O bicho e seu cativeiro


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CURTO E AZUL
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Ambição: ser tão amplo

quanto o azul, que é do mar

mas cabe

…………………………numa gota.

 

***

 

NOTÍCIAS DA AVENIDA PAULISTA
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Uma cena colada no olho:
um barbudo deitado no chão.
A coberta era telha de água
sob a chuva e o raio e o trovão.
O mendigo vivia sem olhos
porque os olhos o destruirão.
Os seus olhos debaixo do pano
porque o céu só acenava o seu Não.

 

***

 

2:30 DA MANHÃ
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O que se pode fazer
se a noite, ela é noite assim?
Se a noite começa sem começo
e acaba sem chegar ao fim.

Se os dias ásperos tremem
na barra, beira do escuro.
Se a noite só pare silêncios
de fora pra dentro do muro?

É noite aqui nesse quarto.
Talvez seja noite em mim.
Silêncio. Buzinas. Silêncio.
E a noite, hoje a noite é assim.

 

***

 

UMA QUADRILHA
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João encontrou Maria,
que viu Eduardo perto,
que disse “Bom dia” a Carlos,
que riu quando viu Roberto,
que disse “Tchau tchau Aline”

Nenhum percebeu, no entanto,
ao dar seu “olá” ao outro
o tanto que passa embaixo
da pele e daquele osso
da dona ou compadre ao lado.
Ninguém percebeu as manhas,
ninguém percebeu os casos,
ninguém percebeu os risos,
ninguém percebeu que…

João encontrou Maria,
que viu Eduardo perto,
que disse “Bom dia” a Carlos,
que riu quando viu Roberto,
que disse “Tchau tchau Aline”.

 

***

 

AMAR

Onde é longe demais no dia dos homens?
Até onde o eco da voz chega
nas distâncias de uma cabeça?
Loira ou preta ou vermelha ou branca
quais as dimensões de uma cabeça
quando é pleno dia e pleno de outros?
Pleno de outros ao redor e tão perto,
tão perto
tão longe
da compreensão.
E existe isso?
Os diâmetros de uma cabeça
e, dizem os loucos e inconsequentes, dos peitos,
esse diâmetro que régua mede?

E por quem, na eternidade da vida?

De que madeira ou metal ou luz sobre-humana
um marceneiro a fez, no pleno dia da vida e das gentes?
Há medida, há tamanho, há dimensão pra
medir os metros do escuro?
Há compreensão, entendimento?
Por entre os escapamentos e o cimento e as horas mudas talvez

……………………………….[haja uma compreensão para com os homens.

Mas e?

Um homem pode abrindo a palma da mão
medir a dor e a existência e o riso do outro?
E o limite, onde é? Cada um vai apalpando
o escuro tentando encontrar a medida,
mas há limite e há regras e há molde?
O gesso quebrou e o molde também, há tempos, dizem

………………………………. [os antigos e os sábios.

Qual a medida pra medir o breu e a luz também?
E há?

Cada um vai medindo como pode
o riso e a dor do outro.
E já vale a pena, na beira dos corações.

 

***

 

POEMINHA TRISTE

São tempos conturbados
pra aqueles que desejam
passar o mar com barcos,
com barcos de papel.

 

***

 

DE NOITES, VIADUTOS, E DIAS
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É quase noite nos viadutos e nos túneis e avenidas

…………………………………………………………………..de São Paulo.

É quase noite também, talvez, no corpo escuro

…………………………………………………………………..e claro de tanta gente!

É quase noite talvez lá por dentro da cabeça dos

…………………………………………………………………..bichos, que não sei se têm

…………………………………………………………………..noite e dia.

É noite fechada e pesada talvez, já. Não sei.

Mas sei do raio em sol que teima – alegria! aleluia –

……………………………………………………………………em deitar-se ainda vestido,

……………………………………………………………………trabalhador público em gloriosa hora

……………………………………………………………………extra

sobre o Dia de Mim.

 

***

 

LAPSO

Há o medo confesso das horas
em que a pele, em que o corpo, em que o rosto
ficam sós.

…………………. (sem quem lhes confirme, no deserto
………………….. da sala, a sua humanidade)

 

***

 

NOSSO SOL SEMPRE SE PÕE SOZINHO
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Nosso sol sempre se põe sozinho

E não há equipe no coração profundo.

O bastão não se passa a ninguém

…………………………………………[na corrida

quando os tigres

……………………… [vêm quase sem

……………………….[pisar o chão.

És zebra e os tigres correm

………………………………………rápido

Nesse momento,

nesse momento quando

…………………………………[as luzes estão

…………………………………[apagadas

e os quartos fechados,

e a noite faz o barulho do silêncio

o pulso não tem a quem recorrer

e tem que pulsar sozinho.

Quando os tigres mal tocam o chão.

E tocas o coração profundo

…………………………………….[de noitinha.

 

***

 

DA NOITE DE CARNAVAL ANTERIOR

.
Os gritos das crianças vão batendo pelas paredes,

como se num pátio escolar estivessem.

As folhas ainda conservam o frescor e a escuridão

da noite de Carnaval anterior.

E sem saber o destino dos carros,

adivinha-se sempre que o caminho é de volta

porque voltam

da Noite de Carnaval anterior.

Os mijões nas paredes, os sonhos pra cima

e a noite no chão porque já foi substituída;

e as cores eram menos cores e o silêncio era

……………………………………………[quase completo

(os gritos das crianças, a volta dos carros)

na medida do possível numa Cidade de São Paulo

……………………………………………[de depois

da Noite de Carnaval anterior.

 

E a distância entre o dia e a noite anterior

é maior do que se já houvesse dois

…………………………………………..[meses se passado,

porque a noite foi Noite de Carnaval.

E a manhã é tão diferente

da Noite de Carnaval anterior.

 

***

 

O BICHO E SEU CATIVEIRO
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E que bicho difícil

é o homem e o abismo

que carrega no peito,

e também brancos sóis.

E que bicho arisco

e que bicho que dói

é o homem; que é feito

é o homem que é feito

pra ser visto de perto

 

e tocado de longe.

 

É o bicho enquadrado

nas paredes das coisas

que ele é.

 

***

 

CANÇÃO DE ACEITAÇÃO DO POEMA
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Ando querendo abrir

os quadrados dos meus poemas.

Ando claustrofóbico de seus quatro lados,

e então abro um dos

…………………………….[cantos

pra entrar ar

luz

cheiros

e terra.

Ando abrindo o fecho da abertura

porque eu preciso de tudo o que puder

porque eu preciso de tudo o que puder

no poema.

E aqui em mim.

 

***

 

OS LIMPOS SUBSOLOS
.

Às vezes entrevê-se

o fundo dos minutos,

das horas e dos dias.

Tão frágeis, tão enxutos,

tão grandes tão sem lei.

Pensei saber do mundo.

Não sei.

 

Às vezes entrevê-se

o rasgo fundo e aberto

na carne de algum Dia.

E a Noite pulsa funda

o pus infeccionado

do corte fundo em breu.

E as coisas não são tuas

e nem teu Dia é teu.

E o corte sangraria,

porém oh quem diria:

o morto já morreu

e o sangue nem correu.

 

A vida dói inteira

e espalha-se estéril.

 

Abriu, a Noite, um corpo.

E o Dia o amanheceu.

 

 

 

 

 

 

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Matheus Jacob Barreto é autor do livro de poemas “É” (2013). Foi um dos vencedores do concurso nacional “III Prêmio Literário Canon de Poesia 2010”. Nasceu em Cuiabá, e vive desde 2011 em São Paulo, onde estuda da Universidade de São Paulo (USP). Email: jacob.matheus@hotmail.com

 




Comentários (1 comentário)

  1. Evandro Belém, Parabéns pelas palavras preenchidas de sentimentos. Os versos livres realmente proporcionam vôo pleno para aquele que necessita da expressão poética para viver.
    5 dezembro, 2013 as 15:31

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