Os 90 anos de Allen Ginsberg


…………….Allen Ginsberg completaria 90 anos (dia 3 de junho de 2016)

 

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Já publiquei uma quantidade de posts relativos a Ginsberg aqui, neste blog. Poemas, artigos comentando sua lucidez política, sua capacidade de antecipação. Selecionei alguns links, estão no final deste texto. Há ainda as traduções, os ensaios etc. Agora, reproduzo trecho da minha palestra “Beats e catástrofes” na qual o cito. Apresentei terça feira passada, dia 31/05, em Goiânia, na UFG, no Colóquio Pensamento, Catástrofe e Ação da UFG. Terminei lendo “Bomba” de Gregory Corso, e sugeri como epígrafe a frase de Breton “Este fim de mundo não é o nosso”.

Aí vai o trecho:

[…]

Em 1965 Allen Ginsberg já se declarava em favor da ampliação da consciência e dizia procurar “soluções ecológicas em vez de ideológicas”[1]. Um precursor:

Também há a questão do ”terceiro caminho”, nem comunismo nem capitalismo, que pregávamos enquanto os intelectuais procuravam extremos do marxismo ou do anticomunismo. Nossa preocupação é alterar estados de consciência e achar soluções ecológicas, não ideológicas.

[…]

Destaca-se, na presente programação, entre outros conferencistas qualificados, a participação de Annie Le Brun, uma pensadora importante, especialista em surrealismo, que está lançando no Brasil O sentimento da catástrofe: entre o real e o imaginário[2]. Reflete sobre a importância de respostas poéticas a catástrofes. E cita uma frase de André Breton, de 1948: “Este fim de mundo não é o nosso”, no artigo “La lampe et l’horloge”, de 1948. Há um foco ambientalista. Chernobyl é tema. Em O sentimento da catástrofe, menciona muita coisa do que se revelou após os acontecimentos entre 1989 e 1991, com o fim da União Soviética: o Mar de Aral que foi secado, a tundra siberiana devastada, as extensões de terra envenenadas (por exemplo, mencionaria, a região de Bielefeld na antiga Alemanha Oriental).

Estados burocráticos, regimes de planejamento central não são inocentes em matéria de agressões ao ambiente, contrariando a associação dessas apenas ao consumo desenfreado e consequente desperdício nas economias de mercado. Aliás, aqui no Brasil demonstramos que desperdício, poluição, sujeita descontrolada e os consequentes prejuízos não são, de modo algum, características de países ricos, das economias prósperas. Quando estive na Alemanha em 1989, observei que meus tios, que me hospedavam, já separavam o lixo para reciclagem. Aqui, até quando proliferarão os lixões… ?

É possível cotejar os regimes de planejamento central e as economias de mercado na capacidade de destruição do meio ambiente? (e, por decorrência, de seres humanos) A meu ver, equivalem-se. Difícil mensurar, por exemplo, qual catástrofe ambiental foi pior, aquela de Chernobyl ou a de Bhohal, na Índia, em 1984, com os envenenamentos provocados por um vazamento de gás da fábrica de fertilizantes da Union Carbide (subsequentemente incorporada á Dow Chemical): 3.000 mortes diretas e, estima-se, 150.000 pessoas afetadas. E, na Nigéria, o modo como a Shell explora campos petrolíferos continua devastador, com um completo descaso, com a cumplicidade dos governos locais, pela população e pelo ambiente.

Em uma palestra recente em São Paulo, Le Brun também tratou de Fukushima, a usina atômica construída sobre uma falha geológica, comentando como o desastre foi normalizado. E falou do nosso desastre mais recente, o rompimento da barragem de rejeitos de minérios da Samarco em Mariana.

Mas nós, brasileiros, teríamos tantas catástrofes a acrescentar. Da minha parte, classificando como catástrofe irreversível, incluiria na lista a usina hidroelétrica de Belo Monte, pelo dano permanente à diversidade biológica (já faltam peixes no Xingu) e cultural, como já foi observado por entidades e pesquisadores isentos (reproduzi em meu blog um dos veementes protestos do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro).

E temos um estado, me parece, de desastre ou catástrofe duradoura, que pode ser relacionado a governantes que decidiram, tardiamente, partilhar o destino dos países ditos petrodependentes. Com reflexos diretos na presente crise, acarretando conseqüências econômicas, sociais, e, visivelmente, políticas, apostaram na expansão do setor, investindo, do modo como sabemos, em refinarias e novos campos de exploração do petróleo, no momento quem que o mundo, ou uma ponta moderna do mundo, volta-se para outras fontes. Assim, espantosamente, países europeus hoje têm uma participação bem maior que a nossa maior não só de fontes eólicas, mas solares na geração de energia.

Nossos dirigentes não leram, entre tantas outras advertências, Ginsberg. Já em 1974, escrevia:

Quanto ao petróleo: seria aconselhável que os EUA desenvolvessem fontes de eletricidade solar, eólica e outras descentralizadas. Toda essa briga pela preservação das fontes de petróleo é uma característica do monopólio capitalista da indústria de petróleo & da aliança militar-industrial dentro de um contexto estático e fixado. Toda essa “crise” está fora do contexto ecológico mesmo. O custo do oleoduto do Alasca seria suficiente para as pesquisas e o desenvolvimento de formas de energia utilizando o sol ou as correntes oceânicas. Se existe crise, a reação de quem demanda mais petróleo é tão neurótica quanto a do viciado que quer mais uma dose. É parte de todo o contexto.[3]

[…]

 

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[1] Cf. este dossiê: http://folhadepoesia.blogspot.com.br/2016/04/wales-visitation-ginsberg.html

[2] São Paulo: Iluminuras, tradução de Fábio Ferreira de Almeida, prefácio de Eliane Robert Moraes

[3] Em Negócios de família, p. 146, coletânea com a correspondência com seu pai, Louis Ginsberg; reproduzi em meu blog, em https://claudiowiller.wordpress.com/2012/04/15/ainda-a-lucidez-de-ginsberg/

 

 

 

 

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Uma seleção de posts relacionados a Ginsberg:

https://claudiowiller.wordpress.com/2015/06/05/allen-ginsberg-para-homofobicos-um-poema-edificante-e-instrutivo/

https://claudiowiller.wordpress.com/2014/09/14/os-poetas-e-a-politica/ .

https://claudiowiller.wordpress.com/2013/06/19/agora-um-trecho-de-allen-ginsberg/

https://claudiowiller.wordpress.com/2013/04/03/a-traducao-da-despedida-de-ginsberg/

https://claudiowiller.wordpress.com/2011/10/24/se-allen-ginsberg-estivesse-vivo-estaria-marchando-em-wall-street/

 

 

 

 

 

 

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Claudio Willer (São Paulo, 1940). Poeta, ensaísta e tradutor. Traduziu parcialmente Ginsberg e Artaud, e a obra completa de Lautréamont. Publicou também, entre outros, Geração Beat, L&PM Pocket, 2009 e a tradução do Livro de Haicais, de Jack Kerouac (L&PM, 2013). E-mail: cjwiller@uol.com.br




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