Poemas Conceptovisuais


..[E.M. de Melo e Castro em sua residência. By Marcelo Justo/Folhapress]

 

.

No dia 19 de abril, o poeta E M de Melo e Castro fez 85 anos. Nesse dia, eu e o Rodrigo Bravo tivemos o prazer de lançar seu mais recente livro, Poemas Conceptovisuais, editado pela Annablume Literária. O livro é a primeira realização do selo Neûron, produzido e organizado por nós dois; trata-se de uma iniciativa do Grupo Neûron de Literaturas Experimentais.

Em minhas atividades nos cursos da FFLCH-USP, meus trabalhos confluíram para os de Melo e Castro em, pelo menos, dois momentos: (1) durante meu pós-doutorado; (2) ao definir minha atual linha de pesquisas em poéticas experimentais. Em minha tese de livre-docência, eu estudei o Concretismo brasileiro, que é uma poética experimental; esse trabalho me despertou o interesse de verificar como seria o experimentalismo em outros países de língua portuguesa. Ao ler a Antologia da Poesia Experimental Portuguesa – 2004, editora Angelus Novus, organização Carlos Mendes de Sousa e Eunice Ribeiro, professores da Universidade do Minho –, escrevi um projeto de pesquisa e fui aceito pela Eunice Ribeiro para fazer, sob sua supervisão, o pós-doutorado sobre o experimentalismo português, a PoEx. Passei o segundo semestre de 2013 em Portugal e com minhas pesquisas, as quais teriam sido impossíveis sem a orientação prévia do Melo e Castro, quem me franqueou toda sua obra, todos os seus contatos, principalmente aquele que foi o mais significativo para meu trabalho: o poeta Fernando Aguiar. Li e vi toda a obra do Melo e Castro morando em Portugal; nos correspondíamos constantemente para falar de poesia.

Essas pesquisas deram, até agora, dois resultados bastante positivos: (1) o Grupo de Estudos de Poéticas Experimentais – o GEPOEX –, formado por mim e meus orientandos, responsável pela organização, nos dias 18, 19 e 20 de abril deste ano, da Primeira Semana de Arte Experimental na FFLCH-USP, em homenagem aos 85 anos do poeta E M de Melo e Castro; (2) o já mencionado Grupo Neûron de Literaturas Experimentais –  composto por mim e pelos poetas Rodrigo Bravo, Matheus Steinberg Bueno e Rogério Brugnera – responsável pela edição dos Poemas Conceptovisuais.

O que seriam poemas conceptovisuais? São poemas visuais, evidentemente, mas a remissão à arte conceitual também é explícita.

O que é poesia visual? Certamente, toda poesia concreta é poesia visual, porque toda poesia concreta é verbivocovisual, quer dizer, envolve o trabalho poético com a língua, a dicção e a plasticidade da palavra escrita. Entretanto, toda poesia visual é, necessariamente, poesia concreta?

Poesia visual é um termo bastante geral; a rigor, toda poesia composta para ser lida, é poesia visual. A poesia beat, pelo contrário, é essencialmente verbal; tudo indica que é ela composta antes para ser ouvida, declamada em voz alta, do que para ser lida. Afeita à performance e ao jazz, o poeta beat muitas vezes improvisa a partir de temas estabilizados, como ocorre na estrutura tema-improviso do jazz. Lawrence Ferlinghetti, em suas Mensagens orais, explicita essa técnica de composição, apresentando sete temas verbais, sobre os quais são improvisados os setes poemas da série. Como são improvisos, tais poemas são, nas palavras do próprio Ferlinghetti, formas mutantes. Os temas e os poemas de Mensagens orais são estes, na ordem tema-título, respectivamente: “estou esperando” – Estou esperando; “vamos” – Obbligato do bicho louco; “eu estou levando uma vidinha mansa” – Autobiografia; “o cachorro vai livre pela rua” – Cachorro; “Cristo abandonou” – Cristo abandonou; “e a rua longa” – Rua longa; “conheça Miss Metrô” – Conheça Miss Metrô.

Ernesto também compõe assim; o seu poema Tempo dos tempos é desenvolvido a partir do tema “Se nos tempos da Bíblia houvesse Jazz!” e seus desdobramentos. Eis a primeira de suas quinze estrofes:

 

Se nos tempos da Bíblia houvesse Jazz!
Ah! Se nos tempos da Bíblia houvesse Jazz!
Se nos tempos houvesse Jazz
O ritmo renovado do Jazz
O ritmo sincopado do Jazz
O ritmo sanguíneo do Jazz.

 

Porque é língua, a poesia se expressa em significantes prosódicos e fonológicos, contudo, uma vez escrita, as letras assumem a expressão das semióticas plásticas, isto é, as cores, as formas e as posições das letras e palavras na página passam, ainda que potencialmente, a fazer sentido. Caso o poeta tome consciência dessa plasticidade e faça com que a expressão poética, além de prosódico-fonológica, também incida sobre o cromatismo, as formas e a topologia das letras, a poesia torna-se poesia concreta.

A composição “círculo aberto – ritmo liberto”, do Melo e Castro, é um poema concreto, uma vez que a disposição das letras vai ao encontro dos significados do poema.

 

Embora os dois poemas digam coisas semelhantes, pois tematizam a música, “Se nos tempos da Bíblia houvesse Jazz!” é analítico-discursivo e “círculo aberto – ritmo liberto” é sintético-ideogramático, na terminologia dos próprios concretistas.

Quando há correlações entre os significados e os significantes verbais da língua e os significantes visuais da escrita, trata-se de poesia concreta; porque há composição plástica envolvida, trata-se de poesia visual. Portanto, todo poema concreto é um poema visual, contudo, nem todo poema visual é um poema concreto. Relacionar poemas a imagens de desenhos, pinturas e fotografias geram poemas visuais que não são poemas concretos, mas, por implicar correlações com imagens visuais, são poesia visual.

Na literatura portuguesa, em seus “divertimentos com sinais ortográficos”, Alexandre O’Neill relaciona poesia com imagens gráficas; no calendário Philips, Décio Pignatari relaciona poesia com fotografia. Ambos os casos são poesia visual sem ser poesia concreta:

 

(1) Alexandre O’Neill

………………………Uma alegria de vírgulas em fuga
…………………de um texto mais difícil que uma purga

 

.

………………………Se alguma janela aberta o incomoda
…………………………..Peça ao condutor que a feche

 

 

(2) Décio Pignatari

 

.

Nem só a cav

idade da boca

Nem só a língua

Nem só os dentes

e os lábios

fazem a língua

Ouça

as mãos

tecendo a língua

e sua linguagem

É a língua

têxtil

O texto

que sai das

mãos

sem palavras

 

.

Alguns poetas visuais, como Edgard Braga, fazem poesia visual apenas atribuindo títulos a imagens, as quais também são concebidas pelo poeta. A série “tatuagens”, de Edgard Braga, e os poemas de “concepto incerto”, de Melo e Castro, são exemplos desse tipo de poema visual.

.

(1) Edgard Braga

…………………………………canto das vogais

 

.

(2) E M de Melo e Castro

…………………..a perspectiva não é uma lei rigorosa

 

 

…………………….o interior dos sólidos é um plano

.

Retomando a poesia de Melo e Castro, seus poemas “conceptovisuais” são um desenvolvimento dos procedimentos poéticos dos poemas de “concepto incerto”. Todavia, diferentemente de “concepto incerto”, em que a poesia visual de Melo e Castro, embora eivada de ironia, é bastante filosófica, em “conceptovisuais” o poeta investe muito mais no humor. Longe da elaboração das imagens de “concepto incerto”, que dialogam com as máximas filosóficas e paradoxais, fazendo com que a imagem reproduza o mesmo significado das frases, em “conceptovisuais” a ironia e os chistes estão nos paradoxos entre as imagens e os títulos atribuídos. Por isso poesia conceitual, já que o poético está na relação entre o pensamento e a imagem, que, longe de ilustrar o significado dos títulos, ressignifica-os e é ressignificada por eles.

Logo na primeira parte do livro, eis o primeiro poema conceptovisual:

 

.

Discutindo o simulacro, isto é, o mundo enquanto linguagem, Ernesto nos envolve em suas elucubrações semióticas. Para prosseguir, caro leitor, basta adquirir o livro pelo endereço eletrônico livros_neuron@outlook.com; o livro custa R$ 50,00 mais as despesas do correio.

 

 

 

Visite meu site http://seraphimpietroforte.com.br/
Se você gosta de histórias em quadrinhos, conheça o Pararraios Comics,
visite o site www.pararraioscomics.com.br

 

Também escrevo para o portal de esquerda Carta Maior,
confira minha coluna “Leituras de um brasileiro”
http://www.cartamaior.com.br/

 

 

 

 

 

.

Antonio Vicente Seraphim Pietroforte nasceu em 1964, na cidade de São Paulo. Formou-se em Português e Lingüística na FFLCH-USP; fez o mestrado, o doutorado e a livre-docência em Semiótica, na mesma Faculdade, onde leciona desde 2002. Na área acadêmica, é autor de: Semiótica visual – os percursos do olharAnálise do texto visual – a construção da imagem;Tópicos de semiótica – modelos teóricos e aplicaçõesAnálise textual da história em quadrinhos – uma abordagem semiótica da obra de Luiz Gê. Na área literária, é autor de: – romances:Amsterdã SMIrmão Noite, irmã Lua; – contos: Papéis convulsos – poesias: O retrato do artista enquanto fogePalavra quase muroConcretos e delirantesOs tempos da diligência; – antologias: M(ai)S – antologia SadoMasoquista da Literatura Brasileira, organizada com o escritor Glauco Mattoso; Fomes de formas (poesias), composta com os poetas Paulo Scott, Marcelo Montenegro, Delmo Montenegro, Marcelo Sahea, Thiago Ponde de Morais, Luís Venegas, Caco Pontes, mais sete poetas contemporâneos; A musa chapada (poesias), composta com o poeta Ademir Assunção e o artista plástico Carlos Carah. E-mail: avpietroforte@hotmail.com




Comentários (1 comentário)

  1. Fernando Aguiar, Excelente, amigo Antonio ! Um abraço Fernando
    12 junho, 2017 as 21:53

Comente o texto


*

Comente tambm via Facebook