o poema



.

quem ergue plumas
opera célere

demora mais
quem forja o ferro

desliza quem
patina em pista

esforço faz
quem cava um poço

mais ganha quem
planta só couves

muito labuta
quem horta tem

lavra em segredo
quem mira o lucro

cantam as aves
no céu aberto

mira no alvo
o olho tenso

largam sementes
aves ao vento

o transatlântico
vai confortável

nas ondas dança
o barco a vela

a brasa longa
sem pressa arde

cresce depressa
a chama breve

a confiança
não tranca a porta

cerrado é o cofre
de quem tem medo

mentiras urde
quem vai discreto

verdades há
livres ao vento

quem tranca a obra
ágio granjeia

a obra aberta
outras semeia

vive o futuro
quem quer poder

quem vida quer
vive o momento

o vivo instante
que ressuscita

em forma outra
que não se prende

tempo é avaro
no que maquina

eternidade
nada preserva

assim o fogo
o lenho queima

como a virada
quebra o segredo

do mascarado
que vai na popa

da nave louca
no mundo doido

que pelo espaço
navega incerto

ao fim vai tudo
pra o mesmo fim

é tudo fogo
que vira cinza

ao fim serão
todos iguais

no mesmo abismo
de nunca mais

a todos leva
o esquecimento

somente as nuvens
se ultrapassam

formas formosas
que não se prendem

e se transformam
continuamente

sobre as cabeças
de calculistas

que entretecem
tramas e ardis

crostas de crânios
que especulam

o quanto custa
um cemitério

mas se o mundo
é campeonato

a palma vai
a quem só é

e só é quem
é o que é

não quem simula
e representa

a palma vai
a quem viveu

e só viveu
sem arremedo

quem o poeta
reconheceu

enquanto vivo
não chancelado

ignorado
como o morcego

que vendo bem
num mundo cego

parece cego
a quem não vê

mas se o mundo
é maratona

o prêmio vai
a quem viveu

e só viveu
a vida breve

quem conheceu
ainda vivo

poeta a quem
só verá morto

quem sempre morto
aqui esteve

este os louros
do lucro tenha

porque lhe cabem
inteiramente

a cada um
o que é seu

poeta ausente
já consagrado

é simulacro
do que se foi

sombra que dança
na vã parede

da sempre fosca
surda caverna

sombra de restos
que pulgas querem

poeta vivo
é ouro negro

que não se mostra
a quem cobiça

quod aurum nostrum
non est vulgi

ser ou não ser
that is the question

assim a brasa
acesa disse

enquanto a chama
no lenho ardeu

e ao pé do fogo
antes da cinza

vivo o poema
transpareceu.

L. N.
10.03.2019

.

.

Luiza Nóbrega é escritora (poeta, ficcionista e ensaísta) e pintora, professora de Artes e Literatura recém-aposentada pela UFRN. Graduada em Direito com medalha do Mérito Universitário. Estudou Artes Plásticas no CPA (Rio de Janeiro), com Ivan Serpa, praticou com Nise da Silveira em seus grupos de estudos e foi discípula de Rolf Gelevski. Mestre em Literatura Brasileira na UnB, Doutora em Letras Vernáculas-Literatura Portuguesa na UFRJ e Universidade Nova de Lisboa e com dois posdocs (o primeiro, sobre Os Lusíadas, nas Universidades de Évora e Nova de Lisboa; o segundo, sobre Lêdo Ivo, na Università degli Studi di Perugia). Especializada na leitura dos discursos poéticos, dedicando-se especificamente a Camões e Lêdo Ivo. Membro de três Centros de investigação: dois em Portugal (Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra e Instituto de Estudos Portugueses, da Universidade Nova de Lisboa) e um na Itália (Centro di Studi Comparati Italo-Luso-Brasiliani/Universidade de Perugia). Em novembro de 2015 coordenou o evento internacional POESIA SEM FRONTEIRAS: PAUTA E CENA COM LÊDO IVO, realizado na UFRN. E-mail: luiza14@gmail.com




Comentários (1 comentário)

  1. LUIZA NÓBREGA, Decorridas quase três semanas, constato que se confirmou o que eu previra e que fora mesmo o principal objetivo desta publicação: provar que a poesia é invisível, e que o poeta – seja bom ou mau, falso ou verdadeiro – para fazer-se lido terá que se esforçar no uso da media. Só aparecendo será lido; o que, aliás tem sua lógica. Afinal, quão raros mergulham para achar pérolas dentro de ostras, e quão mais numerosos procuram pérolas em vitrines? O desafio proposto neste jogo é: enquanto o contrário não suceder, por mais genial que seja o poema, sua recepção será falsa, pois o que se lê não é o poema, mas sim a imagem midiática de quem o escreveu.
    19 abril, 2019 as 8:04

Comente o texto


*

Comente tambm via Facebook