OFICINA DE ESCRITA E CRIATIVIDADE


 

O que o olhar pode inaugurar?

Na próxima segunda-feira, 13/11, na Casa Arca, em Moema, terá início EXPRESSÕES DO OLHAR, oficina que desperta o olhar atento e inventivo para a criação de textos.

Por meio de inspirações da literatura, teatro, artes plásticas e fotografia, os participantes recebem estímulos para soltar a escrita e contam com o acolhimento do grupo para o desenvolvimento das suas expressões.

Para todos os que desejam iniciar a prática de escrever ou aprimorar a qualidade de seus textos, soltar a imaginação e a criatividade.

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INFO
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“Expressões do Olhar”: oficina de escrita e criatividade

– opção 1 (tarde): segundas-feiras, das 15h00 às 17h00

– opção 2 (noite): segundas-feiras, das 20h às 22h

Para mais informações, visite http://casaarca.com.br/eventos/oficinade-escrita-expressoesdoolhar-silvia-camossa e a página Jardim de Helena no facebook.

Inscrições pelo e-mail silcamossa@uol.com.br

 

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Silvia Camossa realiza também a oficina PAISAGENS DA MEMÓRIA. Veja alguns textos criados pelos participantes.

 

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Dentro de uma caixa vazia
Por Juliana Laurent

Ela sempre se demorava no banho. Era o seu momento preferido do dia. Gostava da água caindo em sua cabeça enquanto fitava os azulejos brancos e um pouco encardidos que denunciavam o passar dos anos. O som da água que saía do chuveiro não era o mesmo dos pingos que chegavam ao chão.

Com algum esforço, fechava a torneira enferrujada e pegava a toalha pendurada na porta do box. Sabia que a vida começava todos os dias depois do banho. Era como se, com a água, escorressem também todas as angústias e incertezas ainda impregnadas do dia anterior.  Ela precisava encher a sua alma de esperança para que não se parecesse a uma caixa vazia. E trocar velhas ruínas por novas tempestades.

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ROMARIA
Por Amanda Bortoloto

Vejo nesses olhos modos sertanejos de ser feliz. O quanto o calor fez a vida estremecer, quem pode saber? A seca talhou rugas no rosto mineiro, feito vale que estia no tempo…  Há no lavrar da terra um canto sutil, uma romaria que descalça caminha pelo terreno da vida. E dá à sola dos pés vida própria para contar histórias ao seu modo labuto de ser.

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A primeira viagem
Por Ursula Fernal
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Ele não sabia para onde ia.

Tinha um ano e três meses em sua primeira decolagem.

Olhando pela janela, ficou encantado com tantos aviões.

Sentou, mamou, dormiu. O destino, não viu.

Ao chegar, deslumbrou-se com o primeiro passarinho que voava ao seu redor.

Seus olhinhos de bebê brilharam com alegria e curiosidade.

Voou para onde não poderia ter imaginado.

 

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Embarque Imediato
Por Lia Mors
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Mal as férias começavam e eu já estava no Galeão com o meu crachá de menor desacompanhada, embarcando para Salvador. Era naquele voo que a liberdade começava. Em duas horas, eu deixaria de ser filha única e estaria rodeada pelos meus dezessete primos.

As brincadeiras eram infinitas, a criatividade reinava e os meus avós permitiam o caos. Os dias eram longos na praia. Acordava e ia dormir de biquíni. Sem hora para nada. Era tudo leve, divertido e repleto de amor.

Guardo até hoje o meu passaporte com o carimbo “menor autorizada a viajar desacompanhada pelos pais”. Ele simboliza a liberdade e a minha independência precoce.

Eu ainda vou para Salvador todo ano e, a cada desembarque, é como seu eu pudesse ver o meu avô me esperando atrás das portas de vidro.

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Mãos dadas
Por Fernanda Ferraz Figueiredo

 

De mãos dadas com meu passado, lembro de um toque doce entre peles e a segurança dos dedos entrelaçados. Fase em que eu ainda não tinha vergonha de mostrar fragilidade, amor incondicional e orgulho por aquele super herói que me guiava. Queria mais é mostrar para o mundo que ele era o maior e o melhor. E ele, orgulhoso de si, enchia o peito e caminhava. Ao lembrar desse tempo, sinto-me tola por ter deixado essas mãos se separarem tão cedo.

Aos doze anos, esse toque não tinha mais tanta importância para mim. Mas sabia que para meu pai representava uma tentativa desesperada de congelar sua menina ao seu lado, sentir nosso amor passar por ali e não perder o posto de herói. Então, cedia a seu convite, mas a troca não tinha mais a mesma intensidade.

Pena, pois se soubesse que aquelas doces mãos partiriam tão cedo, jamais as teria soltado.

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Alfinetes
Por Alexandre Oyamada

 

Enquanto estou compenetrado usando o ímã para tirar os alfinetes perdidos entre os tacos de madeira do quarto da minha avó, surge Jesus Cristo.

– Você finalmente saiu do quadro da sala, que bom, né? Achei que ficaria lá para sempre, Jesus. Quer tirar alfinete comigo?

– Sim, meu filho. Vamos tirar alfinete.

– Você, que faz milagres, não consegue tirar todos eles de uma só vez?

– Consigo, meu filho. Mas o mais sábio, mesmo, é tirar um a um, sem pressa. Me passa um ímã para eu te ajudar.

 

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Viagem para a Grécia
Por Raquel Alvares

 

A velha senhora tinha uma estranha mania: gostava de mexer no lixo dos seus vizinhos. Todo dia de manhã, logo que acordava, descia as escadas silenciosamente, abria a tampo do latão e vasculhava o que lá houvesse.

Encontrava de tudo, muitas vezes coisas bem desagradáveis. Mas ainda assim gostava de revirar aquele monte de entulho. E em cada objeto descartado, uma história. Seus vizinhos eram jovens, recém-casados, e a faziam lembrar do tempo em que era moça e apaixonada pela vida.

No dia em que encontrou uma garrafa de champanhe vazia e uma embalagem de presente que parecia ser de uma joalheira fina, teve certeza que estavam celebrando bodas de algodão.

Alguns dias depois, folhetos com informações sobre a Grécia contavam que o casalzinho iria passar férias por lá. Etiquetas de roupas de uma loja cara diziam que a moça já tinha comprado todo o enxoval para a viagem.

A velha senhora pensou em como era bom ser jovem e estar apaixonada. Lembrou de novo dos idos tempos em que seu falecido marido, já há muito aninhado nos braços do Senhor, chegava em casa com flores e presentes, a enchia de beijos e a tirava para dançar no meio da sala. Eram felizes. Tão felizes quanto aquele casalzinho do apartamento ao lado.

Pensando nas roupas novas, nas noites de amor sob o luar da Grécia, chegou até a sentir um pouco de inveja. E imaginando qual novo preparativo para a viagem o lixo revelaria, voltou a descer as escadas e foi abrir o latão.

Em princípio, não viu nada que lhe desse uma pista. Mas revirou mais um pouco e encontrou um exame de gravidez. O resultado: positivo. Seu coração se encheu de alegria. Um filho chegando para abençoar o casalzinho. E, amassado sobre os restos da noite anterior, um pedaço de papel. Muitas frases rabiscadas, claramente um rascunho. Ao fim, em uma letra redonda bastante tremida: “Fui muito feliz ao seu lado. Mas agora tenho um novo sonho, uma nova luz brota em mim. Vou para a Grécia atrás do grande amor da minha vida”.

 

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Minha mãe sabe encantar minhocas
Por Joice Malavolta

Fecho os olhos e sinto os dedos da minha mãe acariciando meus cabelos. Numa massagem suave de quem nem sabia o quanto estava acalmando meus pensamentos, apenas um carinho. Sabia sim, mãe sabe tudo.

“Dentro dessa cabeça tem um minhocário. Essa menina sabe criar minhocas como ninguém”. Ela sempre dizia isso. Acho que tinha um pouco de crítica, mas ela falava rindo. Era uma forma de dizer “Fica tranqüila Pituca, tudo vai dar certo”.

A Pituca dela cresceu, mas sempre que está com algum problema, ri e pede para as minhocas pararem de se reproduzir. E aí vem a lembrança daquele toque que me acalma, me empurra e me faz sorrir mais. Como ser triste se você vive a vida sentindo a ternura de mãe com dedos delicados bem ali, em cima da sua cabeça?

Como olhar para as pessoas e não sorrir, quando é algo de graça mas ao mesmo tempo sem preço? Receber um sorriso de volta é saber que você conseguiu encantar algumas minhocas. As minhocas que vivem no minhocário de cada um.

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Cartas ao homem que hoje é menino
Fabiana Queiroz e Souza

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Ela tinha vinte e nove anos quando ele nasceu. E naquele 16 de Abril, no domingo ensolarado em que ele nasceu, ela sentiu-se nascer também.

Ela comemorou com ele cada aniversário dele, como se fossem aniversários dela também. E eram. Dizia ela que fazia aniversário com ele, que nascera novamente graças ao nascimento dele. Naquele 16 de Abril ensolarado, ele nascia filho, enquanto ela nascia mãe.

Eles comemoraram um ano de filho e um ano de mãe. Cinco anos de filho e cinco anos de mãe. Dez anos de filho e dez anos de mãe. E assim, sempre.

Iam vivendo, unha e carne. Mãe e filho. Gêmeos no nascimento.

Ela gostava de escrever cartas para ele, desde quando ele era pequenininho. Escrevia-as enquanto ele dormia, embalada no mar de amor que sentia. Gostava de pensar que, um dia, quando fosse adulto, ele as leria e a sentiria tão perto assim sempre, como ela sempre estivera.

Conforme ela as escrevia, as guardava cuidadosamente no meio da Bíblia que ganhara um dia da mãe. Ela, que nem católica era, julgava que no meio das folhas daquela Bíblia as cartas ao filho poderiam descansar como quem descansa em solo sagrado. Pensava assim e sentia assim simplesmente por ser a Bíblia presente da mãe. De mãe para filha outrora. De mãe para filho agora.

Os anos passaram e as cartas foram avolumando-se dentro da Bíblia.

O menininho que nasceu naquele 16 de Abril ensolarado agora é um rapaz. A mãe que nasceu naquele 16 de Abril ensolarado teima em colocar regras e limites aos quais ele teima em não obedecer.

E eles, unha e carne, agora também deram de brigar.

Ela, aquela mãe nascida no dia em que ele nasceu, sente saudade do menino que dizia ser ela a rainha do mundo. E na saudade, procura consolo nas cartas que escreveu ao menino. As cartas que serão lidas pelo homem que ele será um dia.

Dentre elas, escolhe uma, aleatoriamente. É uma carta datada de quando ele não tinha nem um ano.

E na carta ela diz que deseja que ele seja feliz. Mas, mais que isso, deseja que ele seja livre. E, ainda mais que isso, deseja que ele seja fiel a quem ele nasceu para ser, ainda que isso vá contra o que ela quer que ele seja.

Ao ler aquilo, a mãe sorri. Ela, que nasceu mãe naquele 16 de Abril ensolarado, sorri.

Estamos todos bem. A vida segue, linda como sempre foi.

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A Caixa Vazia
Por Giselane Rocha

Hoje, ao acordar, botei os olhos no limoeiro e na laranjeira que fazem parte do jardim da minha casa. Não tinha percebido o quanto estão floridos. Me aproximei e vi várias abelhas sobrevoando o pé de laranja. Algumas voando de cá para lá, outras sobre as flores brancas.

Peguei a câmera e tirei várias fotos. A que mais gostei foi a que mostra duas abelhas sobre uma mesma flor. Pensei na transformação infinita da natureza… como as coisas passam, se transformam, nascem,  morrem, renascem… E me veio à memória a gravidez da Paula. Sete meses! Logo chegará a Matilde, a portadora do sorriso da mãe, a que trouxe de novo o sentido para sua vida. O ninho vazio será mais uma vez ocupado!

 

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Juntar gerações
Por Leda Tronca

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Vovó Edwiges surgiu de repente na casa de Caraguá. Estávamos preparando a festa de comemoração de sessenta anos desta mesma casa.

Chegou de mansinho, entrou pelo portão e deu uma volta pelo jardim.  Observou as plantas, cheirou as flores e sentou-se na poltrona do terraço.

Eu, com lágrimas nos olhos, procurava preencher o vazio da saudade que fazia doer meu coração desde sua partida há quarenta e cinco anos. Que estranho não sentir nenhum susto por revê-la depois de tanto tempo!  Estava igualzinha. Até a roupa e o cabelo eram os que eu tinha na memória.

Surgiu repentinamente, pela porta da sala, Clara, minha linda neta de dezesseis anos. Estava de biquíni fio dental  e abraçada com o namorado.  Deu-me uma beijoca avisando que iam nadar e que não os esperássemos até o final da tarde. Saíram felizes.

Olhei para vovó. Difícil descrever sua expressão. Atônita? Escandalizada?   Assustada? Sorri para ela e falei:

– Lembra quando neste mesmo terraço a senhora pediu que eu jamais usasse um maiô de duas peças que mostrasse o umbigo e que cuidasse muito da minha virgindade senão não haveria moço direito que casasse comigo? Pois é, enquanto a senhora esteve ausente o mundo mudou muito. Em vez da revolução social aconteceu uma enorme revolução de costumes…

Antes que ela respondesse, meu celular tocou e eu atendi. Quando me voltei para mostrar-lhe o incrível aparelhinho que nos conectava com o mundo todo ela tinha desaparecido… Voltaria outra vez?

 

 

 

 

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SILVIA CAMOSSA
Autora

Formada em Comunicação Social com especialização em Marketing pela ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing. Em interpretação pela escola de atores da PUC – TUCA. Em Biopsicologia pelo Instituto Visão Futuro.

Autora dos livros “História das Idéias do Zé”, “Escolhas que Brilham”, “Sonha, Zé” e “Os amigos do Balacobaco”, infantojuvenis publicados pela Callis Editora.  O livro “História das Idéias do Zé” foi selecionado pelo governo do México para distribuição nas bibliotecas públicas do país.

Integra o Coletivo Literário Martelinho de Ouro que publicou as antologias de contos “Serendpt” (2014) e “Sub” (2016).

Participa de saraus, escreve poesias e contos. Acredita na escrita como caminho de desenvolvimento da expressão pessoal e procura levar essa vivência para as pessoas por meio de oficinas de escrita.

Em sua primeira experiência profissional, trabalhou em agências de propaganda, com forte atuação no Planejamento Estratégico. Para saber mais, visite o site www.silviacamossa.com e a página Jardim de Helena no facebook.

 

 

 




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