Política literária


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Um post muito divertido no blog “O palco e o mundo” de Pádua Fernandes (http://bit.ly/VwsGlj), intitulado “Não é literatura”, questionou de maneira bem-humorada e mordaz muitas práticas habituais do meio literário, explicando aos desavisados, com sarcasmo e comiseração, que nada daquilo é literatura.

Excertos: “Discutir quem ficou de fora da foto de lançamento de revista literária não é literatura. A lista de mais vendidos não é um gênero literário. Reclamar de não inclusão em antologia, quando até o primeiro cachorro que passou na rua o foi, não é literatura. Perguntar se a poeta é bonita não é literatura; decidir que ela não o é porque não iria para a cama com você, muito menos. Confundir crítica a seu livro com ataque a sua pessoa não o torna escritor. O livro já não o tornava.”

E assim por diante. O que Pádua Fernandes está alfinetando, coberto da razão, são os maus hábitos da política literária em nosso meio (isso vale para qualquer cidade brasileira, pelo menos para as que eu conheço). Comparada a outras atividades profissionais, a literatura é um projeto de suicídio a longo prazo e de baixo orçamento. O fato de circular pouco dinheiro no mundo da prosa e da poesia não impede seus praticantes de darem mais chiliques do que prima-dona de ópera ou de serem mais mafiosos do que traficantes de metanfetamina. A moeda corrente no mundo literário não é o dinheiro, é a vaidade, e para satisfazê-la há coleguinhas que não recuam diante de nenhuma armação, nenhum conchavo, nenhuma maledicência, nenhuma intimidação.

São minoria, felizmente; a maioria dos escritores que conheço, se tem algum defeito, é o de não entenderem muito bem como funciona o mundo da política, e digo política no sentido mais amplo de “luta pelo poder”. Se o sujeito não sabe fazer política literária, o melhor destino que pode ter é o de Kafka, que morreu anônimo e só depois dele morto sua obra virou best-seller – porque apareceram pessoas (Max Brod primeiro, outros depois) que se dispunham a fazer política literária em favor da obra dele. Essa política envolve contatos, convivência, troca de idéias, divulgação, envolvimento com causas coletivas, quando é o caso.

Quanto mais o escritor atua, mais chances tem de que seu nome se torne conhecido, e, por tabela, sua obra seja lida. A literatura mesmo só entra em cena no momento em que a obra é lida. Quando a literatura é boa, as pessoas que gostam de literatura trabalham até pela obra de alguém com quem não simpatizam. Corolário: se alguém simpatizar comigo mas não gostar dos meus livros, favor tratar-me bem e ignorar os livros. E vice-versa. O escritor não é a obra.

 

 

 

 

 

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Braulio Tavares é escritor e compositor. Estudou cinema na Escola Superior de Cinema da Universidade Católica de Minas Gerais, é Pesquisador de literatura fantástica, compilou a primeira bibliografia do gênero na literatura brasileira, o Fantastic, Fantasy and Science Fiction Literature Catalog (Fundação Biblioteca Nacional, Rio, 1992). Publicou A máquina voadora, em 1994 e A espinha dorsal da memória, em 1996, entre outros. Escreve artigos diários no Jornal da Paraíba:http://jornaldaparaiba.globo.com/ Blog: http://mundofantasmo.blogspot.com/ E-mail:btavares13@terra.com.br




Comentários (3 comentários)

  1. Carlos Trigueiro, Perfeito, Bráulio, não mudaria nem mesmo uma vírgula. Abraço, CTrigueiro
    25 março, 2013 as 11:18
  2. Chico Lopes, Você foi preciso, mas até ameno. A coisa é bem mais peçonhenta. Política literária é um terror, rouba-nos tempo precioso que poderia ser dedicado ao aprimoramento da obra na tarefa de “fazer amigos e influenciar pessoas”, como diria o velho Dale Carnegie.Ser uma figurinha “pop”, querida, chamada a dar opiniões sobre as coisas mais diversas (se bobear, até a bunda da mais nova estrela axé) ocupa o tempo de muita gente que quer fazer da literatura algo tão popular e gostável quanto um programa “sofisticadinho” de tevê. O personalismo, causador de picuinhas, invejas e maledicências sem fim, e a vaidade de pavões impenitentes, sempre deram o tom, mas ultimamente, com mídia pra todo lado e internet ainda por cima, ficaram. A obra fica lá por trás, muito por trás, quase invisível, dos refletores. E ela é tudo que importa. Por isso Borges, referindo-se a Emily Dickinson, disse que “uma vida literária não é necessariamente uma vida de livros publicados”. Pobres dos recatados, discretos e apenas criadores de bons livros, hoje em dia…Ninguém vai lê-los. Postumamente, como você escreveu, talvez. A aposta de quem escreve com seriedade é uma só: a criação de algo que valha a pena pra si, pra sua integridade. Pros outros, pros críticos e pros festivos, e também pra tal incerta e aleatória posteridade, o melhor mesmo é dar uma enorme e solene banana.
    2 julho, 2013 as 12:24
  3. Chico Lopes, …pra corrigir, com mídia e internet ainda por cima, ficaram ainda piores. Perdão leitores.
    2 julho, 2013 as 12:26

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