência” para a troca de sinais assim celebrada no Lasar Segall. Ele fala da posição de quem foi um tremendo produtor cultural (silenciando modestamente sobre o seu portfólio de literato dono de repertório e civilizadíssimo).

Minha falta de paciência com o Camões & Raduan vai por outra direção. Quando eu dirigia projetos de literatura no Centro Cultural São Paulo, na gestão Erundina & Chauí (o PT que não delinquia!), tentei trazer o Raduan. Ele nunca aceitou. Todo o seu charme estava então em ser absolutamente esquivo, em detestar a detestável mistura da animação cultural com a boa literatura, a festa na floresta em Parati.  Havia nessa recusa uma clara afirmação da literatura como atividade grave e dramática (Barthes: o grau zero da escrita) que não podia vir desaguar, assim, de repente, na arena do grande público e dos leitores médios. De resto, a sua subsequente deserção da literatura, à la Rimbaud, punha essa gravidade lá em cima, aumentava ainda mais a nota dissonante que ele era. E tudo isso batia com a violência das palavras em Um copo de cólera. Eu cheguei a escrever sobre isso na Folha de São Paulo, nos anos 1980.

Então, em suma, e concordando demais aqui com o Willer, a minha impaciência é outra. Pergunto: 1) como foi que aquele maravilhoso sujeito esquivo foi entrar assim na pele do ideólogo rumoroso? 2) por mais que Lavoura Arcaica e Um copo de cólera sejam literatura, que diferença entre o grande escritor que morre lutando com as palavras (Proust, o Haroldo de Campos que faleceu traduzindo Homero) e aquele que volta do sítio de galinhas para lutar por ideias as mais temporais!

Termino com Rimbaud, que o Willer conhece como ninguém neste país, sendo o especialista que é em literaturas da revolta. Depois de abandonar as belas letras, mostrando assim quanto levava as palavras a sério, Rimbaud só voltou do seu exílio africano para morrer. São de doer as suas cartas do período. O poeta estava pensando nos passos de sua irmã por sobre a terra de sua tediosa cidade natal, Charleville, enquanto ele mesmo estava indo para debaixo da terra. De um poeta se espera que fale da vida e da morte.

“Engoli uma tremenda dose de veneno”, escrevera, bem antes, em Une saison en enfer. Bom… acho que o Raduan recuperou-lhe as palavras, em seu título mais sonoro, mas não terminou à altura!

 

 

 

 

 

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Leda Tenório da Motta estudou com Roland Barthes, Gérard Genette e Julia Kristeva.  É Professora no Programa de Comunicação e Semiótica da PUC/SP, pesquisadora do CNPq nível 1, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, tradutora e crítica literária, com passagem pelos mais importantes cadernos de cultura brasileiros. Traduziu, entre outros, O Spleen de Paris de Baudelaire e Métodos de Francis Ponge, o primeiro livro deste poeta a  sair no Brasil. Publicou, entre outros, Proust – A violência sutil do riso, que recebeu o Prêmio Jabuti, e Roland Barthes- Uma biografia intelectual (Iluminuras), finalista do Prêmio Jabuti.  Lança em 2015, pela Iluminuras, Barthes em Godard- Críticas suntuosas e imagens que machucam. E-mail: ltmotta@pucsp.br




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