O alfabeto das damas


O alfabeto das damas: Furnari, Abramovich e Belinky.
Afinal, como é isso de escrever para crianças?

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Muito se fala nessa história do que é escrever para crianças. Afinal, existem regras? Tem um como? Como fica o conteúdo versus a forma? A verdade é que boa literatura não tem idade, muito menos limites. E quem acompanha a produção literária para crianças e jovens, sabe que muita coisa boa vem sendo publicada por aí. Alguns autores tem chamado a atenção de pequenos/grandes leitores com sua voz literária e, deste modo, se tornado referência ao que chamamos de literatura infanto-juvenil. Em 2008/09/10 realizei uma série de entrevistas com vários autores para o meu blog Labirintos no Sótão (www.labirintosnosotao.com) e aqui destaco três reflexões sobre a arte de escrever para os pequenos. Com vocês, as damas: Eva Furnari, Fanny Abramovich e Tatiana Belinky. Perguntei a elas:

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O que você diria para um escritor em início de carreira que está se dedicando a literatura infantil e juvenil?

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EVA FURNARI:
R: Em primeiro lugar eu vou dizer uma coisa: é difícil, pois não existe formação. Atualmente existem muitas oficinas literárias, que acho bacana. Agora, um escritor especificamente de literatura infantil… Bem, eu acho que escrever para crianças é até uma coisa mais complexa, pois você tem mais limitações, você tem que seguir certa ética, você tem que prender a atenção da criança mais do que o adulto, pois o adulto ainda lê por obrigação, por outros interesses, etc. A criança talvez leia obrigada para escola, mas a criança é muito sincera, se ela não gostar da história, ela larga no meio. Ao escritor iniciante eu diria para ele fugir dos estereótipos, do lugar comum, da coisa já feita e buscar dentro de si aquilo que acredita, e escrever como se estivesse contando para uma criança. E por mais complexo que seja o assunto, não é o problema em si que precisa ser infantil, é a linguagem. Então, eu aconselharia o escritor a fazer para si e não para criança, pensar no que ele gostaria de ouvir, o que ele acha divertido, emocionante, de verdade, não de mentira, não para ganhar prêmios, mas para si e não para o outro, aquilo que ele realmente acredita. Aí eu acho que ele conseguirá fazer um trabalho mais profundo e original. E a partir do momento que você está acreditando no seu trabalho, mostrar para uma criança, para um adulto. A escuta qualificada dá um retorno importante, pode ser tanto por alguém que entenda do assunto quanto da própria criança. Outra dica é ler em voz alta, pedir para outra pessoa ler para você. E depois, quando você estiver mais confiante, procurar editoras, etc. Ver o que foi escrito por aí, encontrar identificações com outros autores, em geral nos identificamos com quem temos afinidades e isso sempre é uma boa pista.
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FANNY ABRAMOVICH:
R: Ouse, se atreva, se arrisque. Decepe, sem piedade, os clichês, os estereótipos, do embrião do seu texto ou até dele bem esboçado. Ou encare, aquele que você pensava estar pronto e acabado e que acaba de ser devolvido pela sétima editora consecutiva….
Releia. Tudo, inteirinho. Desde o título, os subtítulos.. Dê uma conferida e cheque se derrapa alguma (s) melosidade , umas chantagenzinhas , uma moral bem explicitada, uma ameaça adulta de castigo , uma escapadela racista ,um comentário falsa e forçadamente politicamente correto … algumas chatices em nome da didática e outras cositas mas pelo estilo e perceba que….sua história foi pro beleleu…
É com você, ser cúmplice disso, ou não. É contigo, ser mais um autor repetindo a mesma historinha de sempre, com as mesmas bobices de sempre, com a mesma pressa de sempre, sem deixar nenhum conflito surgir , abafando as emoções fundamentais…Sem procurar escrever um texto bem escrito, pelo menos. E sem nenhuma poetura ou encanto nas frases ou esquemático na bolação da narrativa, sem humor saindo da boca de um personagem …Um todo previsível.
se resolver que não quer nada por ai, reescreva. Recomece. Se atreva. Mais e mais. Ouse. Invente personagens, cenas, um final inesperado…Quebre rotinas, surpreenda o leitor, se surpreeenda. Escrevendo um conto, um poema, o que quiser, sem a velha pausterização, sem estar nos conformes indistintos e impessoais, tente encontrar sua marca, e deixar sua assinatura: o seu modo de ver o livro para criança e o jovem.

 

TATIANA BELINKY:
R :Também estou escrevendo sobre isso agora. Bem, há três condições sine qua non: ler, ler e ler. Depois disso tem mais algumas condições, e são muitas: ter uma idéia, ter imaginação, ter liberdade no que você pensa, no que você quer contar. Liberou geral! O que você quiser escrever, você escreve, o que você pensar, escreva. O que não existe, existe! Isso eu digo para as crianças! Alguns dizem: “Bruxa não existe!”. É claro que existe! Se você fala dela é por que existe! E por aí vai.

(…)Como diz a minha neta: se não faz rir, ou chorar, ou ter medo, ou ter raiva, não interessa! Agora, se isso acontece, interessa qualquer um. E quanto à faixa etária, vivem me perguntando isso, eu digo: a faixa que me escolha! Eu escrevo o que eu tenho vontade de escrever! Agora recomendar… existe, por exemplo, para as crianças muito pequenas as histórias também pequenas, etc, etc, etc. E que são também clássicas, se repetem, se repetem, se repetem. Os contos de fadas…Houve uma época em que se falava mal dos contos de fadas, depois graças a Deus, apareceu Bruno Bettheleim, mas eu já falava isso há muito tempo, eu nem sabia dessas coisas todas… Meu pai me lia poemas terríveis! Assustadores! Eu curtia o ritmo, a linguagem, se a coisa era de assustar ou não era, nem me interessava, eu queria ter um prazer, como dizia o meu pai, um prazer estético, leia com expressão, não pode ser blá blá blá. Tem que ler e entender o que se está lendo, e interpretar, ele dizia.

 

E está dito o necessário. Até o próximo encontro.

 

 

 

 

 

 

 

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Marcelo Maluf é escritor, apanhador de palavras dançarinas e terapeuta corporal. Mestre em Artes pela UNESP. Medita no metrô e dança com sua sombra. Escreveu as novelas infantojuvenis Meu pai sabe voar (FTD) em parceria com Daniela Pinotti, Jorge do pântano que fica logo ali (FTD), organizou a antologia de contos Era uma vez para Sempre (TERRACOTA). Seu mais recente trabalho é o livro de contos Esquece tudo agora (TERRACOTA, 2012). Bloga em http://www.marcelomaluf.blogspot.com E-mail: malufmarcelo@gmail.com




Comentários (1 comentário)

  1. Carlos Davissara, Taí a fala de quem entende. Já li livros das três autoras. Agora, mais, por conta de meu filho de três anos. A Fanny tem uns teóricos ótimos para quem quer se aprofundar no gênero. Vale pela publicação, Marcelo! Abraço!
    11 junho, 2012 as 21:39

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