Ode à língua universal


Incompossible

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Quando na lista dos livros mais vendidos:

90% das obras de ficção

65% das obras de não ficção

95% das obras infanto-juvenis

55% das obras de autoajuda

60% das obras de negócios

70% no cômputo geral,

são obras de tradução, cabe pensar.

No Twitter e no Facebook, numa consulta rapidíssima e nada rigorosa sobre bibliografias de cursos, quando as obras de conteúdo estrangeiro, com ou sem tradução para o português, estão na faixa:

  • Letras USP, em linguística e teoria literária, de praticamente 100%; em matérias literárias específicas, de 80 a 90%; em crítica literária, de 30%;
  • História UFRGS, área de concentração História Antiga, Iconologia, Arqueologia Clássica, de 90%;
  • Letras UFSC, de 70 a 80%;
  • Letras UFBA, nas áreas de concentração de leitura e texto, de 30 a 40%;
  • Antropologia Unicamp, USP, UFSCar, UFRJ, nas disciplinas básicas obrigatórias, de 80%;
  • História UniCentro PR, área de concentração em História Moderna, Contemporânea, Religião, de 100%;
  • Filosofia UERJ, em filosofia da ciência, filosofia da biologia, filosofia da história, filosofia da física, de 80%;
  • Física UFF, de 90%,

também cabe pensar.

E quando a gente se pergunta como é possível que as manifestações científicas, teológicas, literárias, filosóficas, ao longo dos milênios em todo o mundo circulem até hoje por todo lugar…

… a resposta é simples: não precisamos de um esperanto ou de um volapuk, por simpáticos que sejam. Toda obra, toda ideia, toda invenção nasce querendo se dar a conhecer. Nesse imenso, desconjuntado, sonoro, truncado, melodioso e desafinado, infinito diálogo da humanidade com a humanidade, saltando séculos, voltando, se esquecendo, ziguezagueando, se interpolando nessa gigantesca malha universal, a língua é uma só: a tradução. É ela a língua: a tradução existe como marca da diferença e também como a própria voz da diferença; une, sendo e reconhecendo a diferença – é ela a torre de Babel pronta, construída, o pluribus unum integrando tempo e espaço. E antes dela o próprio verbo, ao se fazer, já se fez traduzido e se traduzindo.

Assim declarado meu amor à tradução, vida longa à Musa Rara!

[Estou lendo uma biografia intelectual do thoreau: Robert D. Richardson Jr., Henry Thoreau, A Life of the Mind.]

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Denise Bottmann, curitibana, 56 anos, é historiadora e tradutora de ciências humanas e literatura, em inglês, francês e italiano. Mantém os blogs http://naogostodeplagio.blogspot.com e http://lendowalden.blogspot.com.  E-mail: dbottmann@uol.com.br e twitter @dbottmann.




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