O blog de Lygia Fagundes Telles


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Muito se fala sobre esse livro da Lygia Fagundes Telles: que rompe a barreira do gênero literário entre conto e crônica, memória e ficção; que é seu livro mais experimental; que Drummond chamou os textos do livro de “miniaturas” etc. Lygia já era uma escritora respeitada quando publicou o livro. Trazendo para os dias atuais eu diria que o livro é um blog. É com isso o que o livro parece: textos de um blog de uma escritora que sabe como dizer as coisas.

No livro há textos onde descreve a ação de um cinegrafista com a câmara nas mãos – o que nos faz lembrar o “narrador-câmara”. Noutros, a literatura fantástica, que é uma marca da autora, também está presente. Mas o interesse maior é rememorar. Se for o caso ficcionando sobre as lembranças. O que ela faz sem nostalgia e lamentação, feliz da vida com suas ausências.

Os temas são vários. Não há um foco a ser seguido. Os gatos (o livro abre com duas histórias sobre eles: “Sou um Gato” e “Tenho um Gato”. Na segunda, a escritora conta seu primeiro contato com um deles, a gata Iracema). Relatos de uma viagem que fez a China (a viagem aparece em alguns textos e a autora é profundamente solidária com a China da época). Santo Agostinho e Padre Antônio Vieira (Lygia mostra o quando gosta dos “ensinamentos” desses dois). O Demônio (muito engraçado como o tema é abordado, num dos textos um diabinho anda pelo corpo da autora). Um caso edipiano (de uma mãe que por amor ao filho único deita uma semana com ele). A felicidade (parece que para Lygia a felicidade é sempre clandestina, lembrando o conto Felicidade Clandestina da sua amiga Clarice Lispector). O Carnaval (não é clandestino mais é igualmente feliz). O marido Paulo Emílio e a amiga Hilda Hilst (na primeira edição do livro só aparecia as inicias dos nomes PE e HH, foi seu filho, para quem o livro é dedicado, que falou para ela escrever os nomes completos) etc. A multiplicidade de assuntos torna o livro ainda mais parecido com um blog. É como se a escritora antevisse que chegaríamos a esse tipo de escrita.

Bom também é a informalidade do livro, o tom de conversa. A qualquer momento e sem avisar, Lygia entabula conversa com ela mesma, com o próprio “livro-diário-blog”, ou com o leitor.

No final, Milton Hatoum, Estephania Nogueira, Nogueira Moutinho e Silviano Santiago, escrevem sobre a autora e o livro em questão. Há também um posfácio de Noemi Jaffe, um depoimento de Ricardo Ramos e um texto sobre a autora com um desenho de Lygia Fagundes Telles feito por Carlos Drummond de Andrade. Na quarta capa Clarice Lispector escreve com segurança: “Com Lygia há o hábito de se escrever que ela é uma das melhores contistas do Brasil. Mas, do jeitinho como escrevem, parece que é só entre as mulheres escritoras que ela é boa. Erro: Lygia é também entre os homens escritores um dos escritores maiores.”. Precisa dizer mais?

 

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A DISCIPLINA DO AMOR (2010) / LYGIA FAGUNDES TELLES / MEMÓRIA E FICÇÃO / COMPANHIA DAS LETRAS

 

 

 

 

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Cláudio Portella (Fortaleza, 1972). É escritor, poeta, crítico literário e jornalista cultural. Tem 8 livros publicados de diferentes gêneros. Colaborador da “Folha de S. Paulo” e da “Revista da Cultura. E-mail:




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