Gregos


Estranho referência em dois contos de Jorge Luís Borges. Da primeira vez, não anotei a passagem. Da segunda, no conto “A outra morte”, pus um ponto à margem. Lá está, de novo, a afirmação de que “já os gregos sabiam que somos as sombras de um sonho.”  Há pouco comparei duas traduções para o português, ambas trazendo a referência assim. Bem, terei que buscar confirmação no texto em espanhol, mas creio que também necessitarei consultar um helenista, como Ordep Serra.

E por que o estranhamento? Porque o que eu conheço, dito pelo poeta grego Píndaro (522-448 a.C.), em tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos, é muito mais bonito, significativo, profundo:

Efêmeros! que somos?
que não somos?
O homem
é o sonho de uma sombra.

Muito melhor, como a definição do humano, sonho de uma sombra do que sombra de um sonho. Será assim em grego? Creio que sim, pois Píndaro foi grande poeta e certamente preferiria “o sonho de uma sombra” a “sombra de um sonho”. Agora, se o original grego concordar com Borges, será uma pena, uma perda de valor poético.

Ah, os gregos. Que, na verdade, já cantaram tudo o que cantamos hoje. E tudo nos ensinaram, como Alceu (cerca de 620 a.C.), nestes versos:

Não fazem a cidade
nem pedra nem madeira,
nem mesmo os que a constroem:
mas onde os homens saibam
como viver seguros,
existirão muralhas
e existirá a cidade.

O que, pelo visto, milênios depois, os homens não conseguiram alcançar: viver seguros. Pedra, madeira, cimento, aço, muralhas de armamentos capazes de destruir os inimigos e o mundo inteiro – e nada de segurança. Nem para fora nem para dentro das cidades.

Misturando “três partes de água e uma de vinho”, como escreveu Hesíodo (século VIII a.C.), os gregos elaboraram altas reflexões e artes. E influenciaram todo o mundo ocidental – mas, realmente, a minoria. Porque a maioria preferiu a busca de bens materiais, apenas, o que a levou à materialização de tudo, ou quase, tornando-se inacessível ao pensamento mais generosos a à arte maior. Contra os quais é utilizada a tecnologia, como o rádio, a TV e a internet, quase sempre buscando valorizar o medíocre e o vazio. O que rebaixa os valores, levando o homem a uma disposição de viver repetindo o que no passado só foram tragédias (não as do teatro grego, claro) ditadas pela estupidez.

E vou, agora, a um poema de Arquíloco (VII a.C.), de lirismo da maior modernidade, ou seja, da eternidade da arte poética:

Com o ramo de mirto
e uma bela rosa ela brincava;
e os cabelos
lhe caíam pelos ombros
e pelas costas,
como sombras….

Sombras que sugerem sonhos… Quanto a Píndaro, como já disse, ficarei sempre com “o sonho de uma sombra”, que me parece a definição mais poeticamente perfeita do ser humano…

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Ruy Espinheira Filho (Salvador, BA, 1942). Poeta, romancista, professor, cronista e jornalista. Desde 1994, trabalhou como professor do Departamento de Letras Vernáculas da UFBA, onde conclui o doutorado em letras e linguística e, depois, se aposentou. Recebe o título de doutor honoris causa, concedido pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – Uesb, em 1999. No ano 2000, torna-se membro da Academia de Letras da Bahia. Possui textos publicados em antologias estrangeiras editadas em Portugal, Estados Unidos, França e Itália. E-mail: refpoeta@terra.com.br




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