Por uma linguagem algorítmica


O TEMPO NAS OBRAS DE ANDREI THOMAZ:  POR UMA LINGUAGEM ALGORÍTMICA

[Versão do trabalho de 2006 criada para a fachada de LEDs do prédio da Fiesp, em São Paulo, dentro da mostra PLAY!]

 

O artista multimídia Andrei Thomaz tem criado obras digitais que evidenciam uma linguagem algorítmica, envolvendo a noção de programa na experiência em cada trabalho. Neste texto são apresentadas produções do artista que explicitam dinâmicas temporais a partir da ação dos algoritmos criados.

 

.

1. Tempo

Começamos pensando em: Quantas linhas são necessárias para apagar um retângulo preto? Pois bem, a pergunta é também título de um trabalho produzido para a rede Internet – um trabalho de web arte, especificamente – do artista multimídia Andrei Thomaz. Nesta obra o visitante acompanhará o preenchimento gradual de um retângulo preto, neste caso, a própria tela do programa navegador (browser), que seguirá sendo estilhaçada por linhas brancas enumeradas uma a uma em um contador na base da tela. Não há qualquer interação. Há dois elementos que se sobressaem nesta experiência: o programa que determina o motivo a contemplarmos e o tempo de contemplação.

No domínio do digital o tempo é um valor importante a se considerar: se as tecnologias mais recentes emergem pela produtividade que proporcionam, visto que permitiriam que mais tarefas fossem realizadas em menor tempo, ou que o tempo de deslocamento para um encontro seja abreviado pelo contato virtual, simultaneamente, a experiência (e a manipulação) de tempo nos novos meios sempre foi um campo fértil para experimentações. Conforme Peter Pelbart:

Tudo aqui se inverte: se a técnica faz do tempo uma variável independente ela pode, a partir dessa autonomização, produzir novos tempos. É, aliás, o que o cinema enquanto técnica realizou incansavelmente. (PELBART apud JESUS, 2008, p.62)

 

Figura 1. Andrei Thomaz (2004), Quantas linhas são necessárias para apagar um retângulo preto?. Fonte: http://andreithomaz.com.

 

Neste sentido, pensando na arte eletrônica, há um universo de criações que explicita a condução e a manipulação do tempo nos meios tecnológicos. Podemos citar a conhecida instalação do artista escocês Douglas Gordon, 24 Hour Psycho (1993), que estende o filme Psicose de Alfred Hitchcock dos seus originais 109 minutos para a duração de 24 horas, em uma lenta velocidade de aproximadamente dois quadros por segundo. E alguns anos mais tarde, sua desconstrução em 24 Second Psycho (2005) do norte-americano Chris Bors, que parte da obra de Gordon para acelerá-la em 24 segundos, como reflexo de uma sociedade que nos induz a um espaço de “atenção cada vez mais curto”. O grupo brasileiro SCIArts, por sua vez, em Entremeios (1997), exibido em um espaço cultural em São Paulo, somava imagens gravadas a imagens em tempo real, gerando um tempo intrincado entre a realidade e a ficção das câmeras de vigilância – na qual o público poderia tentar inutilmente se enquadrar em imagens pré-gravadas. O artista alemão Holger Friese ganha visibilidade no universo da web arte com o irônico Antworden (1997), site que tal como conhecidos painéis eletrônicos de bancos e repartições públicas nos oferecia um número a esperar por nossa vez a usufruir do trabalho. É evidente que estes artistas proporcionam através dos meios tecnológicos, diferentes percepções de temporalidades, tal como Thomaz em Quantas linhas… e em alguns trabalhos seguintes.

 

2. Artista

Andrei Thomaz já foi contemplado em diferentes editais de cultura e prêmios brasileiros como Bolsa Funarte de Estímulo à Produção em Artes Visuais 2014, Edital de Estímulo à Produção Audiovisual do Espaço do Conhecimento UFMG 2012, Prêmio de Ocupação dos Espaços da Funarte 2010 (junto com Daniel Escobar e Marina Camargo) e Prêmio FIAT Mostra Brasil, 2006, para citar alguns. Entre os artistas brasileiros que fazem uso de meios digitais – a rede Internet em especial – para a criação de seus trabalhos, Thomaz representa um dos mais ativos criadores de sua geração – geração esta de criadores que toma contato com o universo digital a partir dos anos 1990, implicando em sua produção a incipiência da rede Internet e sua avassaladora expansão posterior. Ao contrário dos artistas já atuantes que migram para as redes digitais, após vivenciar outras linguagens, estes criadores – em regra, hoje entre trinta e quarenta anos de idade – são os primeiros a tomarem o ciberespaço como parte de um letramento de sua expressão como artista, uma condição que viria a ser recorrente em gerações seguintes. São os primeiros nativos digitais na arte eletrônica.

Desde jovem, Thomaz adquire conhecimentos em programação computacional voltada para a web, o que permite que crie experimentos artísticos que explorem características mais intrínsecas ao meio digital, sendo que esta vivência pontuará parte significativa de suas produções. Voltando-se para o trabalho que comentamos no início, Quantas linhas…, percebe-se também que o algoritmo – termo empregado para definir uma sequência de instruções computacionais – é quem conduz as ações; ao visitante cabe contemplar enquanto o programa vai aleatoriamente cortando a tela (e desta forma, um preenchimento nunca será igual a outro). Cabe observar que em um meio interativo por excelência junto a seus usuários, o artista opta pela contemplação. Uma aproximação da experiência deste trabalho estará presente em Sorting Algoritms (Windows Color Dialog) (2012), onde o artista apresenta os mais conhecidos algoritmos de ordenação aplicados às cores do diálogo de seleção do sistema operacional Microsoft Windows. A cada nova visualização do trabalho, as cores são apresentadas desordenadas e o algoritmo escolhido – o visitante pode escolher a qual acompanhar – buscará ordenar a palheta conforme os valores de cada tom, concluindo sua tarefa após algumas centenas de movimentos. Como em um placar de jogo eletrônico – a apropriação da linguagem dos games será bastante recorrente em muitas outras obras do artista – os movimentos são contabilizados.

 

3. Programa

Em Somewhere in Time (2008-2011), Thomaz insere explicitamente as questões do tempo em seu percurso. Além de sua versão como web arte originalmente de 2008, o trabalho também foi apresentado como instalação artística no Festival Internacional de Arte Contemporânea SESC Videobrasil, em São Paulo, em 2011. Na web, este trabalho parte de oito legendas de filmes, sorteadas a cada visualização, dentro de um conjunto de 25 filmes. Ao clicar em uma das marcações temporais (o momento no tempo em que aquela legenda seria exibida no filme), as legendas são exibidas em um fundo negro, longe das imagens ou do filme a que se referem. Agora autônomos de seus referencias originais, os diálogos passam a ganhar nova dimensão.
.

Figura 2. Andrei Thomaz, vista da instalação Somewhere in time no Festival Internacional de Arte Contemporânea SESC Videobrasil, em São Paulo, em 2011. Fonte: http://andreithomaz.com.

 

Figura 3. Andrei Thomaz, uma das legendas de Somewhere in time. Fonte: http://andreithomaz.com.

 

A aproximação à linguagem do cinema é emblemática, como já dito, da busca desta linguagem em alcançar “novos tempos” pelo aperfeiçoamento da linguagem audiovisual, mas, as legendas em si – enquanto elementos desprendidos das narrativas das imagens, como marcações de tempo em formato texto – permitem um olhar interno, a alcançar a programabilidade destas faturas.

Mas, será em Máquinas do Tempo (2014-2015), que o artista aprofundará a experiência de um tempo pontuado pela programação, criando abstrações algoritmicas. Thomaz apresenta uma série de softwares – que podem ser baixados através do site http://www.maquinasdotempo.art.br – capazes de agir sobre imagens capturadas. Sobre esta série de trabalhos, as considerações de Menotti (2015):

Cada um dos algoritmos desenvolvidos pelo artista interfere de uma certa maneira na convenção intrínseca a esse processo, segundo a qual o campo visual deve ser capturado por inteiro, tão simultaneamente quanto possível, de modo a produzir uma totalidade formal que corresponda à continuidade do instante. Nas regras estabelecidas por Thomaz, a imagem vai sendo criada aos poucos, com os pixels aparecendo em posições arbitrárias, de acordo com varreduras que pretendem imitar o movimento de cada um dos diversos mecanismos cronológicos que servem de modelo ao projeto.

Desta maneira, cada um dos softwares age de maneira diferente sobre imagens definidas ou capturadas por seus usuários, em seus próprios computadores. O primeiro dos softwares, Ampulheta, retira pixels do vídeo capturado por uma webcam e os redesenha na tela, de modo a compor uma imagem formada por pixels extraídos em momentos distintos. No software Metrônomo, são criadas animações do tipo timelapse – técnica que reúne fotografias capturadas em intervalos fixos e que quando reunidas, criam a sensação de aceleração no tempo. Após a exibição do timelapse, a tela é dividida, e cada metade exibe novamente o timelapse, mas com velocidades aleatórias. O processo continua até um limite definido pelo usuário, de modo que as diferenças de velocidade somam-se, e criam imagens onde cada quadrado refere-se a um momento diferente. Relógio de Pêndulo, por sua vez, desenha linhas com os pixels extraídos dos vídeos de uma webcam, reproduzindo o movimento pendular, começando pelo centro, indo até uma das extremidades, depois alcançando a outra extremidade, e, depois, retornando ao centro. E ainda, Relógio de Vela apropria-se do movimento de uma vela que encolhe, desenhando linhas horizontais, de cima para baixo, ao longo do tempo, de modo que uma linha contenha pixels anteriores aos da linha abaixo.

 

Figura 4. Andrei Thomaz (2014-2015), imagem gerada pelo software Relógio de Vela da série de programas Máquinas do tempo. Fonte: http://www.maquinasdotempo.art.br .

Figura 5. Andrei Thomaz (2014-2015), imagem gerada pelo software Ampulheta da série de programas Máquinas do tempo. Fonte: http://www.maquinasdotempo.art.br .

 

A experiência do tempo trazida nas obras de Andrei Thomaz dá corpo a uma linguagem algorítmica, na qual a noção de programa é tanto evidenciada quanto as preocupações sobre a imagem, sobre a composição ou outras instâncias passíveis de serem lidas frente a um experimento artístico.  Em Quantas linhas são necessárias para apagar um retângulo preto? temos a expectativa do visitante na contemplação de seu tempo real, convertido no número de linhas que preenchem a tela gradualmente. O interator se depara com a condução do tempo real pelo programa. Já em Somewhere in time, temos o tempo ficcional, reprogramado pelos algoritmos do artista. Por fim, no caso de Máquinas do Tempo, ao permitir que qualquer indivíduo baixe os softwares e a partir destes, crie imagens sob a tutela dos algoritmos criados, há um reposicionamento da figura do artista; aquele que cria os instrumentos que antecedem às imagens. Nestes trabalhos, vemos o perfil de um artista-programador emergir como uma condição a ser considerada em sua plenitude.

 

 

.

Referências

 

BORS, Chris. 24 Second Psycho. Vídeo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=c5NDdr7NJaw>. 2005. Acesso em 10 de novembro de 2015.

FRIESE, Holger. Personal web site  Disponível em: < http://www.fuenfnullzwei.de/>. Acesso em 10 de novembro de 2015.

JESUS, Eduardo de. Timespaces: espaço e tempo na artemídia. Tese (Doutorado em Artes). Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008.

MENOTTI, Gabriel. Os tempos da máquina. Texto. Disponível em: <http://www.maquinasdotempo.art.br/textos/tempos_da_maquina_gabriel_menotti.pdf>. 2015. Acesso em 10 de novembro de 2015.

SCIArts. SCIArts Equipe Interdisciplinar. Texto. Disponível em: <http://sciarts.org.br/sciarts/entremeios/>. Acesso em 10 de novembro de 2015.

THOMAZ, Andrei. Quantas linhas são necessárias para apagar um retângulo preto? Web Site. Disponível em: < http://andreithomaz.com/arte/howmanylines/ >. Acesso em 10 de novembro de 2015.

THOMAZ, Andrei. Somewhere in time. Web Site. Disponível em: <http://www.andreithomaz.com/arte/somewhere/>. 2004. Acesso em 10 de novembro de 2015.

THOMAZ, Andrei.  Sorting Algoritms (Windows Color Dialog) [Consult. 2015-11-10]. Web Site. 2012. Disponível em: < http://www.andreithomaz.com/arte/sorting/>. Acesso em 10 de novembro de 2015.

THOMAZ, Andrei. Máquinas do tempo. Web Site. Disponível em: <http://www.maquinasdotempo.art.br/>. Acesso em 10 de novembro de 2015.

 

 

 

 

 

 

 

.

Fabio FON (Fábio Oliveira Nunes): É artista multimídia, atuando entre outras áreas, nos estudos de hipermídia, web arte, arte mídia e poéticas da visualidade. É autor dos livros “CTRL+ART+DEL: Distúrbios em Arte e Tecnologia”, publicado pela Editora Perspectiva em 2010, e “Mentira de artista: arte (e tecnologia) que nos engana para repensarmos o mundo”, premiado no Programa de Ação Cultural de São Paulo em 2016. É mestre em multimeios no Instituto de Artes da UNICAMP, doutor em artes na Escola de Comunicações e Artes da USP e pós-doutor em artes no Instituto de Artes da UNESP. Site pessoal: www.fabiofon.com

 

 




Comente o texto


*

Comente tambm via Facebook