Poesia da imaginação


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Ademir Assunção é poeta de mão cheia. Não brinca com a palavra: toma-a em sua totalidade: som, imagem e ideia. Não é a troco de nada que abocanhou  o Jabuti de poesia no ano passado com “A voz do ventríloquo”, sobre o qual  falaremos aqui outro dia.

Com o infantojuvenil “O caio e o cuio” (Sabará-MG: Ed. Aaatchim!) ele estimula na criança o que ela mais preza: a vontade, o desejo, a necessidade de imaginar. Neste livro, belamente ilustrado por Sebastião Nuvens, a poesia não se desgruda da narrativa, e o encanto se processa desde a primeira página.

“Quando cai a noite” é todo o texto da primeira página. O que acontece? O que acontecerá? Eis a grande sacada do poeta: ele dá tempo para o leitor se perguntar. Para o leitor supor várias hipóteses. Para o leitor se colocar como coautor do livro.

Eis uma das qualidades desta história: ela desacelera o tempo e estimula o leitor a pensar a sonhar. Não é esta uma das magias de toda narrativa desde os primórdios históricos? Walter Benjamin já nos alertara para a importância histórica de se narrar oralmente. Tanto para o indivíduo como para a coletividade.

Embora tenhamos, no caso, um livro impresso, seu processo de composição, mais  sua linguagem, levam-nos a saborear cada página como um passo que vai se completar. Tal como uma narrativa oral, que segue o ritmo de seu narrador.  Que emociona o ouvinte ao sentir o narrador emocionado.

Ademir Assunção consegue esta proeza com o texto impresso: ele o especializa de tal forma que, somado às ilustrações, cada página é um pulsar da respiração que se contém – ou de distende – dependendo do que narra.

A forma deste livro resgata, na medida do possível, a cadência da fala. Isto confere uma abertura de entonações que só a fala é capaz de produzir. O que nos remete, repito, às rememorações dos contadores orais de histórias.

Um pouco do sabor da prosa se mescla na poesia de cuio e caio. Há uma força de algo intuitivo, de algo não dito, de algo suspeitado que age forte no compasso das imagens que se sucedem num diálogo franco e sutil com a ilustração.

O leitor quer mais. Vira a página com pena de ter terminado a leitura de uma. Com dó de chegar ao fim. O narrador soube cativar seu ouvinte. Ou: o poeta  soube seduzir seu leitor.

O livro é curto.  A história é “word in progress”, mas sentimos vontade de parar o tempo para desfrutarmos com mais calma e profundamente de seu deleite.

Quem é cuio? Quem é caio? Por que a noite e o dia se esbarram e se confrontam com eles? Por que cuio come a luz do dia? Por que quando caio surge ele traz consigo o alvoroço? É hora do almoço? É hora do pé ou do pescoço?

A poesia de “O caio e o cuio” seduz pela surpresa, pela novidade, pelo desvio que promove em nossa imaginação viciada na mesmice do dia e noite. Um belo livro. Belo todo.

 

 

 

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[Publicado pelo jornal  CONTRAPONTO, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 25.04.2014, p. 7.]

 

 

 

 

 

 

 

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Amador Ribeiro Neto nasceu em Caconde (SP), em 1953. Autor de uma dissertação e uma tese de doutorado sobre a criação lítero-musical de Caetano Veloso, recebendo os títulos de mestre em Teoria Literária pela USP e doutor em Semiótica pela PUC/SP. É autor de “Barrocidade” (Landy Editora, 2003). Integra as antologias Na Virada do Século, organizada por Claudio Daniel e Frederico Barbosa e Poemas que escolhi para as crianças, organizada por Ruth Rocha. Atualmente vive em João Pessoa, onde leciona na UFPB.  Durante muitos anos escreveu regularmente crítica literária em diversos jornais de São Paulo. O autor escreve periodicamente nos blogues augustapoesia e em zonadapalavra. E-mail: amador.ribeiro@uol.com.br




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