Em matéria de história de amor


……….O que deu pra fazer em matéria de história de amor

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Transportar a realidade para os livros e mostrar fagulhas do que foi vivido é uma obsessão que permeia a obra de Elvira Vigna, escritora e desenhista carioca. Não poderia ser diferente com o recém-lançado O que deu para fazer em matéria de história de amor, narrativa ambientada no Guarujá, litoral de São Paulo, onde a autora passou um mês para transpor no papel a quantidade de mosquitos, as ruas desertas num agosto chuvoso, os prédios antigos da região.

Neste apartamento na praia, descrito nas primeiras páginas do livro, aos poucos se revelam histórias dentro de histórias: a começar pela da protagonista, que tenta entender a si mesma resgatando vislumbres do que aconteceu – ou pode ter acontecido – com Arno, Rose, Ingrid e Gunther, europeus iluministas e ex-moradores do local, vindos para o Brasil para fugir dos horrores da Segunda Guerra Mundial.

Ao tomar consciência das ações que desencadearam os principais acontecimentos na vida dos alemães, a narradora – cujo nome não é apresentado – se debruça sob sua existência e, como numa espécie de espelho, olha para si através do outro, tentando compreender sua relação com Roger – filho de Arno, mas fruto do adultério entre sua mulher Rose e Gunther – e suas escolhas ao longo dos anos.

Com escrita pungente, de frases curtas, Elvira mostra a crueza da vida real, com a sutileza de pontuar passagens importantes na história da sociedade de forma corriqueira, como quem apenas recorda situações passadas: a contracultura e a confluência de artistas, intelectuais e da vida boêmia em meados de 1960. A ruptura dos padrões femininos em voga, numa época em que imperavam conselhos de como uma mulher deveria ser pura, submissa, além de boa mãe e dona de casa. O movimento contemporâneo nas artes plásticas, em contraponto ao pragmatismo e a seriedade de se tornar um homem de negócios. Os primeiros casos de Aids no Brasil, quando ninguém sabia ao certo que doença era aquela. Situações embaladas pela busca constante da narradora: o que fazer com sua vida amorosa com Roger, com quem vive, e ao mesmo tempo não vive, uma relação de amor. Se é que, para a protagonista, isso é amor. Estar com alguém pensando o tempo todo em não estar.

Ao reconstruir o passado e construir o presente, a autora revela como todos buscam a possibilidade de viver uma história de amor, mesmo em meio a desencontros, traições, carências, silêncios, expectativas frustradas, ao prazer do sexo, segredos familiares e ao futuro em suspenso, quando o que mais se quer é saber como a história vai acabar. Em vão. Por que no fim é isso que todos nós fazemos: apenas o que dá para fazer, em matéria de história de amor. E de todo o resto.

 

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O que deu pra fazer em matéria de história de amor
Autora: Elvira Vigna
Editora: Companhia das Letras, 208 páginas

 

 

 

Michele Prado é jornalista, pós-graduada em Comunicação Empresarial e Institucional, com atuação nas áreas de educação e literatura. E-mail: michele.poliveira@gmail.com




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