Futuro Inesquecível


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Uma idealização de futuro no cinema é sempre uma queda no paradoxo: idealiza-se com o espírito presente, fortemente alimentado pelo passado. Não se quer senão certo modelo, corrigido, do que um dia se conheceu e se tomou pelo certo, bom e desejável. A novidade tecnológica passa a ser uma máscara para um desejo potencialmente reacionário de imobilidade no tempo.

Os produtos da ficção científica no cinema estão assim, inscritos nesse estranho panorama em que o futuro é ao mesmo tempo evocado e exorcizado. A projeção é deslumbrante, mas contém perigos, e o espectador não pode topar com originalidades radicais – assim, há sempre as máquinas que se descontrolam, os computadores vilanizados, as centrais informáticas habitadas por monstros dignos dos mais antigos pesadelos medievais, a banalização do inimigo. A distopia acabou por constituir-se uma vertente importante do cinema de ficção científica. É freqüente que o gênero apresente um futuro ameaçador e a luta do herói seja para conservar as condições de um passado idealizado e ofendido.

Desde o ano de 1982, quando foi lançado, não tem havido filme de ficção científica mais influente que Blade Runner- O caçador de andróides. Quando se anuncia uma nova superprodução do gênero, a crítica e o marketing em torno destacam que será um novo Blade Runner assim como há muito tempo, a qualquer ruído impressionante e qualitativo surgido na área do rock, diz-se que chegaram os novos Beatles. Muito antes de ser lançado, Matrix, sucesso marcante do gênero no fim do milênio, foi anunciado assim. E não era isso. Mas o espírito de Blade Runner o assombrava.
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De volta ao futuro


Blade Runner
descende do seminal Metrópolis, de Fritz Lang, produção alemã de 1926, que, hoje um clássico venerado e reverentemente esmiuçado, foi um dia considerado pelo escritor de ficção científica H.G Wells o mais tolo dos filmes. Lang tinha ido à América, e, impressionado com Nova York, inspirou-se na visão dos edifícios para construir sua cidade futurista em que os ricos e hedonistas estão no alto, os operários pobres e bonzinhos no baixo e o amor fará a pouco plausível aproximação de um filho de milionário com uma mulher que lidera os operários. No filme, que o próprio Lang considerou depois ingênuo, não se importando com a importância que os críticos posteriores lhe atribuíram, a idealização mostra-se claramente como uma operação ideológica destinada a abolir do conceito de luta de classes suas verdades mais ásperas. O movimento básico desse gênero cinematográfico – a construção de um futuro utópico visando remendar as falhas de um presente provavelmente insuportável – está ali, perfeitamente esboçado.

Revendo-se Blade Runner, entra-se no filme como num ofício religioso em que a música de Vangelis vai nos conduzindo para o futuro, esse futuro único de 2019 em que fogueiras explodem à distância. A sensação é a de estarmos num lugar elevado, improvável fora do sonho, da imaginação, e o que nos rege é o miraculoso, mas é também o desmedido, o ameaçador. Estamos no olho do replicante Leon, examinado com crueldade por um policial que pretende descobrir, em suas reações, se ele é um ser artificial. No olho, está a cidade, com suas fogueiras. A viagem do monumental para o microscópico, do gigantesco para o íntimo, torna essa abertura particularmente eficaz em termos de deslumbramento.

As desmedidas estruturas arquitetônicas, desde Metrópolis, arrancam-nos uma estupefação básica, ainda mais porque, estando na tela, são belas, não podem nos ameaçar e nos parecer simplesmente inumanas como fariam se estivéssemos sob elas, na realidade. Estetiza-se o medo e o fascínio do descomunal. Dentro dessas estruturas, pode acontecer tudo. Em obediência à regra do cinema, é preciso cativar primeiro, depois enredar; se o fascínio for operado a contento, qualquer inverossimilhança não só será aceita como parecerá puro deleite. A ameaça, assim, converte-se em promessa.

Dick Deckard, o policial, está fascinado por um enorme veículo/outdoor que passa pelo ar anunciando as delícias de férias nas colônias de Marte. Los Angeles é um lugar desagradável e aquilo é como cartaz do Havaí em um velho filme sobre detetives fatigados da vida soturna, sórdida, infecunda, das grandes cidades, que desejam evasão. Ele próprio é um clichê completo – o policial (em outros casos, o agente secreto) que está em férias e acha aborrecido ser chamado para mais uma missão. Ao subir para a chefatura de polícia de onde o convocam sem possibilidade de recusa (ele pode morrer; ou se é policial ou se é gentinha, lembra-lhe o colega – gentinha, mata-se; a tara policial corporativa está aí na culminância), olha, e olhamos com reverência, encantados, os grandes edifícios através dos quais os carros aéreos (uma fantasia persistente da ficção científica é distanciar os automóveis do chão, realizar o sonho de um trânsito fluido, eólico) vagueiam e zumbem como vespas douradas numa atmosfera de sonho. A chefatura de polícia é, a seguir, uma realidade dura, seca, azulada, necrosada, diferente da luz feérica dos edifícios mágicos e pirâmides aztecas lá fora. O que há é o interior claustrofóbico do filme noir, com o ventilador no teto baixo e o chefe de polícia gordo, cínico, desagradável, adulador. Diante dele, por mais que Deckard pareça resistir, tudo que pode é obedecer.

Blade Runner jamais teria tido tamanho apelo e perenidade não estivesse imbricado nesse gênero de filme policial americano dos anos 40. O filme é amado principalmente por seu aspecto híbrido: é confortador transportar-se para 2019 sob a garantia de que o que está se vendo é uma versão high-tech de Sam Spade (Humphrey Bogart) envolvido com uma mulher de condição ontológica indefinida (Rachel), mas que evoca Joan Crawford no penteado e nas roupas. E, apesar de ter tido uma versão do diretor em que se elimina a narrativa em off, essencial para a sua configuração como um sucedâneo do noir, o filme é melhor na versão comercial, que foi primeiro conhecida pelo público. A narração em off é um artifício precioso para criar a atmosfera pela qual se cultificou. As frases típicas dos detetives durões, cínicos, mas secretamente atormentados pela consciência ética e pelos afetos românticos, caem na voz de Deckard como luva. É o velho sobreposto ao novo: aquela narrativa vocal desiludida, auto-depreciativa, melancólica, paira sobre um futuro a um só tempo esplêndido e arruinado e nos guia confortavelmente: pode-se, como sempre acontece no cinema comercial, apreciar o alienígena com os pés fincados solidamente no conhecido.

Com todo o seu futurismo, a produção aposta seu miolo nos moldes do cinema de ação tradicional, traçando formas que ficam originais menos pela inventividade que pela acumulação disparatada de estéticas e tempos diferentes. O que vai se ver é o tira dando perseguição sem trégua aos bandidos. Ele vai eliminá-los um por um com sua eficiência maníaca, contando com a ajuda da mulher que o ama e, que por amá-lo, deixou o lado dos proscritos para ficar ao seu. A diferença é que não podemos, como espectadores, partilhar de seu entusiasmo porque esse é um heroísmo distópico: Deckard vai matando personagens com que simpatizamos, rebeldes com causa que são eles próprios a melhor encarnação da distopia científica: programados pela engenharia genética de um super-inventor genial, o Dr. Tyrell (o edifício de sua corporação é um dos destaques da arquitetura visionária do filme), revoltam-se porque têm pouco tempo de vida e espalham-se pelo planeta procurando não afastarem-se muito uns dos outros, visto que formam uma pequena comunidade perseguida. A promessa do humano redimido pela genética foi por água abaixo: transformado em andróide, eis o ser humano indignado outra vez com a velha (com certeza, eterna) questão do tempo finito rondando e fazendo-o duvidar, com ótimas razões, da bondade de seu Criador.

O ponto alto desse filme – e é curioso que isso seja pouco comentado – é a seqüência fabulosamente bem feita e significativa em que, sabedor de que J.F Sebastian, um inventor de brinquedos que lhe fazem companhia, joga xadrez com o Dr. Tyrell, o replicante Roy, líder dos revoltosos, se introduz no seu apartamento forrado de companhias inumanas (I make friends, diz J.F, num trocadilho ótimo) para chegar ao Alto, ao Pai, ao Criador, e jogar com Ele.

A metáfora do filho rebelde querendo esclarecimentos do Pai e Criador alheio é tão forte que nesse momento a subida de Roy, acompanhado pelo assustado J.F, é repleta de uma iluminação mística, com música equivalente. Roy ouve de um Tyrell amedrontado e fascinado que ele é a sua obra mais acabada. Então, por quê tão pouco tempo é dado a um replicante? Tyrell, fazendo Deus-Pai, tem explicações que nada explicam. O filho rebelde tem que se contentar com os insondáveis desígnios da Criação. E chora. E – surpresa – vaza os olhos do Pai. Vingado, desce para as ruas iluminado como Lúcifer, anjo da luz, exultante com a lucidez sem solução de sua condição de criatura precária, datada para morrer. Além de Lúcifer, ele é Prometeu, o ladrão do fogo: briga pela condição “humana” contra a arbitrariedade cruel dos deuses. Poucas cenas na história do cinema são tão densas de filosofia e metafísica quanto essa.

Roy é o herói do filme. Que poderia acabar quando ele morre, não sem antes salvar o covarde Deckard. O diretor cercou sua morte de tantos símbolos de martírio e heroísmo – não se esquecendo dos pregos da cruz de Cristo e do pombo que simboliza a alma que se evade do corpo – que tudo isso é uma apoteose sentimental demais para um filme até aí virtuosístico em visual, mas seco e cético, como um bom e velho noir. Depois da morte de Roy, a fuga de Deckard com a replicante Rachel já não nos interessa tanto, é um anti-clímax, encaminha-nos para o final mecanicamente, e há a visão de uma tomada de céu e montanhas que significaria um vago Norte onde os fugitivos talvez possam encontrar uma paz romântica, natural. Esse final pouco convincente foi rejeitado pelo diretor Ridley Scott e feito de sobras do material das filmagens de O Iluminado, de Stanley Kubrick (as sobras procediam das tomadas monumentais das montanhas do Colorado, no início do filme de terror, também produzido pela Warner).

Blade Runner mantém uma relação estranha com a Natureza. Ela está ausente do filme – quando se menciona algum encanto natural, ele é publicitário, pertence apenas aos bem-aventurados que podem refugiar-se em colônias interplanetárias, deixar a Terra. Mas retorna através da utopia genética: num mundo de Cultura, sintético, duro, funcional, o que se faz? Introduz-se o sucedâneo possível do Natural – assim, há uma coruja artificial vigilante no grande escritório da corporação do Dr. Tyrell, há uma jibóia artificial para fazer número com a dançarina Zhora, a primeira das vítimas de Deckard, há o obsessivo gosto do policial amigo deste por animaizinhos de gozação. É um mundo de onde se baniu o Natural, mas não seus simulacros.

A grande falha destes, como veremos, é conservar defeitos de fabricação tipicamente humanos, no caso dos replicantes. A Natureza é apenas um comentário irônico no filme. No entanto, a utopia anacrônica de um Norte onde um homem (ainda que um tira covarde) pode ser feliz com sua mulher (ainda que uma duvidosa boneca dotada de emoções e memórias alheias) comparece como uma estranha forma de alívio. Vimos o tempo todo uma Los Angeles escura, poluída, infernalmente caótica. Onde estava esse Norte na Terra, com sua promessa de regeneração pelo verde típica da utopia ecológica, se logo no início se viu que só em colônias interplanetárias um “terráqueo” poderia encontrar esse tipo de alento?

A Los Angeles de Blade Runner apresenta um mundo onde a principal nota distópica é a mistura. Nada é o que pretende ser, tudo se mescla e imbrica, há um idioma que parece um esperanto degenerado falado por atendentes de bares e lojas, a arquitetura é uma mistura de delírios egípcios, maias, neo-góticos e o que mais se queira. Esse mosaico imenso de estilos e épocas é a própria distopia, visto que elimina toda a possibilidade de um mundo clean, purificado. No entanto, a pureza natural mantém seu apelo mítico como promessa de redenção individual, para quem quiser acreditar nela.

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Um gênero sem nobreza

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A ficção científica, como gênero cinematográfico, tem uma história relativamente curta. Sempre foi considerada um primo pobre, desprezível, do cinema de aventuras, e ligada implacavelmente ao filme B – nas décadas de 30 e 40, dificilmente era levada a sério, com seus monstros e cientistas mal intencionados; na década de 50, continuou a ser B, tornando-se interessante em suas metáforas pela óbvia projeção dos medos americanos em clima de Guerra Fria – todo extraterrestre tinha algo de russo ou comunista.

Historicamente, atinge a maioridade e a nobreza com 2001 – Uma odisséia no espaço. Luiz Carlos Merten escreveu: Kubrick “limpou” a ficção científica (…) As produções eram modestas e a ficção científica ficava sempre nos limites do horror, com monstros assustadores vindos do espaço. Em vez desse visual “sujo”, Kubrick propôs umvisual clean, quase antisséptico. Impôs as superfícies brancas que se tornaram dominantes no gênero nos anos 70, levando a uma reação de Ridley Scott…. Essa reação, segundo o crítico, foi trazer de volta o sujo dos anos 50. Acrescente-se: com um poder de orçamento e sofisticação tecnológica que os velhos filmes B de modo algum tinham.

Alien, o Oitavo Passageiro, o primeiro grande sucesso de Scott, não é mais que um filme B grandiosamente produzido: a nave Nostromo é um castelo gótico onde se aninha um monstro imprevisível, quase um símbolo da paranóia sexual dos anos 80 – a figura obscura, esquiva, de face indefinida, mas horrenda em gosma, sangue e vísceras (ela é melhor exposta em O enigma do outro mundo, de John Carpenter) é quase um emblema inequívoco da AIDS. Os filmes, sofisticados ou ridículos, versam sempre sobre esse medo de um vírus, de um enviado interplanetário desconhecido e mal intencionado; com facilidade a profusão de gosma pode ser associada ao horror de secreções, uma alusão direta aos temidos fluidos sexuais, ao esperma.

O avanço tecnológico e as paranóias dos anos 80 foram, aos poucos, sendo substituídos pelo tema obsessivo dos 90: mundos virtuais, computadores miraculosos e maléficos. Outro não é o assunto de “Matrix”, filme estilizadíssimo, atravessado por mitos gregos, jogos enigmáticos de Lewis Carroll e pelo imaginário das histórias em quadrinhos. De um mundo onde o Mal é outra vez tentacular e tem a habilidade de mesclar realidade e ilusão de modo a enlouquecer qualquer esboço de lógica sã, sai ainda uma fantasia compensadora bem velha – Neo, que não é nada, poderá ser o Messias. O espectador recebe seu quinhão de projeção escapista, a bilheteria vence.

O gênero que, grosso modo, ficou nobre com o 2001 de Kubrick, não tem atualmente preocupação alguma com nobreza e, na tradição do cinema comercial americano, artístico só por acidente, recicla sempre que necessário seus padrões e seus maiores sucessos em busca de bilheteria, não mais.

Pela reação de Scott, opondo ao clean de Kubrick o sujo de sua Los Angeles caótica, aproveita-se da atmosfera de vale-tudo visual que Blade Runner possibilitou e pode, ocasionalmente, retornar a um maior rigor formal, seguindo Kubrick, mas vai perdendo o gosto pelo poético, pelo especulativo, e concentrando-se mais e mais em aspectos de vídeo-game e parafernália tecnológica do tipo que nos joga areia nos olhos para nos distrair da falta de bons roteiros e boas idéias.

Vivemos num filme, ou melhor, num filméco de ficção científica plenamente distópico: as promessas de um futuro cinematográfico cada vez mais brilhante, como se houvesse uma evolução de qualidade idealmente linear, já foram substituídas pela manipulação dos mais deslavados clichês, sem remorso.

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Tempo, tempo…

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Viagens no tempo, deslocamentos delirantes, possibilidades abertas: o que se quer, de todo modo, é domínio sobre o imensurável, o incontrolável, a enlouquecedora autonomia de uma realidade oposta a todos os desejos, o que se quer é o tempo como objeto fácil, que se comprima e se dilate à nossa mercê, que não seja o que é: indomável e dado a rir dos esforços humanos, mesmo os mais nobres. O tempo na ficção científica é sempre um fardo – por isso a estranha e constante mistura de anacronismos persistentes e plenitudes futurísticas: o Homem é velho e se ajusta mal às novidades que cria para vencer inimigos eternos como os dias que passam, a velhice, a morte, dispõe de um corpo que não conhece bem e de fantasias que mesclam acolhimento e hostilidade com fronteiras tênues. O desejo furioso de compensar-se dessas fraquezas é muito pronunciado na pátria de todas essas fantasias, de todo esse cinema – a América – lá, onde a morte tem que ser sempre suprimida ou atenuada, não importa que a sobrevivência seja bizarra, seja inaceitável; algum último recurso, algum dispositivo extravagante, algo que o dólar possa comprar e a imaginação mais otimista (ou mais ingênua) possa conceber, há de eliminar da Terá a tragédia do tempo, da finitude; a imensa máquina de sucedâneos, próteses, reposições e compensações funciona como um mundo autônomo louco a que se deu corda e não pode parar.

Nesse aspecto, Blade Runner continua vivo, porque prenunciou o tema dos últimos filmes de FC: o clone. Os replicantes tinham limitado tempo de vida e, tendo adquirido emoções humanas, passaram a viver com uma melancolia tipicamente humana: a da não-aceitação da finitude. Criados para escravos de colônias interplanetárias, queriam libertar-se, mas queriam mais: queriam tempo. Trabalhador terceirizado pela indústria genética de Tyrell, o fabricante de brinquedos J.F Sebastian, menino e velho, sofre de um mal que chama de decrepitude acelerada. É forçado a viver só naquele apartamento repleto de brinquedos tão vivos quanto patéticos, os amigos que faz, os únicos que pode fazer, num prédio abandonado onde há imensos painéis holográficos de japonesas que entoam litanias publicitárias arrepiantes e a chuva cai indefinidamente. Blade Runner, com sua obsessão triste pelo tempo concedido pelo Criador, tratou seres artificiais, pela primeira vez, como humanos, aliás como seres mais interessantes que os rasos humanos do filme. J.F, um humano em terminal solidão, doente, rendido à vida artificial, é seu personagem mais completo.

O clone tinha que vir. De um modo geral, o cinema americano – como o próprio público – parece não ter notado ainda como esse tema é trágico. Propicia reflexões mais que assustadoras sobre fantasias humanas de narcisismo e duplicação; basta lembrar os clássicos William Wilson, de Edgar Allan Poe, ou O sósia, de Dostoievsky.

Mas, não – otimiza-se a fantasia sombria: o duplo pode ser gozo. É o assunto de O sexto dia, filme deslavadamente comercial em que Arnold Schwarzenegger é trocado por um sósia e precisa ser eliminado. Nada de excepcional acontece: o herói não se incomoda com a perturbadora duplicação à sua frente; o filme euforiza o encontro, serão dois Schwarzeneggers distribuindo pancadas certeiras sobre os bandidos que os perseguem inutilmente. Mas está repleto de fantasias de clonagem, como os animais da empresa Re-Pet, que satisfazem à ansiedade básica dos americanos quanto à vida após a morte – se você perdeu seu bichinho de estimação, a empresa fornecerá outro, idêntico. De modo algum as crianças acham ruim.

Dificilmente o cinema americano mudará – tem compromisso inexorável com a idéia de que a vida, se não é boa, é remediável. A idéia intolerável de que estamos destinados ao desespero, e, humanos ou replicantes, afundados num enigma ontológico a que Tyrell algum pode dar resposta, não é considerada sadia o bastante para garantir a sobrevivência das almas – ou da bilheteria. O futuro, ele também tem que ser domado, manipulado, esquecido ou magicamente evocado. Blade Runner, muito sintomaticamente, é o ponto alto da carreira de um cineasta que nunca mais fez nada tão bom.

Mas, em 1982, nos deu um futuro inesquecível. Continuamos a viver à espera de um 2019 de pleno cinema.

 

http://youtu.be/a_saUN4j7Gw

 

 

 

 

 

 

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Chico Lopes nasceu em Novo Horizonte, SP, em 1952, está radicado em Poços de Caldas desde 1992. Em Poços, é programador e apresentador de filmes do Cinevideoclube do Instituto Moreira Salles desde 1994. Tem vários livros inéditos de ensaios sobre filmes e literatura, além de ter publicado três livros de contos: “Nó de sombras” (2000), “Dobras da noite” (2004) e “Hóspedes do vento” (2010) e um de poemas: “Caderno Provinciano” (2013).  E-mail: franciscocarlosl@yahoo.com.br

 




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