Palavra encarnada


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Estou aqui e diante de mim uma biblioteca inteira para ser lida, mas principalmente vivida. É a palavra que encarna a experiência, o possível e o impossível. É dentro dessa magnitude abstrata que busco um meio de vida. Um desassossego iminente, histórias contadas para dentro. A palavra encarnada é o salto súbito para a vida, salto na solidão da leitura, salto no presente imediato de uma perplexidade sem fim de uma friorenta manhã paulistana. Mas não é só isso, essa palavra é solidária, altiva, atenta aos detalhes que embelezam e, sobretudo, é geradora de riqueza. É ela a minha busca, a palavra de carne, sangrenta em aguilhões santos e diabólicos; jamais a miséria, jamais a exploração da miséria, nem a exploração da própria miséria como muitos fazem questão, como gosta São Paulo.

Prefiro a dignidade dos livros ainda não escritos, do mundo a ser criado, mesmo que ele seja dolorosamente irreversível, que as palavras ao vento numa noite de alegria seja apenas a alegria daquela noite que talvez um dia será memorada, inventada ou, então, a alegria daquela noite seja a mais bela alegria esquecida. O acaso é invencível e ele não se importa para a justiça das histórias que merecem ser contadas. Creio, porém, com muita fé que as coisas se inscrevem em nossa retina, numa tinta invisível feita de memória.

Gosto das listas impossíveis que não revelam nenhum sentido aparente, mas que transpõem a nossa queda do paraíso ao instante da leitura. Gosto de decifrar as imagens de corpos que gravidam quanto estou a caminho do campo, corpos de mancebos e huris tão legados aos prazeres que são parecidos com os sonhos de um Bataille. Isso é alegria para meus pensamentos, imaginar é nossa arma até para a pior melancolia, embora ela seja verdadeira, toda melancolia passa pela queixa de uma perda. E que eu perdi? Que tenho a perder?

A plenitude da riqueza poética me interessa mais, muito mais. A vida é sonho que se vive no real. A palavra encarnada é o pulso que move a história, a palavra é que transforma, repetir a fórmula que não tem receita, tampouco existe fórmula ou receita, tampouco existe certeza que pressupõe uma fórmula. Mas creio que o caminho para a palavra encarnado seja sempre o retorno ao novo, o retorno que avança. Gosto da exuberância no texto, da paisagem petrificada, do relógio derretido e até dos gráficos que formam os prédios de minha janela. Gosto mesmo é da vida e a vida para mim só pode ser palavra, por isso a palavra encarna.

 

 

 

 

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Bruno Eliezer Melo Martins, mineiro de Poços de Caldas, é escritor, poeta e tradutor. Atualmente vive em São Paulo. Email: brunoezer@hotmail.com

 




Comentários (1 comentário)

  1. Alessandro, Gostei muito do texto, um misto de ensaio e prosa poética. Não conheço o autor, mas deu vontade de continuar lendo-o.
    18 novembro, 2016 as 15:02

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