Manifestos: 1964-2010


Manifestos: 1964-2010, Azougue 2013

 

 

O livro mais recente do poeta e ensaísta Claudio Willer acaba de sair. Reúne os manifestos que acompanharam três de seus livros de poesia, Anotações para um apocalipse (1964), Dias circulares (1976) e Jardins da provocação (1981), todos feitos por Massao Ohno. Ao relançar poemas, em 2004, Willer não os incluíra. Mas Sergio Cohn e outros leitores opinaram que deveriam voltar a circular. Willer adicionou, então, um novo e inédito manifesto, uma extensa entrevista que Piva fez com ele em 1997 e um artigo, que vem como posfácio, de Floriano Martins.

 

Trechos, que estão na quarta capa do livro:

Proclama-se, a toda hora, o “fim” e a “derrota” das vanguardas; fim do surrealismo (que sempre se recusou a ser confinado como vanguarda); fim da beat, fim da contracultura, derrota das rebeliões juvenis. Como isso é reacionário. (“Um quarto manifesto”, 2010)

É diante do policial e de todo este estado de coisas que ele encarna que eu e mais alguns nos colocamos decididamente a favor de tudo o que é marginal, subversivo e ameaçador para a ordem pública, e que foge à esquematização das formas de conduta e possibilidades de ser. (“Fronteiras e dimensões do grito”, 1964)

Há uma lacuna entre a produção de 22 e a imediatamente após, e o momento em que Roberto Piva começou a praticar estrepolias e malabarismos com a nossa linguagem, por volta de 1962. (“Posfácio-manifesto”, 1976)

Todas estas agitações, as leituras de poesias e outras manifestações, têm um valor em si, como formas de atuação política, sem prejuízo da nossa adesão e apoio às demais frentes libertárias. (“Viagens 6 – quase um manifesto”, 1981)

 

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Mais trechos do livro:

O cartesianismo, todos já deviam sabê-lo, é ideológico: a razão controla o corpo e o mundo, os representantes da razão, em nome de Deus ou da ciência ou de alguma teoria política bem “racional”, controlam a sociedade.

Fui preciso ao citar, em 1964, fundamentando minha defesa da reintegração de poesia e corpo, o que Henri Michaux disse em seu prefácio a Mes proprietés, sobre a criação poética como ato involuntário, equivalente ao sintoma do neurótico. Unidade de poesia e corpo, no lugar da separação. Por isso, naquele manifesto, também comentava o misticismo do corpo de Norman O. Brown (do qual, como mostra Brown em Life against Death, Jacob Böhme, William Blake e Novalis foram precursores). Rimbaud, na Carta do Vidente, também: na Grécia, verso e lira ritmam a Ação.

Em meu manifesto de 1981, e em textos subseqüentes (inclusive em minha narrativa em prosa, Volta), também afirmei a autonomia do simbólico. Sou anti-aristotélico – mas ao contrário: a palavra poética produz realidade, de modo mágico. O poeta como bruxo. A citação acima de Novalis, tomada ao pé da letra. Porém, em lugar de seu idealismo mágico, um materialismo mágico.

Logo no início do manifesto de 1964, coloquei na mesma seqüência, um depois do outro, uma citação doSegundo Manifesto do Surrealismo, de André Breton, e de O Artista e as Revoluções de Allen Ginsberg. Não afirmava que Breton fosse beat, ou que Ginsberg fosse surrealista. Interessa aquilo que está entre um e outro, para onde convergem esses dois personagens, tão distintos sob outros aspectos.

 

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O Estado burocrático, representado pelo “socialismo real”, foi uma perversão. Com seu fim, houve um colapso equivalente da perspectiva da revolução. As chances de transformação estão no retorno à rebelião romântica, invocando-se, no lugar de Marx e Lenin, a Baudelaire e Rimbaud como fontes de idéias subversivas. Breton quis uma síntese política no fecho de Posição Política do Surrealismo, de 1935: “Transformar o mundo”, disse Marx; “mudar a vida”, disse Rimbaud: para nós, estas duas palavras de ordem não são mais que uma só.  Dessa duas categorias, aquela efetiva é a de Rimbaud. Aliás, Breton sabia disso – daí, em seus dois últimos manifestos, não haver mais tocado no tema do marxismo (a não ser para criticar dogmatismo) além de propor um novo mito, o dos Grandes Transparentes, e o retorno à gnose.

Não vai dar? Impossível transformar sujeitos nessa escala, traduzir essa ordem de transformação em organização política? Então, fica ao menos o testemunho – e assim retorno à página inicial daquele meu primeiro manifesto. E à página final, ao observar a quantidade e qualidade de novos poetas que se expressam por imagens poéticas, no modo não-discursivo e afim a tudo isso que acabo de expor.

Talvez seja o caso de lê-los enquanto é tempo.

 

 

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Azougue Editorial no face.

 

 

 

 

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Claudio Willer (São Paulo, 1940). Poeta, ensaísta e tradutor. Traduziu parcialmente Ginsberg e Artaud, e a obra completa de Lautréamont. Publicou também, entre outros, Geração Beat, L&PM Pocket, 2009 e a tradução do Livro de Haicais, de Jack Kerouac (L&PM, 2013). E-mail: cjwiller@uol.com.br

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