Os Bretons e os Dalis
Recentemente, o quadrinista Frank Miller (“O Cavaleiro das Trevas”, “Sin City”, “300”) soltou o verbo em seu blog, num acesso de mau humor que ecoou por toda a websfera, descendo o cacete nos jovens do movimento “Ocupem Wall Street” e chamando-os de filhinhos-do-papai mimados, ignorantes em política e “trabalhando sem saber em nome dos inimigos da América, que são a Al-Qaeda e o Islamismo”. Que Miller é um reacionário ranzinza todo mundo já sabe. Basta ler suas graphic novels, que são retratos vívidos, realistas e cruéis de uma certa mentalidade norte-americana de hoje. Esperar que ele apoiasse o “Ocupem Wall Street” seria tão inútil quanto imaginar que Nelson Rodrigues pudesse ter sido a favor das passeatas estudantis de 1968.
Num artigo a respeito (http://acheiusa-octavio.blogspot.com/), o escritor e artista de HQ Octavio Aragão comenta outro ângulo da questão – o da efemeridade dos movimentos em si.
Diz ele: “Será que os manifestos, as revoluções ideológicas e movimentos de caráter modernista ainda têm as mesmas características daqueles que reformataram o mundo nos séculos 18, 19 e 20? Ou funcionam apenas como interregnos entre duas fases de aperfeiçoamento do mesmo sistema contra o qual os manifestantes se rebelam? Há muito que movimentos de contracultura pop são absorvidos com a mesma velocidade com a qual surgem – hippie, mod, rocker, punk, new wave, new romantics, hip-hop, rap, funk… – e seus discursos, por mais contundentes que sejam a princípio, são fagocitados pela moda, pelos meios de comunicação, pelos inimigos contra os quais surgiram a princípio, contribuindo para o aperfeiçoamento dos adversários, que saem cada vez mais fortes de cada confronto, cada “revolução”.
Eu faria uma comparação desses movimentos com o Movimento Surrealista parisiense dos anos 1920. Há duas figuras emblemáticas desse movimento: seu fundador, André Breton, e seu participante mais famoso, Salvador Dali. Breton tinha qualidades (era grande poeta, tinha um enorme carisma, era um desses delirantes que acham que estão mudando o mundo) e defeitos (era autoritário, egocêntrico, como todo fundador-de-movimento-cultural). Mas tinha um viés esquerdista que o fez apoiar a Revolução Russa e o tornou para sempre “persona non grata” na mídia dos EUA. A qual num passe de mágica fez a palavra “surrealismo” se colar à figura apolítica, clownesca e “ávida por dólares” de Salvador Dali. Todo movimento tem um lado radical e um lado festivo, tem o seu Breton e o seu Dali. O Sistema rapidamente identifica os dois, sepulta o primeiro através de listas negras e chás-de-silêncio; e promove o outro. Simples assim.
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Bráulio Tavares é escritor e compositor. Estudou cinema na Escola Superior de Cinema da Universidade Católica de Minas Gerais, é Pesquisador de literatura fantástica, compilou a primeira bibliografia do gênero na literatura brasileira, o Fantastic, Fantasy and Science Fiction Literature Catalog (Fundação Biblioteca Nacional, Rio, 1992). Publicou A máquina voadora, em 1994 e A espinha dorsal da memória, em 1996, entre outros. Escreve artigos diários no Jornal da Paraíba: http://jornaldaparaiba.globo.com/ Blog: http://mundofantasmo.blogspot.com/ E-mail: btavares13@terra.com.br
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